Sem Fugir da Responsabilidade
Das espécies que habitam os conselhos de administrações, talvez duas sejam as mais perniciosas: o “cúmplice” e o “omisso”.
O cúmplice é aquele que concorda com tudo. Chega na reunião, tendo ou não lido o material preparatório, e começa a balançar a cabeça positivamente em relação a tudo o que é dito. Na verdade, é irrelevante se leu ou não o material, pois vai concordar de qualquer maneira com tudo o que for proposto. As palavras do presidente executivo e do presidente do conselho soam como o proverbial canto da sereia aos seus ouvidos, determinando uma vontade incontrolável de dizer sim, ainda que a nau esteja rumando para as pedras. Vez ou outra propõe ainda um elogio ou voto de louvor. Mais raramente, balbucia algumas frases de efeito para mostrar a todos que não está dormindo.
Tão destrutivo quanto o cúmplice é o omisso. Este se considera um conselheiro “diligente”. Lê o material com cuidado e chega às reuniões pronto para fazer suas colocações. Mas ao invés de colaborar para que as decisões sejam as melhores possíveis para a companhia, sua postura é uma só: não decidir. Através das mais contorcidas alegações, o omisso busca maneiras de não se comprometer, normalmente alegando que não compete ao conselho deliberar ou analisar determinadas matérias. É um conselheiro que gosta sempre de se sentir calcado juridicamente para não ser processado. Mas, ao invés de contribuir para a companhia, se exime, e assim ajuda a piorar o processo decisório. Adora a abstenção.
Neste mês a CVM mandou uma mensagem fortíssima aos omissos de nossos conselhos. Após uma consulta da Amec, o regulador se manifestou sobre a obrigatoriedade de análise e deliberação do conselho de administração acerca das demonstrações contábeis trimestrais – popularmente conhecidas como ITR. A preocupação dos associados da Amec provém da percepção de que diversas empresas não submetem os ITRs para análise e deliberação dos conselheiros. Muitos apenas ‘tomam conhecimento’ dos documentos, quase que concomitantemente à divulgação ao mercado. Assim, informações altamente relevantes para a formação de opinião do mercado são divulgadas sem qualquer crivo superior à administração. Pior ainda, ao se absterem de analisar as demonstrações trimestrais, a análise anual, determinada textualmente em lei fica, sem dúvida, prejudicada. Os problemas se acumulam ao longo do ano e, por terem se tornado públicos, fica muito mais difícil uma decisão para corrigi-los no final do ano.
Há duas razões fundamentais para que conselhos e conselheiros evitem a análise trimestral. A primeira, do lado das companhias – incluindo-se aqui gestão e acionistas controladores – a postura reflete uma cultura de desprezar o conselho de administração como órgão relevante na estrutura de governança corporativa – e com sérias responsabilidades legais. Quem manda nessas empresas é a gestão e o controlador – o conselho não deve atrapalhar. A segunda, do lado dos conselheiros omissos, a postura deriva de uma vontade extrema de não se responsabilizar. Alega-se que se as demonstrações trimestrais não são auditadas, os conselheiros não podem responder por elas.
A CVM mostrou claramente onde estão os erros destas posturas nos ofícios enviados à Amec (disponíveis em http://amecbrasil.org.br/manifestacoes/cartas-do-presidente/).
Inicialmente, o regulador admitiu que o texto da Lei 6.404 não permite obrigar as empresas a submeter os ITRs para deliberação do conselho. Trata-se da forma como a lei está escrita. Ato contínuo, contudo, a CVM teve o cuidado de explorar o assunto em detalhes, indicando os caminhos que devem tomar os conselhos realmente preocupados em fazer o seu trabalho.
Nas palavras da CVM: “diante da competência atribuída por Lei aos membros do Conselho de Administração e, principalmente, a fim de cumprirem com seu dever de diligência, é recomendável que os conselheiros apreciem com antecedência as informações financeiras”. O órgão considera, ainda, que os conselheiros podem, proativamente, solicitar estas informações, com a finalidade de cumprirem seus deveres fiduciários. E acrescenta: a vedação à negociação de ações por administradores nos 15 dias que antecedem a publicação das demonstrações trimestrais configura presunção de que este acesso exista.
Para as companhias que vedam ou restringem o acesso dos conselheiros às demonstrações financeiras com antecedência razoável, a CVM é ainda mais dura: “a companhia não poderia negar o acesso prévio às informações trimestrais (antes de sua divulgação ao mercado), caso tenha havido solicitação de algum membro do Conselho de Administração”.
E a CVM segue na mesma linha em relação aos conselheiros omissos, que preferem se abster das suas responsabilidades: “os membros do conselho de administração não podem se escusar de atuar de forma diligente na fiscalização dos negócios da companhia e da preparação das demonstrações financeiras, sob a justificativa de que não há previsão legal para se manifestarem sobre as informações financeiras intermediárias”.
Os comentários acima foram ainda referendados por parecer da Procuradoria Federal Especializada, que dá as opiniões jurídicas da CVM. A procuradoria acrescenta em seu parecer que “é de bom alvitre o estabelecimento de rotina envolvendo sua apreciação antecipada pelos conselheiros”.
Demonstrando diligência e a importância que confere ao tema, a CVM efetuou ainda pesquisa dentre as empresas componentes do índice Ibovespa para averiguar qual era a prática de aprovação das demonstrações trimestrais. Ela apurou que em nada menos do que 55% das companhias o conselho de administração aprovou ou autorizou expressamente a divulgação dos ITRs.
Esta manifestação seguramente terá um impacto nas práticas de governança de um grande número de empresas abertas no Brasil. Naquelas que não efetuavam uma análise diligente das demonstrações trimestrais, elas passarão a ser a regra. E naquelas que já o faziam, reforça-se a importância de um trabalho sério por parte do conselho.
Sem dúvida, o posicionamento do xerife é um estímulo para a melhoria da governança corporativa no Brasil.
Acesse a resposta da CVM em: http:
http://amecbrasil.org.br/resposta-da-cvm-a-carta-presi-amec-13-de-2013/