10 Anos do Bom Combate
É muito fácil permitir que as agruras do dia a dia nos levem a esquecer das coisas mais importantes – daquelas que trazem impactos de longo prazo. E é no meio de uma das maiores crises vividas recentemente em nosso mercado de capitais que a Amec – Associação de Investidores no Mercado de Capitais – entra no ano em que comemora sua primeira década de existência.
Neste período, muita coisa mudou…e muita coisa permaneceu igual. Mas, talvez o mais relevante seja a percepção cada vez mais clara que o respeito aos direitos dos acionistas é uma peça fundamental para a construção de um mercado de capitais saudável.
A Amec evoluiu de maneira consistente neste período. No nascimento, era vista com reservas por alguns críticos. Uma “entidade de classe”, que serviria como um megafone, reforçando a pressão de alguns pleitos dos seus associados mais ativistas.
Logo ficou claro que os críticos estavam equivocados. Desde o início, a Amec se impôs como uma das principais vozes do debate sobre o mercado de capitais. Como foi colocado recentemente por um participante, tornamo-nos a “consciência” do mercado. É interessante examinar como isso aconteceu, pois oferece uma poderosa mensagem sobre a missão da Amec e sobre a gestão de uma entidade com este perfil.
São basicamente duas as razões deste sucesso, ambas plantadas já no início de nossas atividades: visão e consistência. A visão de nossos fundadores, que desenharam uma governança sólida, equilibrada, capaz de não apenas atrair os mais diversos investidores institucionais, mas também assegurar uma atuação embasada e focada nos princípios, sem o risco de “captura” por qualquer parte interessada. E consistência na gestão durante todo este período para permanecer fiel à visão dos fundadores – mesmo quando em algumas situações as pressões fossem fortes para que extrapolássemos a nossa missão.
Em 2006, já tinha ficado claro que combater os abusos contra acionistas minoritários seria uma questão sine qua non para que pudéssemos desenvolver um mercado de capitais saudável. O Novo Mercado despontava como uma resposta correta à assimetria de poder e de informações dos tomadores de decisão – e consequentemente à assimetria de distribuição do valor da companhia. Ele nasceu com base na percepção de que os investidores só entrarão no “jogo” do mercado de capitais se souberem que seus direitos serão respeitados.
Essa percepção reforçou a necessidade de uma voz para esses investidores – especialmente os institucionais, que possuem estrutura profissionalizada, escala e um dever fiduciário de agir no interesse dos seus clientes. Mas não bastaria criar uma associação de investidores ativistas, que por sua natureza seria sempre uma entidade de nicho. Aliás, esta via já tinha sido tentada antes, sem sucesso. Era importante trazer a voz dos grandes investidores – aqueles chamados de “mainstream”.
Foi com esta visão que os fundadores se reuniram através da liderança da Anbid – então presidida por Alfredo Setúbal – para criação de uma entidade muito representativa. A ideia era congregar gestores independentes e instituições financeiras – posteriormente ampliada para incluir estrangeiros e fundos de pensão. Nascia assim a Amec – Associação de Investidores no Mercado de Capitais.
A estruturação da associação ficou a cargo de Edison Garcia, que havia sido Superintendente da CVM. Ele aliava a sensibilidade à agenda dos acionistas minoritários com a disciplina do serviço público, que se revelariam fundamentais para criar os pilares da Amec. Cinco anos depois, ele seria alçado à presidência da associação.
O primeiro presidente escolhido foi Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central, que permitiu à Amec já nascer com um elevado nível de credibilidade perante o mercado e os reguladores. Coube a ele levantar as primeiras bandeiras, e superar os grandes preconceitos que se levantavam contra a nova associação. Ele foi sucedido por Walter Mendes que, além de grande experiência no mercado de renda variável, sinalizava fortemente o comprometimento dos grandes bancos com as bandeiras da Amec, já que era o gestor de renda variável do Itaú à época.
Os 10 anos simbolizam a maturidade da Amec. A consolidação de um projeto correto, necessário, e que se traduz no impacto desproporcional que a Amec tem no debate, em face ao seu limitado tamanho e orçamento. Fazemos mais com menos – e fazemos direito.
Podemos dividir nossa história em três grandes fases. Na primeira, a Amec focava fundamentalmente em casos específicos de abuso de poder de voto. Casos como Telemar, Arcelor, Brasil Telecom, Trafo, Cosan, Rhodia-Ster, Petrobras, Ipiranga, UOL mostraram que transações outrora impunes agora recebiam críticas fortes e embasadas de uma associação de fato independente – sempre a partir de uma visão sistêmica de como os precedentes desses casos impactariam o mercado em geral. Reestruturações societárias e os problemas dos laudos de avaliação se destacavam nesses casos e, consequentemente, foram objeto de grandes debates e posicionamentos da Amec.
A segunda fase mostra uma atuação ainda mais institucional da Amec. A associação passa a colaborar fortemente com reguladores e autorreguladores na construção de um mercado mais saudável. É dado início ao debate sobre take over panel, que levou à criação do CAF – Comitê de Aquisições e Fusões. A reforma do Novo Mercado, em 2010, teve forte apoio da associação. E de maneira ainda mais evidente, a associação tornou-se peça fundamental na materialização de muitos dos direitos dos acionistas previstos em lei, mas cuja aplicação era difícil ou impossível. Aqui estamos falando principalmente do processo de proxy voting e de eleição de conselheiros independentes. Ainda que tal direito estivesse amplamente previsto na nossa lei – e ainda mais forte após 2001, com a Lei 10.303 – as dificuldades e obstáculos para sua eficácia eram muitas vezes insuperáveis. Os engajamentos da Amec com relação a essa agenda levaram a mudanças substanciais nos processos internacionais de voto de empresas brasileiras, mudanças regulatórias e, mais diretamente, alterações no Oficio Circular da Superintendência de Empresas da CVM e a edição da Instrução 561, que trata do voto à distância.
A terceira fase se inicia agora, ao comemorarmos nossa primeira década de existência. A Amec passa a influenciar seus próprios constituintes para focar no exercício dos seus deveres fiduciários. Iniciamos, em 2015, a oferta de cursos de governança corporativa para investidores, em parceria com o IBGC. E agora, lançamos o Código Amec de Princípios e Deveres dos Investidores Institucionais, trazendo para o país as melhores práticas internacionais neste campo, com o conceito de stewardship.
São os investidores reconhecendo seu papel na construção de um mercado de capitais mais saudável, de companhias melhores e de clientes bem atendidos.
Nos próximos 10 anos os desafios são inúmeros. A crise que vivemos expôs as chagas da ganância, do “curtoprazismo”, do pragmatismo em detrimento dos princípios e do desrespeito pelos direitos dos acionistas. A Agenda Amec revela-se mais urgente do que nunca, e nossa missão é continuar a defendê-la, com determinação e equilíbrio, até que possamos dizer que, no Brasil, quem compra 1% de uma empresa tem de fato 1% do seu real valor econômico.