Entrevista Marina Grossi: CEBDS lidera iniciativa empresarial contra o desmatamento ilegal
O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) é uma associação fundada em 1997 com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável por meio da articulação junto aos governos e a sociedade civil. Ao longo de sua trajetória, a organização ganhou reconhecimento como representante do setor empresarial na liderança de pautas e articulações de sustentabilidade.
Atuando no CEBDS há 15 anos, Marina Grossi assumiu a presidência da associação em 2010. Possui longa experiência ligada à área governamental, tendo atuado como negociadora do Brasil na Conferência sobre Mudança do Clima (COP do Clima), com participação posterior nas negociações do Protocolo de Kyoto. Em 2016, foi convidada a integrar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, como representante do CEBDS. Marina integra o Conselho Diretivo da Carbon Pricing Leadership Coalition (CPLC), uma coalizão do Banco Mundial que reúne líderes do governo, do setor privado, da academia e da sociedade civil para expandir o uso de políticas de precificação de carbono.
Recentemente, o CEBDs ganhou destaque na liderança de iniciativa empresarial contra o desmatamento ilegal na Amazônia e outros biomas no Brasil. Leia a seguir entrevista exclusiva:
Panorama Amec – Quais as principais pautas e iniciativas do CEBDS no cenário pré e pós o advento da pandemia?
Marina Grossi – Antes da pandemia do COVID-19, vínhamos trabalhando em uma proposta para a implantação de um mercado de carbono no Brasil e na revisão da Visão 2050 para um desenvolvimento sustentável. As duas iniciativas continuaram caminhando e apresentaram avanços inclusive durante o período de isolamento. Ao mesmo tempo, por uma demanda do Conselho de Líderes, formado por CEOs de 60 grandes empresas brasileiras associadas ao CEBDS, articulamos uma parceria com associações e entidades nacionais e internacionais. Essa articulação resultou no Comunicado do Setor Empresarial, um documento público no qual defendemos o combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e outros biomas brasileiros, a implantação de um mercado de carbono e uma recuperação econômica dos efeitos da pandemia da COVID-19 condicionada a uma economia circular e de baixo carbono, entre outros pontos.
A pauta de sustentabilidade empresarial tem se fortalecido após o advento da pandemia? Comente.
O isolamento social e a disseminação do coronavírus, com grande número de mortes em todos os continentes, colocou ênfase em alguns problemas que já tínhamos antes e precisavam ser endereçados com mais vigor. É visível que o setor empresarial passou a dedicar mais recursos, tempo e expertise para auxiliar populações mais vulneráveis, aquelas que nem sequer o Estado conseguia localizar. O uso pouco sustentável dos recursos naturais, que guarda grande relação com a pandemia atual, ganhou ainda mais força para a sociedade e, consequentemente, para as empresas. A crise econômica em decorrência da pandemia abriu uma excelente oportunidade para que o Brasil possa conciliar definitivamente produção e preservação direcionadas a uma economia circular e de baixo carbono. As empresas se deram conta disso e a pandemia contribuiu para que empresas se posicionassem publicamente sobre alguns compromissos que sempre foram cumpridos sem alarde.
O tema ESG tem ocupado lugar cada vez mais central entre as empresas e investidores. Qual é o olhar do CEBDS sobre a questão ambiental dentro do ESG e como se relaciona com o S de Social e o G de Governança.
Sempre endereçamos os temas relacionados ao meio ambiente como prioridades em nossas câmaras temáticas e grupos de trabalho, além de apoiar iniciativas e projetos que tenham sinergia com a agenda de desenvolvimento sustentável, como biodiversidade, água, clima, entre outros. Os temas ESG estão ganhando cada vez mais voga no debate empresarial e de investidores, sendo que não há como ter uma economia estável e perene sem a atenção e preservação ao meio ambiente, os relacionamentos com a sociedade e seu impacto social são diretamente relacionados à gestão ambiental e nenhuma das duas vertentes, E e S pode ser bem gerida sem governança.
Como surgiu a iniciativa da carta dos CEOs contra o desmatamento e sua repercussão.
No mês de março, o Conselho de Líderes do CEBDS, composto pelos CEOs de 60 de grandes empresas do país, que são nossas associadas, em sua primeira reunião de 2020 considerou que era preciso buscar um maior posicionamento em relação às políticas relacionadas à preservação do meio ambiente, especialmente para a Amazônia. O avanço do desmatamento, que àquela altura crescia há mais de dez meses consecutivos, preocupava a liderança empresarial e isso serviu de mandato para que o CEBDS buscasse a parceria da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), evoluindo para conversas com o Instituto Brasileiro de Árvores (Ibá). Formamos um pequeno núcleo de governança para articular a elaboração e assinatura do Comunicado. À iniciativa se uniram logo em seguida a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e a Rede Brasil do Pacto Global das Nações Unidas. Este grupo divulgou o Comunicado do Setor Empresarial, no dia 7 de julho, com ampla repercussão no Brasil e no exterior.
