Entrevista Sérgio Lazzarini: Governança de estatais e a agenda ESG no Brasil
“O problema do Brasil é que, em um dado momento, conseguimos dar três passos pra frente e, no momento seguinte, damos quatro passos para trás”. A frase é do Professor do Insper Sérgio Lazzarini ao se referir, em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, à evolução do processo de governança das empresas estatais no país. Autor de livros como Capitalismo de Laços (Campus/Elsevier, 2011) e Reinvesting State Capitalism (Companhia das Letras, 2015), o especialista em relações entre empresas e setor público avalia os desafios atuais da governança das estatais e o problema da ingerência na gestão das empresas.
Atuando na coordenação do Insper Metricis, Núcleo de Medição para Investimentos de Impacto Socioambiental do Insper, o especialista avalia ainda a disseminação das práticas ESG nas empresas brasileiras. Confira a entrevista a seguir:
Como avaliar o momento atual da governança das empresas de controle estatal?
O problema do Brasil é que, em um dado momento, conseguimos dar três passos pra frente e, no momento seguinte, damos quatro passos para trás. Então, pensamos que estamos avançando e de repente, retrocedemos novamente. Já tivemos várias tentativas de reforma da governança. Um exemplo foi a criação do Novo Mercado, para estimular que as estatais melhorassem em termos de governança. É curioso notar que no início dos anos 2000, a Petrobras aparecia muito bem nos rankings [de governança], ganhava muitos prêmios. Depois isso começou a mudar.
E como se deu essa evolução da governança nessas empresas ao longo dos últimos anos?
Fortaleceu-se no Brasil, durante os governos Lula e Dilma, a ideia de que o controlador era o governo e não o Estado. Isso foi um erro. O controlador da estatal, na verdade, deve ser o Estado. Uma boa governança de estatais deve seguir um mandato, o que está aprovado em legislação, não desviar a companhia das regras que nortearam sua criação e tudo mais. Seguir a própria Lei das S/As para respeitar os direitos dos minoritários.
A atuação das agências reguladoras não seria suficiente para mitigar esses riscos?
Um problema foi justamente o funcionamento das agências reguladoras. Se a ideia no início era fortalecer as agências, isso não ocorreu. As agências foram enfraquecidas ou até, em alguns casos, foram desmanteladas. Isso é muito importante no caso das estatais. Uma das funções das agências é definir padrões justos de competição no setor. Não se pode deixar a Petrobras ditar os preços de todos os produtos, afetando setores adjacentes como etanol, gás e tudo mais. Com uma agência reguladora forte e independente, haveria um anteparo para esse tipo de conduta. Mas não foi isso que aconteceu nessa época.
Qual sua visão sobre a Lei da Governança das Estatais? O que representou para o setor?
No governo Temer, tivemos uma inflexão desta tendência. Tivemos a aprovação da Lei de Governança das Estatais. Alguns disseram que a Lei das Estatais não ajudaria em nada. Não impediria a intervenção dos governos. Mas quer queira, quer não, a nova legislação colocou parâmetros de recrutamento de executivos. Por causa dela, estamos discutindo agora o papel dos Conselhos e Comitês das estatais na avaliação de indicações do governo. Pode ser que não consigam reverter, mas pelo menos, permite-se o questionamento.
Acredita que a Lei de Governança poderia ter avançado um pouco mais?
Na lei veio menos do que gostaria. Por exemplo, existia uma cláusula proposta que se o governo quisesse fazer política pública para além do que era definido pela lei que norteou a criação da estatal, então, teria de compensar os acionistas minoritários pelas perdas. Isso acabou não entrando na lei, ficando para os estatutos de algumas estatais. Mas sabemos que os estatutos são modificados, são mais frágeis que a legislação. De qualquer forma, é uma ferramenta de seguimento institucional. Outro avanço foi a criação do DEST, que depois mudou de nome para SEST, mas o importante é que foi criado esse órgão que monitora as estatais.
Como analisa os recentes riscos de intervenção na Petrobras, Banco do Brasil e outras empresas de controle estatal?
Mais recentemente vieram esses movimentos grotescos. É absolutamente evidente o que foi feito. E infelizmente é ainda muito difícil barrar isso. Acho que é possível termos estatais bem geridas, isso acontece em várias partes do mundo. Porém, aqui no Brasil não há maturidade suficiente para uma boa governança para as estatais. A Petrobras, por exemplo, tem reservas, tem campos de petróleo, pode ganhar muito dinheiro. O investidor tem motivos para investir. O problema é que o Brasil não tem maturidade institucional.
Como avalia as perspectivas de privatizações na atualidade?
Ficamos em uma situação esdrúxula, porque não conseguimos ter estatais bem geridas, mas ao mesmo tempo, não se avança com as privatizações. Então, ficamos no meio do caminho, que é o pior dos mundos. Não melhoramos a governança das estatais e nem privatizamos. Então, o que o investidor tem de fazer? A saída é monitorar os riscos políticos e avaliar se eles são toleráveis para investir ou não.
Desde o início da pandemia o tema ESG ganhou muito relevância para a dinâmica empresarial. Como você analisa a disseminação e aplicação desses temas no Brasil?
Essa pauta está crescendo muito, mas ainda temos vários problemas. O debate não dever ser superficial e precisa ser feito com engajamento efetivo dos Conselhos. O grande risco dessa agenda é o greenwashing. Surge então a pergunta, isso é pra valer mesmo?
Existe o risco de não se aprofundar na aplicação de práticas socioambientais pelas empresas?
Realizar transformações sociais relevantes irá exigir um esforço das empresas e, portanto, investimentos. Vejo que há risco de que a agenda não seja baseada em processos efetivos, discutidos e assumidos pelos órgãos de governança. Há riscos também de que os indicadores sejam muito superficiais.
Não deveria ocorrer um avanço na legislação voltada para a aplicação do ESG pelas empresas?
Deve ocorrer uma fiscalização para coisas básicas e essenciais. Não pode poluir, não pode desrespeitar direitos dos funcionários, etc. Mas tem uma boa parte da agenda que é voluntária das empresas. Por exemplo, vou implantar um processo de recrutamento com cotas para diversidade. Essa é uma decisão de cada empresa. Pode ser que em algum país possa se determinar uma legislação específica para isso. Mas vai depender do processo legislativo. Mas em geral, acho que deve ser uma ação voluntária. O que não pode acontecer é a empresa anunciar que está fazendo uma ação social ou ambiental que simplesmente é periférica, que não seja relevante.
Poderia dar alguns exemplos?
E o que é pior, a empresa faz uma publicidade de uma ação ambiental ou social, mas continua poluindo o meio ambiente. Ou cria uma fundação ou instituto e mantém práticas de corrupção. Fiz um levantamento em 2019, das construtoras que fizeram delações premiadas na Lava Jato, cerca de 80% delas mantinham fundações ou institutos. Então, é uma contradição grande, não adianta falar que está realizando ações socioambientais e continuar se engajando em corrupção. É inconsistente. Neste caso, é melhor nem fazer o “E” ou o “S” e focar no “G”.