Entrevista Henrique Luz: IBGC lança agenda positiva e prepara documento abordando casos recentes de conflitos de interesses
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC – apesar de reconhecer os inúmeros avanços da governança corporativa das empresas nos últimos anos, vê com preocupação casos de conflitos de interesses e problemas de enforcement que ocorreram no mercado em 2020. Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, o Presidente do Conselho do IBGC, Henrique Luz, revela que o instituto prepara publicação para apontar os problemas ocorridos recentemente e os fatores que poderiam mitigar o risco de voltarem a acontecer.
Conselheiro independente de empresas, Henrique fala também sobre a Agenda Positiva lançada pelo IBGC logo após a realização de seu congresso anual no final do ano passado e os pontos de atuação em comum com a Amec e outras organizações para o aperfeiçoamento da governança das empresas e do mercado de capitais. Confira a entrevista a seguir:
Como avaliar a evolução da governança das empresas e de seus Conselhos no Brasil?
Quando o IBGC foi fundado em 1995, momento em que a expressão governança corporativa inexistia no país, os Conselhos na época eram formados a partir da intimidade do maior acionista com pessoas próximas ou em alguns casos, com ex-ministros de governos anteriores. Nos últimos 25 anos, a situação mudou radicalmente no Brasil graças ao trabalho de instituições como o IBGC. Outras instituições também colaboraram decisivamente, como a Amec, o Instituto Ethos, entre outros. Pois bem, entramos no período de pandemia, com um Brasil muito melhor em termos de governança.
Apesar de inúmeros avanços, percebemos alguns retrocessos no ano passado em termos de conflitos de interesses e em várias operações de reestruturação das companhias. Qual é a avaliação do IBGC?
O IBGC nesse momento está produzindo um posicionamento com recomendações de princípios e práticas que poderiam ter mitigado casos considerados críticos ao longo do ano passado. O material reforça a importância da governança como fator de atratividade e fortalecimento do mercado de capitais no Brasil. Todos os casos que aconteceram em 2020 e que se tornaram ícones, tomamos como base, não para nos pronunciar sobre os casos em si, mas sobre o que aconteceu.
Poderia recuperar esses exemplos de práticas inadequadas em 2020?
Vimos invasões sobre o exercício de direitos de acionistas minoritários. Presenciamos certos abusos de Conselhos de Administração. Notamos determinados conflitos de interesses entre os Conselhos e controladores com alinhamento estratégico com minoritários. Tivemos também a discussão sobre o voto plural, com comentários sobre uma medida provisória que seria elaborada para regulamentar essa questão. Este é um campo de forte conexão dos pensamentos do IBGC e da Amec.
Qual a posição do IBGC em relação ao Voto Plural no Brasil?
De acordo ao nosso Código, o IBGC defende que exista uma única classe de ações com os mesmos direitos. Desde 2015, nós defendemos que a diferenciação por classe de ações deve ser evitada. E se houver flexibilidade, é necessário introduzir salvaguardas como, por exemplo, a eleição de determinado número de conselheiros de administração independentes pelos minoritários. Outra salvaguarda é a criação de instrumentos de supervisão de decisões sobre potenciais conflitos de interesses. Extinção do voto plural na venda dos papéis pelos titulares originais. É preciso definir aspectos relacionados com herança ou sucessão. Precisa ter começo, meio e fim.
Poderia comentar a agenda positiva do IBGC?
O IBGC busca a coerência com os quatro princípios da governança, que são transparência, prestação de contas, responsabilidade corporativa e equidade. Nosso esforço é relacionar o ESG com esses quatro princípios. Mas precisamos de maior assertividade, a sociedade nos está exigindo isso. Daí surge a ideia da agenda positiva de governança. Nós então reunimos 50 profissionais de alto gabarito em suas áreas e representantes de outras vinte entidades, inclusive a Amec, para elaborar essa agenda.
Quais as linhas gerais da agenda?
O grupo elaborou o documento em seis dimensões, que estão orientando nossa ação em 2021. O primeiro ponto é a ética e a integridade, como fator de imperativo moral para a manutenção dos negócios. A segunda dimensão é a diversidade e a inclusão em todos os níveis, inclusive na diretoria e conselhos. O terceiro ponto inclui os aspectos ambientais e sociais, ou seja, o “E” e o “S” do ESG, é importante integrar esses critérios nos negócios. A quarta dimensão é a inovação e transformação, que considera que a inteligência artificial irá sobrepujar o humano em 2045 e como isso se refletirá na ótica da organização empresarial. O quinto aspecto é mais básico, é a transparência e a prestação de contas. O último aspecto é o Conselho do Futuro.
O que seria o “Conselho do Futuro”?
Todos os Conselhos que tenho participado nos últimos anos, as principais indicações são de pessoas que consigam compreender melhor o que está acontecendo em termos de transformação digital no mundo. Falamos de inteligência artificial e que as crianças irão aprender com robôs. Obviamente, teremos de manter as escolas funcionando para formar empatia nas crianças, mas o conhecimento será buscado em outros lugares. E como isso interconecta com a governança corporativa? Teremos de estudar qual será o modelo de Conselho do Futuro, como será composto, como irá utilizar o Big Data, como será o perfil socioemocional dos conselheiros, aí deve entrar a economia comportamental. Teremos de construir esse novo modelo.
Na construção desse futuro, precisaremos enfrentar problemas urgente como a questão da diversidade de gênero. Como avalia esse tema nos Conselhos?
Se tirarmos uma fotografia, ainda há pouca diversidade. Se considerarmos 11% dos assentos em Conselhos ocupados por mulheres, realmente ainda é pouco no Brasil. Se tirar as que são donas de empresas, esse percentual cai para algo em torno de 7%. É muito pouco, mas temos que olhar o filme e não apenas a fotografia. Veremos um avanço que sai de 4%, vai para 6% ou 7% e agora está chegando a 11% em um período de 5 ou 6 anos. O filme não é tão ruim assim.
Como a diversidade traz vantagens para a atuação dos Conselhos?
A diversidade pode ser alcançada de várias formas, com representação de diferentes credos, raças e formações, mas claro que a participação das mulheres é um tema central neste momento. Se tiver uma mulher, é bom. Mas se tiver duas mulheres, as duas juntas criam uma melhor comunicação com o resto do conselho e enriquece enormemente o poder decisório.
Quais as suas previsões para 2021?
Esperávamos que 2021 trouxesse o fim da pandemia e com isso, haveria uma retomada de grande número de IPOs e follow ons. É possível que isso aconteça ainda, mas dezembro e janeiro contribuíram para aumentar as incertezas quanto ao retorno da pandemia. Por outro lado, temos uma perspectiva melhor com o início da vacinação. Voltamos a acreditar na viabilidade de 2021 para um bom desenvolvimento do mercado de capitais. Teremos possivelmente um grande movimento de fusões e aquisições. Isso faz com que a governança seja um diapasão para dar um tom para tudo isso.