Entrevista Sandra Guerra: Canal direto entre conselhos e investidores facilita diálogo nas questões ESG
Em um cenário de forte ascensão dos aspectos sociais, ambientais e de governança (ESG), os investidores demandam uma comunicação mais direta e transparente com os conselhos das empresas. A figura do Lead Independent Director e as reuniões focadas em questões socioambientais podem ser facilitadores para melhorar essa comunicação, segundo opinião da ex-Presidente do IBGC e Conselheira Independente da Vale, Sandra Guerra.
Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, a Sócia Diretora da Consultoria Better Governance aborda os desafios para que os investidores e conselheiros independentes possam atuar para o aperfeiçoamento da governança das companhias. Ela é pioneira na implantação da função do Lead Independent Director no Conselho de Administração da GranBio. “O profissional tem esse papel externo de dialogar com os investidores nas questões ESG. Em relação ao papel interno, tem a função de liderar os conselheiros independentes. Ele faz a interface com o presidente do conselho e leva preocupações e desconfortos dos independentes”, explica.
Sandra fala ainda dos desafios na composição de conselhos mais diversos em sua composição, considerando diversos aspectos como gênero, etnia, experiência, formação e até crenças. Ela demonstra ainda a falta de preparação adequada para os órgãos de governança de parte das empresas que estão se preparando para o IPO. Confira a entrevista na íntegra a seguir:
Como melhorar o diálogo entre conselhos das empresas e investidores nas questões ESG?
A demanda por maior envolvimento dos conselhos com fatores ESG traz luz a uma das expectativas dos investidores que é de um diálogo direto com o Conselho de Administração. Esse diálogo não substitui o papel do RI, que deve ser a principal porta-voz da empresa com os investidores. O diálogo direto com o conselho é de outra natureza e deve ser feito com outros interlocutores dos investidores institucionais. Enquanto a interação com a área de RI é feita com os analistas dos fundos, o diálogo com o conselho é feito com profissionais das áreas ESG dos fundos ou de stewardship.
Como organizar esse novo tipo de interlocução mais focado em questões socioambientais?
O Conselho de Administração deve indicar alguém para ser o canal de diálogo com os investidores nas questões ESG. Nas reuniões com investidores o foco será exclusivamente o ESG. Ninguém vai falar de guidance e não terá informação privilegiada. Tipicamente, os investidores irão perguntar como os conselhos incorporam critérios sociais e ambientais na gestão. O conselheiro mais escuta que fala nessas reuniões. Os investidores devem levar para o conselheiro as suas preocupações em relação a esses tópicos, relacionados aos riscos ambientais, questões de saúde dos colaboradores, gaps de remuneração, entre outros.
Como funciona a atribuição de função para o porta-voz do conselho nestas questões?
Não é uma conversa que acontece com vários conselheiros de maneira desordenada. O conselho deve atribuir a um conselheiro a responsabilidade por essa interação. Ele tem a delegação para se envolver nesse diálogo para levar de volta ao conselho o que ele ouviu. Um fundo marca uma reunião individual com esse representante para tratar desses temas. É uma prática corrente na Europa desde 2007. No Brasil é uma prática ainda incipiente. Algumas vezes essa interação é feita pelo presidente do conselho, mas para alguns temas os investidores querem interagir com um conselheiro independente. Esse interlocutor é chamado lá fora de Lead Independente Director.
Poderia explicar um pouco mais sobre essa função do Lead Independent Director?
Ele deve organizar o diálogo de maneira pré-definida. Não é que os investidores vão sair falando com todos os conselheiros de qualquer forma. A área de RI vai acompanhando, sabe de tudo que está acontecendo. Não é uma interação aleatória. O Lead Independente Director tem esse papel externo de dialogar com os investidores nas questões ESG. Em relação ao papel interno, ele tem a função de liderar os conselheiros independentes. Ele faz a interface com o presidente do conselho e leva preocupações e desconfortos dos independentes. Acaba atuando em situações de problemas de relação do presidente do conselho com o CEO.
Essa função interage com outros interlocutores externos?
Sim, ele interage com outros stakeholders, onde a empresa atua, onde existem reclamações sobre a atuação da companhia. Esse líder dos conselheiros independentes pode ter essa escuta para os demais stakeholders, além dos investidores. Aqui no Brasil é algo novo. Eu sou a primeira conselheira a desempenhar essa função em uma empresa que atua no país, a GranBio, onde somos quatro conselheiros independentes e dois que não são independentes. Espero que comece a ocorrer a criação dessa função em outros conselhos.
Poderia avaliar a atuação dos conselhos durante a pandemia?
