Entrevista Marta Pinheiro e Gustavo Pires: Queremos induzir práticas ESG em nossos stakeholders
A recente criação de uma nova diretoria focada exclusivamente nas práticas ESG tem o objetivo muito além de provocar uma mudança interna na XP Inc. A finalidade, segundo a Diretora da área, Marta Pinheiro, é provocar impacto no mercado e discutir o tema com todos os stakeholders. “Temos a finalidade de provocar todo o ecossistema onde estamos inseridos. Precisamos de bastante foco e intensidade, por isso a criação da nova diretoria”, diz a executiva em entrevista exclusiva ao Panorama Amec.
Há 3 anos e meio na XP, Marta se tornou sócia e assumiu há três semanas o comando da nova diretoria ESG. Além disso, mantém a função de inovação e projetos estratégicos, da área de business development, que coordenava anteriormente. Uma das primeiras ações da nova estrutura é o lançamento de dois fundos ESG. Um deles, já aberto para captação, é um fundo global que investe em ETFs com temática socioambiental. O outro, que tem lançamento previsto ainda no mês de julho, é um fundo de fundos do mercado local.
Para estruturar estes produtos, a XP se deparou com a dificuldade de encontrar um maior número de fundos ESG na indústria doméstica. Mas como a empresa pretende fomentar o segmento, decidiu disponibilizar R$ 100 milhões para investir como seed money em assets que possam criar e manter fundos dessa categoria, revela Gustavo Pires, Sócio responsável pela Diretoria de Fundos de Investimentos. Confira a seguir a entrevista com os dois executivos da XP sobre as iniciativas e projetos da empresa:
Panorama Amec – Poderiam contextualizar a decisão de criar uma diretoria focada no ESG?
Marta Pinheiro – Vínhamos discutindo na XP há algum tempo os temas de ESG, que já estavam disseminados na empresa, mas que agora ganham nova abordagem. Antes já vínhamos realizando uma série de ações dispersas. Fomos nos familiarizando com o ESG e nos posicionando quanto a isso. Foi então que tomamos a decisão de criar a nova diretoria, como forma de avançar da maneira como gostaríamos. A decisão tem o objetivo de provocar um impacto no mercado e discutir o tema junto aos nossos clientes. Temos a finalidade de provocar todo o ecossistema onde estamos inseridos, precisamos de bastante foco e intensidade.
Como prevê a mudança da atuação da XP em relação aos stakeholders nessas questões?
Marta – A ideia é que a XP vá se tornando uma referência nas práticas ESG. Com isso queremos induzir mudanças em relação aos gestores, emissores, clientes, agentes autônomos, reguladores, enfim, todos que estão à nossa volta. Queremos influenciar a todos para que o ESG deixe de ser um assunto adicional, como apenas uma pauta a mais, para que passe a permear todos os assuntos e que de fato seja abrangente.
E qual o impacto do ESG para dentro da organização?
Marta – O objetivo é que permeie realmente toda a cultura da XP. É um trabalho conjunto com outras áreas. Vamos fomentar outros produtos, não apenas fundos de investimentos. Temos a missão de abarcar tudo que olhamos na XP, todas as nossas verticais e todos os nossos negócios. É uma maneira de olhar para dentro e trazer soluções e discussões, educação e conteúdo.
Poderiam comentar as iniciativas que já estão em andamento?
Gustavo Pires – A Marta está tocando a nossa diretoria responsável por todo o ESG do grupo e um dos desafios, naturalmente é que as áreas vão tomando iniciativas. Então, teremos muitas coisas para divulgar nos próximos meses. O que já está público são duas iniciativas, de dois fundos ESG.
Como irão funcionar os dois fundos?
Gustavo – Um deles é o Trade ESG Global. É um veículo local que investe em ETFs lá fora para formar uma carteira ESG. Já está disponível na plataforma da XP, com um bom início de captação, e que consideramos o primeiro fundo ESG internacional do mercado doméstico disponível para investidores locais. É um produto extremamente acessível com um tíquete de aplicação mínima.
E vocês pretendem lançar um fundo com produtos de outras assets, não é isso?
Gustavo – Sim, é o segundo fundo, que tem previsão de lançamento ainda para este mês de julho. Será chamado de Selection ESG. Nós temos a família Selection, de fund of funds, que já é bem grande, com mais de 10 fundos. Já vínhamos pensando em lançar um fundo que investisse em outros fundos ESG. E decidimos então avançar nesse sentido e logo nos deparamos com um primeiro desafio. De que adianta lançar um fundo de fundos se não contamos com outros produtos do tipo no mercado? Até então, identificamos que havia apenas três fundos do gênero no Brasil, que eram da Fama, Constelation e JGP.
É um mercado muito limitado ainda, não é?
Gustavo – Sim, por isso percebemos que se queríamos realmente desenvolver o segmento no país, mais que nos tornarmos uma empresa aderente, mais que investir em um ou outro produto lá fora, como é o caso do primeiro fundo que lançamos, mais que tudo isso, deveríamos nos tornar um agente de fomento desse segmento. E para isso decidimos disponibilizar R$ 100 milhões para que possamos investir como seed money em outros veículos.
Como será distribuído esse seed money?
