Entrevista: Renato Chaves
Uma visão crítica dos avanços na prevenção e resolução de conflitos entre controladores e acionistas minoritários é o que transmite o Especialista em Governança Corporativa e Conselheiro Independente de empresas, Renato Chaves, em entrevista exclusiva para o Panorama Amec. “E vendo casos recentes, ficamos um pouco desanimados. Os conflitos continuam e vemos uma criatividade maior dos agentes”, diz em trecho da entrevista.
Responsável pelo Blog da Governança, o especialista cita casos recentes e tantos outros icônicos e emblemáticos, como por exemplo, o caso das empresas OGX, de Eike Batista. “O fiscalizador tem se mostrado tímido na função punitiva”, alerta Chaves. Ele afirma a importância de posicionamentos dos órgãos fiscalizadores para prevenir problemas, por exemplo, em assembleias. Confira a seguir na íntegra:
Poderia comentar a evolução do mercado de capitais na resolução de conflitos entre controladores e acionistas minoritários nos últimos anos?
Resgatei um artigo que escrevi em 2005, para o jornal Valor Econômico, que falava da Lei de Gerson no mercado de capitais. E vendo casos recentes, ficamos um pouco desanimados. Os conflitos continuam e vemos uma criatividade maior dos agentes. A cada operação grande que chega no mercado, notamos que muitas vezes há algum artifício embutido com o objetivo de expropriar valor dos minoritários. Isso continua ocorrendo de diferentes formas.
Poderia dar alguns exemplos?
Umas das formas mais recentes é o pagamento de prêmio de controle disfarçado, como ocorreu na Linx. É um caso que não chega a ser ilegal, mas é imoral. Primeiro coloca uma multa exorbitante, como se colocasse uma faca no pescoço do acionista e dissesse, ou aprova, ou paga a multa. Se ainda fosse um valor razoável, tudo bem. Mas é um valor altíssimo. A operação já nasceu torta. Não estou nem discutindo o mérito da oferta. Estou discutindo a forma como foi construída.
De quem é a responsabilidade?
Os bancos de investimentos e os advogados estão sempre criando operações muito criativas com o objetivo de extrair o maior valor da companhia sem repartir com o conjunto de acionistas. Isso provoca uma impressão muito ruim em nosso mercado. Ficamos sempre com aquela pergunta, onde é que estou perdendo? Essa impressão é reforçada nos casos de insider trading primário no Brasil que ocorrem sem punição. Em casos, por exemplo, de divulgação de ITR [Informações Trimestrais]. Daqui a pouco a CVM abre inquérito e descobre que o executivo da própria companhia usou informação.
E não ocorre uma punição para os infratores?
Geralmente, isso termina com um acordo de um termo de compromisso. Recentemente tivemos acordos que o sujeito pagou R$ 200 mil ou R$ 150 mil. E não vemos a punição. O fiscalizador tem se mostrado tímido na função de punitiva. Parece até aquela figurinha de whatsapp que aparece o xerife dormindo.
Poderia citar algum caso mais emblemático?
Veja o caso da OGX. O Eike [Batista] foi inabilitado por sete anos, que foi uma das maiores punições que já tivemos no Brasil. Isso é praticamente um prêmio para ele. Daqui a pouco ele volta, passa muito rápido. Ele deveria ser punido de forma exemplar, no mínimo com 20 anos. Isso acaba com a confiança dos agentes do mercado. O enforcement deveria ser muito mais duro. É mais ou menos aquele motorista que dirige embriagado e mata uma pessoa. Neste caso, não se admite um acordo com a Justiça. Deveria acontecer o mesmo com o insider trading.
E qual a saída para inibir esse tipo de problema?
Cheguei a propor um projeto de lei para proibir acordos e multas de termos de compromisso para insider trading. Devido à possibilidade de se firmar acordos, paga-se um valor e o julgamento não acontece. O insider trading primário tem dois crimes. Ele não toma conta da informação e ainda a utiliza em benefício próprio. É uma situação absurda. Acho que a saída passa pelo fortalecimento da regulação.
Poderia analisar a atual janela de oportunidades de IPOs e a preparação das empresas para a abertura de capital?
Existe um excesso de liquidez. O mercado está comprando. Até as ações PN estão voltando e os investidores estão comprando. Isso é um absurdo. Quando tentarem instalar o Conselho Fiscal, aparecerão as dificuldades de sempre. O discurso ESG está em alta, todos estão falando, mas na prática não vejo grandes avanços. Muito blá blá blá, e as empresas não têm diversidade. Há poucas mulheres, pouquíssimos negros. É mais uma onda e teremos surpresas negativas. Infelizmente vai dar problema lá na frente.
O que é que mais preocupa?
Uma grande preocupação é a volta das ações PN. Por enquanto é um caso pontual, da Track&Field, mas é preocupante pela possibilidade de formar uma tendência. Veio um e poderão vir outros. A Amec já se posicionou em relação a isso, através da bandeira de uma ação, um voto.
Mas não há avanços nas práticas ESG pelas empresas?
O ambiental é o que mais avançou. É o que tem mais agentes envolvidos. Existe um apelo para que seja o mais debatido. Poucos estão fazendo algo de concreto em governança, e no social, muito menos. As empresas brasileiras são as campeãs em desigualdade de salários e remuneração. Fiz um levantamento, que mostrou que a diferença da remuneração do CEO e dos empregados médios nos Estados Unidos é de 265 vezes. No Brasil a diferença é de 603 vezes. As empresas não são agentes para a redução de desigualdades.
Acredita que nem a governança avançou de maneira significativa após os casos recentes de combate à corrupção?
Entendo que não houve grande avanço também em termos de governança nas empresas. Quando pensamos em corrupção, logo lembramos das empresas estatais de petróleo. Mas vamos pensar nas empresas que corromperam agentes públicos. As corruptoras. Quem a CVM inabilitou, por exemplo, na CCR, na CVC, na Qualicorp, Hypermarcas, Gol ou Braskem? Ninguém. O que foi feito em termos de punição? Muito pouco.
E qual o papel do investidor neste contexto?
Os investidores institucionais deveriam cobrar mais das empresas para averiguar e punir quem foram os mentores de tais práticas. Essa lista acima de empresas, eu tenho acompanhado e posso afirmar que não houve nenhum tipo de punição. Muito se falou da Petrobras, de corrupção, mas quem foram os algozes, as pessoas e empresas que corromperam? Os investidores deveriam assumir uma postura mais ativa para acionar a CVM.
Como fazer isso?
É preciso chegar e dizer o que aconteceu e exigir que os responsáveis sejam identificados. Existe o caminho da Assembleia de responsabilização dos administradores e existe o caminho administrativo. Se for exigido que a CVM apure, o órgão tem convênio com o Ministério Público, para solicitar informações. Acho que a CVM é o caminho mais viável pois não envolve advogados e nem custas. É mais simples. Estou falando isso com o objetivo de melhorar o mercado. Mas ninguém quer se indispor, e os papéis continuam nas carteiras e não acontece nada.
Finalmente, como analisa o papel da Amec nesse contexto de mercado que você descreveu?
Cheguei a sugerir para a Amec mudar o estatuto para permitir a entrada de pessoas físicas. Acabou não passando. Eu pessoalmente gostaria humildemente de contribuir para a Amec. Acredito que a associação faz um trabalho maravilhoso, é uma das únicas entidades que tem grande legitimidade, que fala de forma aberta, os pronunciamentos, as questões que são para o bem do mercado. Merece todo nosso apoio e respeito.