Qual o diferencial dessa iniciativa do CEBDS?
Pela primeira vez, um grupo de CEOs eliminava intermediários e buscava o diálogo direto com as instâncias decisórias, em prol de uma pauta comum e coletiva, visando a preservação ambiental e uma recuperação sustentável. A divulgação do documento e a repercussão do Comunicado chamou atenção de outras empresas, que uniram esforços e aderiram ao agora Movimento Empresarial pelo desenvolvimento sustentável, resultado da força desta ação, que hoje ultrapassa 70 instituições, empresas e investidores e continuará pautando ações e medidas de preservação e produção mais sustentável.
Pode comentar como foi a interlocução com o governo em relação ao comunicado?
Enviamos o Comunicado Empresarial para o presidente do Conselho da Amazônia, vice-presidente da República Hamilton Mourão, e levamos este mesmo texto, com pedidos específicos de atenção e oferta de trabalho conjunto, para o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, e para os governadores do Consórcio da Amazônia, presidido por Waldez Góes, do Amapá. Toda essa agenda, esses encontros e mobilizações, se explicam porque o empresariado viu na pandemia que é hora não apenas de fazer o certo, investir em práticas sustentáveis na sua empresa. Mas também de fazer um chamado à ação para os Três Poderes e executivos estaduais de que o futuro é verde e precisamos começar agora a delinear uma nova posição competitiva nos mercados globais.
Como as pautas de ações do CEBDS se aproximam e se relacionam com a atuação dos investidores institucionais e com o mercado de capitais?
O CEBDS possui uma Câmara Temática voltada para questões sustentáveis no mundo das finanças, hoje formada por representantes de instituições financeiras. Ao mesmo tempo, temos uma agenda pública de defesa e desenvolvimento de um mercado de carbono no Brasil, o que nos leva a diálogos permanentes com o governo federal e autarquias federais envolvidas nesta temática.
Como avalia o processo de evolução do disclosure das empresas brasileiras em relação aos aspectos de sustentabilidade e ESG.
A evolução da transparência e a divulgação cada vez mais frequente de informações relacionadas à sustentabilidade, ou como agora são chamadas de ESG, é visível em todos os mercados, especialmente devido a demanda por parte de investidores e bancos, que além de estarem cada vez mais engajados com a temática da sustentabilidade, também possuem regulações a autorregulações. Elas abrangem desde a obrigatoriedade de Política de Responsabilidade Socioambiental até a consideração na análise de riscos os aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança dos investimentos. No Brasil as empresas também estão adotando padrões internacionais como o GRI e Relato Integrado há alguns anos, e mais recentemente têm buscado incluir ou analisar formatos mais setoriais como SASB. É importante mencionar que tanto a divulgação, quanto a gestão dos temas ESG são uma jornada evolutiva, e a melhoria contínua, adaptação às demandas e ao cenário nacional e global é um desafio para todos. Mas sem dúvida, o aperfeiçoamento tanto dos padrões, como inovação e tecnologia, tem fomentado cada vez mais as melhores práticas de transparência e divulgação de informações ESG.
A Amec atua com o objetivo de ampliar o engajamento dos investidores nas empresas investidas, enfatizando a importância do tema ESG. Quais as pautas do CEBDS que podem se aproximar da atuação da Amec? Quais os projetos futuros que poderiam envolver investidores institucionais?
As Câmaras temáticas e projetos do CEBDS são todos focados no desenvolvimento sustentável, então todas elas diretamente relacionadas aos temas ESG. O CEBDS e a Amec podem atuar em parceria na articulação e integração entre empresas e investidores, por meio de facilitar encontros de engajamento focados em temas ESG e alinhamento de pautas que possam fomentar conversas e conscientização relacionados ao acesso à capital direcionado à sustentabilidade. São iniciativas que podem ampliar a transparência e implementação de melhores práticas nas práticas socioambientais. O projeto de Mercado de Carbono Brasileiro é definitivamente uma das frentes de atuação do CEBDS que se beneficiará do engajamento e apoio dos investidores institucionais, pois é uma das ferramentas mais efetivas para o desenvolvimento sustentável e transição para uma economia de baixo carbono. Outro projeto que pode ser interessante para os investidores é a revisão da Visão 2050, que abordará 8 temas: Água e Saneamento, Alimentos, Biodiversidade e Florestas, Cidades, Economia Circular, Energia, Finanças e Pessoas e como o mundo dos negócios se modificará baseado em novos elementos que precisarão ser incorporados para chegarmos em 2050 com negócios mais sustentáveis e resilientes.