Os conselhos foram surpreendidos no início da pandemia. Por mais que se tivesse modelos que contemplassem de alguma maneira esse tipo de risco, uma coisa é contemplar, outra é ver na prática o enfrentamento de algo tão impactante quanto tem sido essa pandemia no mundo todo. Em um primeiro momento, houve uma certa perplexidade, com uma grande corrida, com enorme número de reuniões extraordinárias para tentar entender a reação e as primeiras iniciativas para o enfrentamento da crise.
E qual o impacto da pandemia sobre o ESG?
Um dos impactos que considero positivo é a valorização do “S” do ESG. As empresas tiveram de lidar com a saúde dos funcionários, com a situação dos fornecedores nas comunidades. Então, esses temas invadiram a sala do conselho. Entraram de maneira forte e firme na pauta. O lado negativo é que sinto que falta uma metodologia para lidar com esses temas.
Poderia explicar um pouco mais sobre essa necessidade de uma metodologia ESG?
Os conselhos em geral se concentram em iniciativas isoladas nas questões ESG. Referem-se, por exemplo, ao social com a manutenção de uma fundação. Isso é bom, mas não é o que se espera dos conselhos. O que se espera é que usem uma metodologia para aferir as externalidades positivas e negativas no ambiental e social de todas as iniciativas da empresa. É uma metodologia que será capaz de avaliar cada atividade, cada operação, cada nova aquisição, para avaliar os impactos futuros. Isso é fundamental, mas nem sempre os conselhos estão se preparando para isso.
Poderia dar exemplos de metodologia ESG e seus impactos?
A metodologia varia de acordo com o tipo de negócio, estabelecendo quais serão os indicadores relevantes para cada tipo. Vamos supor para um determinado negócio, o uso da água é o fator mais importante. Neste exemplo, o método deve avaliar o impacto no consumo da água e como isso é remediado. É preciso encontrar um conjunto de indicadores preparados, de preferência, sob medida para aquele negócio. Tampouco deve ser um método muito extensivo, muito detalhado. É melhor que seja mais conciso para a análise desses resultados.
E como você avalia a composição dos Conselhos de Administração das companhias brasileiras?
A composição dos conselhos é fundamental. À medida que temos um colegiado, é preciso assegurar que exista um conjunto de competências para fazer frente aos interesses estratégicos da empresa. Não pode ser todo mundo financeiro, ou todo mundo jurídico. É preciso ter a bordo diversas experiências e competências para que os conselhos sejam desafiados com pontos de vistas distintos. É nesse contexto que entra a diversidade de gênero e racial.
Ainda nesse assunto, quais as vantagens de se contar com um conselho com maior diversidade?
A partir de um gênero diferente, de uma etnia diferente, haverá perspectivas diferenciadas. Então, a questão de ter mulheres e outras etnias no conselho, não é só questão de bom “mocismo” ou de boa cidadania. É bom para a empresa contar com essa diversidade. Isso criará um pensamento contrastante em relação aos temas. É nesse contexto que temos de valorizar um conselho diverso, com conhecimentos acadêmicos, gênero, idade, etnia, e inclusive background cultural, com crenças e valores diversos.
E como analisar o movimento recente de IPOs e a preparação das empresas em termos de órgãos de governança?
Podemos considerar que, em geral, quando se tem um movimento forte de IPOs, com essas janelas de oportunidades, existe um preparo superficial no que se refere à governança. Vimos que isso aconteceu em 2006 e 2007. Não é possível que isso irá se repetir agora. Mas conversando com alguns analistas de fundos que estão participando de reuniões, eu suspeito que algumas empresas estão fazendo uma lição de casa mais superficial em termos de governança. Temos de ver também que nem sempre os investidores estão fazendo os questionamentos adequados para as empresas.
Por que isso acontece?
O excesso de liquidez acaba impondo uma dinâmica perversa porque em algum momento isso poderá dar problemas. Em geral, quando a liquidez é ampla, os agentes da sociedade são menos cuidadosos na formulação de questões. Então, ficamos preocupados com a governança das novas companhias. O problema é que a governança esteja voltada apenas para atender os requisitos legais do regulador do que propriamente adotar um modelo de governança mais maduro.
E a questão da diversidade dos novos conselhos, continuam com os mesmos problemas dos atuais?
Vi uma notícia que aponta que menos de 10% dos membros dos novos conselhos são, em média, ocupados por mulheres. Uma empresa nova que chega ao mercado teria uma oportunidade de começar com maior diversidade. As empresas que já tinham conselhos antigos devem percorrer um caminho, nem sempre fácil. Muitas vezes tem um conselho com o fundador, com a família de fundadores. Mas um conselho que está começando, poderíamos esperar um pouco mais de adesão a um novo modelo esperado pela sociedade. Pelo menos neste quesito da diversidade de gênero, não estamos vendo isso. É importante que os investidores questionem mais sobre tudo isso.