Aumenta o grau de incertezas com o ritmo de retomada da economia brasileira
O grau de incerteza com o processo de recuperação da economia brasileira no pós-pandemia vem aumentando nas últimas semanas. O prolongamento das medidas de isolamento social e o ambiente político, além de dificuldades fiscais já previstas anteriormente, reforçaram a dose de cautela dos gestores.
A economia do país vinha em um processo de recuperação no período pré-pandemia, que demorou mais que as previsões iniciais desde o processo de impeachment. “Não estávamos prontos ainda. A recuperação estava acontecendo, apesar de ter sido atrapalhada por uma série de eventos como a greve dos caminhoneiros, o efeito Joesley, a demora na aprovação da Reforma da Previdência, mas estava começando a andar, quando chegou a pandemia”, explica Marcelo Giufrida, CEO da Garde Asset Management e ex-Presidente da Anbima.
O primeiro ano do governo Bolsonaro teve suas dificuldades, mas terminou com a aprovação da Reforma da Previdência e abria espaço para uma agenda de retomada do crescimento. “Aí veio a pandemia e derrubou a economia novamente. Estamos registrando um dos piores desempenhos entre os países emergentes, com uma relação dívida PIB bem alta com tendência de agravamento do déficit público”, aponta Giufrida. Todos esses fatores fazem com que o gestor não consiga trabalhar com um único cenário de recuperação. “Estamos trabalhando com pelo menos dois cenários, ou até três perspectivas diferentes para a retomada”, revela o CEO da Garde.
O cenário otimista prevê que a pandemia será controlada mais rapidamente e o país retomará a agenda de reformas. O cenário pessimista prevê um prolongamento das medidas de isolamento, ampliação dos impasses políticos e deterioração dos indicadores fiscais. Somado a esses cenários domésticos, há de se considerar ainda as perspectivas da economia mundial e da crise sanitária ao redor do mundo. “Ainda por cima lá fora não está nada resolvido, tem muito para se esclarecer ainda. E se voltar a crescer o número de casos na Ásia e na Europa?”, questiona Giufrida.
Postura do gestor
Diante do aumento das incertezas, o gestor tende a preferir uma alocação mais cautelosa, menos posicionada no médio e longo prazo. “Temos realizado uma gestão com ajustes mais frequentes, com maior posição de caixa, aproveitando oportunidades no curto prazo devido ao aumento das incertezas”, diz. Ele observa que as oscilações do mercado são mais frequentes em tempos de crise e pandemia com rápida mudança nos preços dos ativos. “Reforçamos o trabalho de avaliação constante de preços dos ativos, sempre comparando o preço que está com o que deveria estar”, conta Giufrida.
O ponto positivo, para o CEO da Garde, é que os mercados domésticos em geral estão funcionando normalmente, estão fluindo em suas negociações e em sua liquidez. “Os mercados estão funcionando bem, é possível entrar e sair de posições sem maiores problemas de liquidez”, aponta. Diferentemente da crise de 2008, quando o mercado praticamente “enfartou”, agora não houve problemas em seu funcionamento.
As medidas do Banco Central, em geral, tiveram resultado adequado para manter o bom funcionamento do mercado. Houve problemas pontuais, como por exemplo, no mercado secundário de crédito privado, com distorções na precificação dos ativos, mas não chegou a paralisá-lo. Outro ponto positivo foi a atitude mais “madura” do investidor em geral que não se apavoraram com o impacto da crise. Não houve uma forte onda de resgates nos fundos como na última crise de 2008.
Contexto dos emergentes
Eduardo Figueiredo, Gestor de Fundos da equipe de Mercados Emergentes da Aberdeen, traz uma análise do desempenho do mercado brasileiro dentro do contexto dos países emergentes. Em um primeiro momento, verificou-se uma performance muito negativa, de sell-off de maneira geral, tanto no Brasil quanto lá fora. “O Brasil chamou a atenção pela combinação da queda nos preços dos ativos de Bolsa com a depreciação no Real. Entre os emergentes, teve a pior performance”, lembra.
Desde então, os investidores de maneira geral estão evitando ampliar as posições em Brasil, com uma tendência de
saída. “Os investidores estão observando até onde vai a crise de COVID-19 e estão olhando para a capacidade dos países em dar uma resposta coordenada não apenas de combate à doença, mas de estímulo e apoio para a economia”, comenta Figueiredo.
Passada primeira fase mais intensa, veio um momento de recuperação para os países que demonstraram maior capacidade de apoiar a economia. O exemplo evidente veio dos EUA, com o S&P com boa performance, com alta de 35%, voltando ao patamar de outubro do ano passado.
O Brasil demorou um pouco para dar respostas do lado fiscal, mas as ações do Banco Central e do governo chegaram para injetar liquidez na economia. Porém, chegou também uma preocupação adicional com a gestão da crise de saúde pública. “A constante troca de Ministros da Saúde e o ambiente político mais incerto são fatores que não favorecem uma retomada do fluxo alocação para o Brasil, mesmo com os preços atrativos”, analisa Figueiredo. Ele diz que em linguagem mais simples, o Brasil é uma ótima empresa, com ativos excelentes, mas com problema de governança importante.
O resultado é que o Brasil e a América Latina em geral têm registrado fluxos negativos de investimentos na região. Com isso, os países acabam reduzindo sua participação nos índices globais, como por exemplo, o MSCI Emerging Markets, em detrimento do aumento do peso de países da Ásia. A tendência já era verificada antes da pandemia, e foi acelerada após a chegada da COVID-19.
Empresas Brasil
A Aberdeen mantém investimentos em 26 empresas brasileiras e realiza um trabalho de análise e monitoramento de cada uma delas, com maior atenção no período de crise. “Estamos olhando de perto as empresas e a maioria já tinha feito um trabalho importante de austeridade antes da pandemia, com redução de custos e endividamento”, conta Figueiredo. Os ajustes realizados por conta da própria crise que o país viveu entre 2014 e 2017 funcionou como uma espécie de preparação para a sobrevivência no período atual.
O gestor avalia um maior impacto, por exemplo, sobre o setor de varejistas com maior presença em lojas físicas e presença em shoppings. Neste segmento, é importante visualizar a situação de liquidez de cada uma das empresas para prever quem irá sobreviver e sair em uma melhor posição. Obviamente, aquelas empresas com melhor posicionamento em e-commerce estão levando vantagem neste período de distanciamento físico. Outros setores serão muito mais impactados como turismo, aéreas e shoppings.
“Nosso foco é privilegiar empresas que irão sair dessa situação em situação melhor que entraram. Podem até sofrer impacto severo no curto e médio prazo, mas sairão em boa situação e ganho de market share”, comenta Eduardo.