Privatização da Eletrobras é sinal de maturidade do mercado de capitais
O processo de privatização da Eletrobras foi concretizado no último dia 9 de junho com uma oferta de ações que movimentou R$33,7 bilhões, representando assim uma prova de amadurecimento do mercado de capitais brasileiro, segundo especialistas consultados pelo Panorama Amec.
A tradicional empresa estatal do setor elétrico mudou sua situação de controlada pela União para uma companhia com características de corporation, ou seja, sem controle definido, o que deve ser acompanhado por avanços de governança e melhorias nos serviços, dizem.
“Foi um passo excepcional para o mercado de capitais. A privatização da Eletrobras promoveu um salto como se fosse da infância para a fase adulta ao ser transformada em uma corporation”, diz Guilherme de Morais Vicente, vice-presidente da Amec e Sócio da Onyx.
O processo de capitalização veio acompanhado de mudanças significativas no estatuto da holding que devem promover o equilíbrio de poder dentro da nova Eletrobras. Nesse sentido, ainda que o governo brasileiro permaneça como acionista de referência, o exercício de votos será limitado a 10 por cento do capital social, limitando a influência do ex-controlador ou a criação de blocos de controle.
Falando em influência do controlador, a notória golden share, que dá ao governo brasileiro poderes de veto em assuntos estratégicos, é significativamente mais leve na Eletrobras que em outras empresas que passaram por desestatização, como Vale ou Embraer. No caso da empresa elétrica, o governo só tem poderes especiais quando houver mudança no exercício de voto, medida que pode até ajudar a proteger sua estrutura como corporação.
Houve também uma preocupação com potenciais aquisições hostis ou tentativas de re-estatização, evidenciada pela inclusão de duas poison pills exigindo um prêmio elevado caso a participação de determinado acionista ou bloco de acionistas ultrapasse 30 por cento ou 50 por cento do capital social da companhia.
Outro sinal de boa direção para a companhia é a perspectiva de formação de um novo Conselho de Administração para a Eletrobras. “Será um conselho com nomes com vasta experiência. Já é possível visualizar os primeiros passos muito firmes da nova companhia privada”, ressalta Guilherme.
Novas perspectivas
Um dos principais argumentos a favor da capitalização da Eletrobras era a injeção de recursos para que a empresa pudesse voltar a investir e, consequentemente, prestar um serviço de melhor qualidade.
Na visão de João Laudo de Camargo, sócio do escritório de advocacia Bocater e membro do Conselho de Administração da BNDESPar, a oferta de ações da Eletrobras vai permitir que a empresa possa assinar novos contratos e participar de leilões, atividades que vinham sido restritas pelas condições financeiras.
“Ao sair da alçada pública, existe a oportunidade para a criação de valor. A empresa sai das amarras dos orçamentos públicos e dos controles externos e fortalece o ambiente de liberdade econômica”, diz o advogado, que também é membro do conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
De fato, a empresa já retomou as atividades, saindo como uma das vencedoras de recente leilão promovido pela Aneel para novas linhas de transmissão e subestações. Após o certame, a companhia deverá realizar R$137,7 milhões em investimentos.
Na visão dos especialistas, a capitalização da Eletrobras sinaliza a importância de avanço no consenso para novas privatizações. Nesse sentido, o setor de energia se destaca, com cases como a Vibra Energia (antiga BR Distribuidora), que também saltou da condição de subsidiária de sociedade de economia mista para uma Corporation após a venda do controle acionário em bolsa.
Equilibrando interesses
Para avançar com esses processos, segundo João Laudo, os governos e a sociedade devem primeiro definir quais estatais são relevantes para o interesse público. Aquelas que mantiverem a finalidade pública deveriam, de preferência, serem listadas em bolsa e aperfeiçoar a governança continuamente. “A aplicação da Lei das Estatais e a modernização dos estatutos são peças fundamentais para elevar o nível de governança dessas empresas.”
Dentro da estrutura de governança dessas companhias, o advogado também ressalta que algumas estruturas desenvolvem um papel fundamental. Entre elas, a secretaria de governança, que pode mitigar possíveis interferências políticas, e o comitê de elegibilidade que atua na análise das indicações dos administradores.
Em relação a este último órgão, o governo federal recentemente publicou um decreto que estabelece as atribuições do comitê elegibilidade dentro de estatais, definindo o perfil dos profissionais que poderiam ocupar tal comitê e suas respectivas funções, em mais um movimento que pode fortalecer a governança das companhias.
O caso ressalta um papel importante no equilibro entre o interesse público e o econômico dentro de estatais: o da regulação. Para Fernando Soares, ex-secretário de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST) do Ministério da Economia, a regulação poderia ser um bom caminho para estabelecer soluções negociadas previamente, em especial para sociedades mistas de capital aberto.
“O Estado não pode simplesmente fazer uso da empresa estatal para executar suas políticas públicas a qualquer custo”, explica. “Por outro lado, o minoritário, quando se tornou acionista daquela empresa estatal, sabia que ela prestaria uma política, pois, caso contrário, sua manutenção enquanto estatal poderia ser reavaliada”.
Na visão de Soares, para manter o equilíbrio de interesses nas estatais, seria importante estabelecer uma normatização ou regulamentação que atendesse aos interesses dos minoritários sem tolher a capacidade de o Estado realizar políticas públicas prioritárias.