Conclaves
O dia 30 de abril marca o fim do prazo para os brasileiros acertarem suas contas com o imposto de renda. Mas, além do temido encontro com o Leão, a data também representa outro marco importante: o fim de mais uma temporada de assembleias nas empresas brasileiras. É fato que apenas uma minoria de brasileiros se preocupa com o segundo fato, mas talvez seja aqui que resida a novidade: isso está começando a mudar.
A assembleia é – ou deveria ser – o momento mais importante na vida de uma companhia aberta. É quando a administração submete seus resultados aos acionistas, e quando estes votam sobre as questões importantes que definirão o futuro da sociedade. Mas, não é preciso ser um ativista para saber que na prática as coisas são bem diferentes no Brasil. Até poucos anos atrás, a maior parte de nossas assembleias ainda consistia em pouco mais que um “teatrinho” onde uma meia dúzia de advogados senta para tomar um café e repassar decisões já previamente tomadas com o intuito de cumprir a ordem do dia.
Paulatinamente, esses eventos começaram a ser visitados por “desconhecidos” das companhias e das administrações. Algumas se deram conta que esses desconhecidos na verdade eram sócios das empresas – coisa muito diferente do conceito de “acionista minoritário” vigente até então. Não seria injustiça dizer que o empresário brasileiro seguia a máxima do Barão Karl Von Furstenberg, segundo o qual “os acionistas são burros e arrogantes…burros por nos darem seu dinheiro, e arrogantes por quererem dividendos”.
Mas, como dizíamos, isso está mudando.
A assembleia típica das empresas brasileiras hoje tem um pouquinho mais de emoção. Volta e meia surgem debates acalorados, disputas eleitorais interessantes, e embriões de influência dos minoritários nos desígnios das companhias. A Lei 10.303, de 2001, facilitou a efetividade do voto das minorias, aumentando o interesse e mesmo o dever dos minoritários em se envolver com as empresas investidas. Nas empresas sem acionistas controladores nasce um verdadeiro laboratório para novas práticas de assembleias (Muito embora se trate na verdade de uma volta às origens do capitalismo brasileiro. A este respeito, veja a palestra do historiador Ney Carvalho em www.youtube.com/amecbrasil). Porém, trata-se de um subconjunto diminuto (menos que 5%) de outro conjunto também pequeno (450 empresas abertas, dentre centenas de milhares empresas no país).
Isso é pouco. Muito pouco.
Hoje, batemos no “teto” daquilo que é factível se esperar de nossas assembleias dentro do atual aparato regulatório e institucional. Na medida em que aumentamos o número de empresas abertas e na medida em que essas empresas tenham cada vez mais investidores de mercado, dinamizar e transformar a assembleia em algo realmente relevante para a vida corporativa adquire importância fundamental. Só assim garantiremos que as empresas brasileiras serão geridas de maneira eficiente, colaborando para a melhoria da produtividade da nossa economia.
É por essas razões que a Amec escolheu a assembleia como foco de sua agenda temática em 2013. Em março, a associação submeteu à CVM um pacote de sugestões para aprimorar as assembleias, baseado naquilo que é possível perante a legislação brasileira e, ao mesmo tempo, compatível com as práticas internacionais. Sim, pois por mais que digamos que temos práticas muito superiores as de alguns países centrais, essas práticas serão muito pouco úteis se não se inserirem nos sistemas globais de Proxy voting (Voto por procuração – mecanismo de representação de investidores institucionais ao redor do mundo). E se temos empresas em nosso mercado com a grande maioria do seu capital detido por estrangeiros, essa necessidade se faz ainda mais premente. Em outras palavras, não podemos ficar tentando reinventar a roda.
O cerne das recomendações da Amec consiste no entendimento dessas práticas globais. Cada vez mais os acionistas votam remotamente, por procuração, de maneira que os votos precisam ser enviados com antecedência à companhia. E para que isso aconteça de maneira real, é fundamental que haja liberdade na circulação de ideias e de propostas, assim como agilidade no envio de instruções de voto. É claro que o acionista que escolhe votar por procuração está abrindo mão da participação nos debates in loco. Mas se a premissa de livre circulação de informação for observada, esta perda tende a ser muito pequena.
Hoje, o sistema brasileiro é marcado pela burocracia. Para se fazer representar numa assembleia, o acionista precisa disponibilizar uma infinidade de documentos e carimbos. No caso do estrangeiro, isso é ainda mais complicado, envolvendo consularização de documentos em toda a cadeia até o tomador final de decisão. A cereja no bolo é a necessidade de renovação anual de procurações. Talvez ela deva ser chamada de jabuticaba no bolo, pois é uma exclusividade brasileira. Segundo o maior custodiante de investidores estrangeiros, cerca de 30% das instruções de voto recebidas são anuladas por conta de procurações vencidas. Além disso, a falta de um carimbo pode ser usada como pretexto para impugnar determinado acionista – normalmente aquele que quer votar contra a administração.
O processo é custoso e assimétrico. A administração da companhia tem a lista de acionistas (os minoritários não tem), recebe os votos por procuração antecipadamente e tem a palavra final sobre a validade da documentação. Além disso, tem a capacidade de obstar qualquer divulgação de interesse de minoritários dissidentes. Mesmo as poderosas inovações da Instrução 481, da CVM, se revelaram insuficientes nas situações mais críticas, como vimos nas últimas duas temporadas de assembleias. Estratégias meramente protelatórias têm a capacidade de inviabilizar o exercício dos direitos de acionistas.
A CVM tem se mostrado altamente receptiva às ideias para aprimorarmos nossas assembleias. Cabe a ela, inclusive, a regulamentação do voto à distância, de acordo com decisão recente do Congresso Nacional. Esta oportunidade deve ser utilizada para permitirmos que as assembleias sejam úteis e relevantes, contornando assim os obstáculos que hoje se colocam e também adaptando esse expediente fundamental na vida das companhias abertas à era digital em que vivemos.
Mas a bola não está exclusivamente com a CVM. As companhias podem e devem refletir sobre formas de aprimorar este processo. Aquelas que tornarem as suas assembleias eventos de fato relevantes, ganharão o respeito dos investidores. Já temos inúmeros exemplos de empresas que vão “além da lei” para atender aos seus acionistas – e são remuneradas com valorações diferenciadas para suas ações – e consequentemente menor custo de capital. Dois exemplos que podemos mencionar incluem a Valid – ganhadora do Prêmio Amec de Eventos Corporativos em 2012 – e a Natura, que submete sua alta administração a um construtivo diálogo com os acionistas em suas assembleias. Estes exemplos devem ser analisados e imitados, pois os benefícios fluem para acionistas e para empresas.
Por último, nada disso adianta se os investidores não fizerem seu papel. O absenteísmo vem caindo em nossas assembleias, mas ainda é muito elevado. Conforme a opinião dos investidores se torne mais relevante para as companhias, é essencial que suas vozes sejam de fato ouvidas – e o primeiro passo é comparecer às assembleias.
Em suma, há trabalho para todos. Se quisermos construir um mercado de capitais saudável, que de fato auxilie nossas empresas a investir e a produzir, não podemos prescindir de tornar o evento máximo de relacionamento entre a empresa e seus acionistas algo relevante para a sociedade.
Por Mauro Rodrigues da Cunha, Presidente da Amec – Associação de Investidores no Mercado de Capitais