Gustavo – Com esse veículo que estamos colocando de pé, nós investiremos em capital proprietário em nosso fundo que, por sua vez, investirá em outros gestores. Inicialmente vamos selecionar gestores de ações, que queiram desenvolver estratégias ESG. Partimos de um filtro quantitativo e qualitativo idêntico ao que fazemos hoje. O ponto de partida é selecionar bons gestores de ações, competentes nesse processo e que tenham equipe bem estruturada. E que além de tudo isso, adicione uma camada ESG no processo.
Como funciona esse filtro para seleção de assets e fundos?
Gustavo – Temos uma preocupação com o tamanho do time de gestão das assets. Temos uma restrição a times muito compactos. Não precisa ser um time enorme, mas precisa ter um tamanho adequado. A senioridade do time e o histórico de onde as pessoas vieram são essenciais. Analisamos a estrutura societária da gestora, para ver se todos estão alinhados, engajados com uma gestão mais competente.
Quantas assets serão selecionadas?
Gustavo – Tem aparecido muitas casas novas, que estão montando novos produtos e chegamos à conclusão que não adianta oferecer recursos para todo mundo nesse mercado. Não adianta ajudar todo mundo e sem querer, podemos denegrir a imagem do segmento. Então o ponto de partida é selecionar gestores de ações extremamente competentes, com filtro ESG, com boas chances de montar um veículo que supere os principais índices locais. Além dos critérios ambientais, sociais e de governança, que seja uma opção interessante de performance.
As assets já selecionadas também receberão seed money?
Gustavo – Inicialmente podemos investir em uma ou mais de uma dessas assets já selecionadas [Fama, Constelation e JGP]. Ainda são escassos os produtos desse tipo no mercado. Hoje temos mais capital de seed money do que gestores aptos para receber. Tecnicamente, podemos começar investindo nos produtos disponíveis e mais adiante, podemos tirar desses gestores que estarão mais maduros, para direcionar para novos gestores.
E quais os próximos passos e lançamentos?
Gustavo – Isso é uma jornada e temos uma ultramaratona pela frente, que felizmente não termina nunca. Hoje temos aqui um desafio para explorar esse tema não só ESG, mas também como empresa para influenciar as gestoras de ações, e mais adiante as de crédito e de outros segmentos. Vamos acionar nosso time de mercado de capitais para emitir mais green bonds. Então, pensamos em fomentar fundos ESG do tipo previdenciários, imobiliários, infraestrutura, e assim por diante. Até que chegará o momento que quase tudo que a gente faça, de forma nativa, já tenha essa roupagem ESG, como premissa que seja um bom produto para o investidor.
Como será a relação com consultorias especializadas em ESG?
Marta – Temos conversado com várias consultorias. Estamos entendendo um pouco como vamos nos relacionar com esses parceiros. Então, ainda não temos nenhuma decisão de agreement para divulgar com alguma consultoria externa, que tenhamos nos comprometido. Estamos bastante abertos com todo o mercado e com as pessoas envolvidas nesse tema. Falamos com várias consultorias para nos ajudar nessa jornada.
Vocês estão falando com outros stakeholders sobre o tema ESG? Com quem?
Marta – Pensamos que quanto maior o envolvimento de diferentes players com distintos ângulos de atuação do mercado, sejam reguladores, especialistas, fundações, universidades, isso nos ajuda a avançar. Ajuda por exemplo na questão da formação de analistas, para que consigamos inserir o ESG além da ótica apenas fundamentalista. Temos falado com bastante gente.
Vocês já aderiram a alguma iniciativa ESG?
Marta – Ainda não nos posicionamos em relação às adesões a algum pacto ou iniciativa. Vamos tratar isso dentro da construção da área. Estamos abertos a entender e construir juntos qual é o melhor caminho, mas ainda não temos nenhum acordo para antecipar. É um processo muito recente de constituição da diretoria, apenas duas semanas, mas muito em breve teremos novidades nesse sentido.
Como o projeto de construção da nova sede da XP se insere na temática sustentabilidade?
Marta – A construção da nova sede irá considerar aspectos sustentáveis e, além disso, vamos contar com um lugar muito atrativo para todos os nossos colaboradores e clientes. Será um diferencial. Junto com a nova sede, teremos toda uma política de home office. O ideal é que os colaboradores continuem trabalhando desde suas casas, com todo apoio de infraestrutura e segurança, com menor locomoção no dia-a-dia. Estamos definindo local para e finalizando o projeto da nova sede que terá um período de construção de pelo menos um ano pela frente.
Quais outras ações e iniciativas da empresa no contexto do ESG?
Marta – Temos realizado diversas iniciativas de diversidade, como por exemplo, na semana passada, começamos com o tema LGBTQIA+. Iniciamos um trabalho de inclusão dessa cultura na estrutura corporativa. Estamos tratando também o tema de equidade de gênero e uma série de ações nesse sentido de contratação seletiva de mulheres. Nós nos comprometemos com o aumento percentual de 10% de mulheres no prazo de um ano. Temos também um programa para inclusão de negros e outras iniciativas a favor da diversidade.
Finalmente, poderiam comentar também as iniciativas de educação da XP?
Marta – Temos o projeto de educação “Juntos Transformamos”, que está se direcionando para suportar a sociedade no cenário de pandemia. Com o lançamento da Xpeed, nossa empresa de educação, esperamos ampliar nossa atuação em relação a isso. Certamente o ESG será uma pauta que trataremos na área de educação, seja para nós mesmos, agentes autônomos e toda nossa rede.