Instrução CVM 627 incentiva enforcement privado em linha com demandas históricas da Amec
Em evento promovido pela revista Capital Aberto, o Presidente-Executivo da Amec, Fábio Coelho, debateu os avanços, benefícios e riscos da Instrução CVM n. 627/2020 ao lado do Diretor da Comissão de Valores Mobiliários, Gustavo Gonzalez, e do advogado e professor da Escola de Direito da FGV-RJ, Nelson Eizirik. O debate foi realizado através de videoconferência na última quinta-feira, 16 de julho, com moderação da jornalista Beatriz Quesada.
Fábio Coelho abriu sua participação explicando que a elaboração e publicação da nova norma tem a ver com a busca das melhores práticas do contexto internacional pela CVM. “Nosso órgão regulador tem promovido o maior alinhamento com as melhores práticas dos países membros da OCDE”, disse. No caso da nova instrução, a CVM buscou fortalecer o enforcement privado, que é uma das diretrizes da Amec.
“A nova regulação está em linha com o maior engajamento dos investidores, com o stewardship, e com as boas práticas de governança e defesa dos direitos dos investidores”, disse o Presidente da Amec.
A Instrução CVM 627 promove o escalonamento da participação no capital social que os acionistas minoritários precisam deter para exercer direitos como a entrada de ação contra administradores, a convocação de Assembleia Geral, a exibição por inteiro de livros da companhia, requisição de informações ao conselho fiscal e o pedido de informações ao administrador.
Para empresas com capital social até R$ 100 milhões, por exemplo, é necessária a reunião de acionistas que detenham pelo menos 5% do capital da empresa. O percentual de participação vai caindo de acordo ao aumento do tamanho da empresa. Para companhias acima de R$ 10 bilhões, o capital social mínimo é de 1% para o exercício dos direitos acima.
A nova instrução surgiu em um contexto de uma série de estudos e iniciativas para incentivar o enforcement e proteção dos direitos dos investidores das companhias, explicou Gustavo Gonzalez. “A Instrução CVM 627 veio para compensar uma antiga dívida com o mercado. É um pleito antigo da Amec e uma dívida histórica com a legislação societária no Brasil”, comentou o Diretor da CVM.
Durante o debate, os especialistas esclareceram que, na verdade, a instrução não criou nenhum direito novo, mas sim, facilitou o acesso ao exercício de direitos que já eram previstos na Lei 6.404/76, conforme o artigo 291. “A nova regra não cria novos direitos. Ela facilita a reunião de acionistas para acessar tais direitos que já eram previstos”, disse.
Para Gustavo Gonzalez, o direito à convocação de Assembleia Geral será o direito mais utilizado pelos acionistas com o advento da nova regulação. Até porque outro direito, o de acionar os administradores, deve ser discutido primeiramente em Assembleia para depois, se for o caso, acioná-los na Justiça.
Nelson Eizirik também coincidiu que os direitos não foram alterados na regulação, pois isso só seria possível com
uma mudança legislativa. O que instrução permitiu, com a flexibilização dos percentuais mínimos, foi facilitar o acesso aos direitos, especialmente de entrar com ação contra administradores. O especialista ressaltou que as ações podem ser judiciais ou de arbitragem, neste caso de empresas do Novo Mercado Nível II. Neste nível, as companhias trazem previsão no estatuto para resolução de conflitos por meio da arbitragem.
O evento serviu para debater também a questão do capital social como critério para cálculo da percentagem mínimo dos acionistas. Os especialistas concordaram que o critério do capital social é um passo importante, mas que há espaço para aperfeiçoamentos. “Um próximo avanço seria a inclusão de algum critério de capital em free float, ou seja, quanto do capital está colocado no mercado. Mas entendemos que a norma representa um grande avanço, muito comemorado em especial pelos acionistas minoritários”, disse Fábio Coelho.
“O mais adequado seria mesmo através do free float, com as ações que efetivamente estão em circulação. Mas teria de mudar lei das S/As e isso é outra conversa”, comentou Nelson Eizirik.
Apesar de um processo complexo, a CVM discute projeto de mudança na legislação societária. “A Lei 6404 é uma legislação excepcional, mas não é intocável”, defendeu Gustavo Gonzalez. E afirmou ainda que a Instrução CVM 627 é apenas a ponta do iceberg, pois a Autarquia e o Governo pretendem criar uma série ações e regulações para incentivar o maior exercício do direito pelos acionistas. Outro ponto de mudança, por exemplo, é o aperfeiçoamento do disclosure relacionado à arbitragem, com a obrigatoriedade de prestação de informações adicionais além dos já disponibilizados.
Risco de ações frívolas
O evento serviu ainda para debater o risco da multiplicação de ações oportunistas com prejuízo para as companhias. Embora os debatedores reconheçam a possibilidade de incidência de ações caracterizadas como de um ativismo oportunista, que esse risco não justificaria a não criação de nova norma.
Para Fábio Coelho, o aumento de ações frívolas pode ser um efeito colateral da nova regulação, mas que isso acontece em qualquer jurisdição do mundo. Embora exista esse risco, a mudança foi muito importante e faz parte do amadurecimento do mercado brasileiro, comentou o Presidente da Amec.
Ele explicou ainda que o ônus para o minoritário, que teria benefício proporcional à sua pequena participação acionária, bem como o alto custo de se entrar com ação já funciona como um inibidor para a multiplicação de ações oportunistas. Fábio disse que a utilização da arbitragem, inclusive, deve ser cada vez mais incentivada e facilitada. A redução dos custos das ações arbitrais e o aperfeiçoamento do processo são questões que devem ser buscadas para a resolução de conflitos societários por esta via.
Para Gustavo Gonzalez, o Brasil é um país com elevado nível de litígio judicial em geral, mas na área societária, as ações são raras. Isso indicava que o enforcement não estava funcionando. Com a nova instrução, espera-se que o mercado funcione com um nível de litígio mais adequado, com a possibilidade de entrar com ações contra administradores. “Existe o aumento o risco de fazer mau uso, mas acredito que não pode deixar de exercer direito por conta do risco de abuso”, defendeu o Diretor da CVM.
Ele faz uma ressalva, porém, que não se deveria seguir o modelo dos EUA, onde os litígios societários são excessivos. Gonzalez disse que os principais beneficiários do sistema americano são os advogados, e o excesso de ações não beneficiam nem as companhias nem os investidores. No Brasil, a situação é bem diferente, pois existe um custo algo para entrar com a ação, o que acaba inibindo o mau uso do mecanismo.