Novo marco das ofertas públicas traz mudanças no papel de fiscalização da CVM
Ao mesmo tempo que se propõe a trazer maior celeridade e simplificação para os registros de valores mobiliários, o novo marco regulatório das ofertas públicas de distribuição deve transformar a atuação da Comissão de Valores Mobiliários. Publicadas em julho deste ano, as novas Resoluções CVM n. 160, 161, 162 e 163 reforçam o papel de supervisão e fiscalização da autarquia, em comparação com a atuação prévia de autorização dos registros das ofertas. A vigência das novas regras começa em janeiro de 2023.
“No caso dos registros automáticos esse é o raciocínio. Nós iremos atuar em uma supervisão posterior, visto que as ofertas em rito automático não têm análise prévia pela CVM, mas continuaremos supervisionando”, comenta Luis Miguel Sono, Superintendente de Registros de Valores Mobiliários (SRE) da CVM.
Os casos de registros automáticos devem ser numerosos, já que além de substituírem as ofertas realizadas atualmente pela Instrução CVM n. 476, também abarcarão outras modalidades. “Nós já tínhamos um quantitativo grande de ofertas no regime da 476 com a hipótese de dispensa de registro. É natural que iremos continuar com a mesma demanda, mas agora em registro automático. Abrimos várias hipóteses de registros automáticos de acordo com a nova matriz”, explica o Superintendente da SRE. A expectativa é de que aumente a procura por registros automáticos para permitir uma maior agilidade e um melhor aproveitamento de janelas de oportunidades de mercado.
Há atualmente um rito automático, por exemplo, o de EGEM – Emissor com Grande Exposição ao Mercado. Esse não é hoje um tipo de oferta com rito da 476 e que a partir de janeiro de 2023 poderá ser emitido por registro automático. Além disso, haverá os casos de registros automáticos que deverão passar por entidade autorreguladora. Em todos esses casos, a CVM atuará com papel menos destacado no registro das ofertas, mas sim, com ênfase na supervisão e fiscalização das operações.
A própria abordagem do registro dos coordenadores estará relacionada com essa questão, porque a expectativa é que haverá uma maior liberdade para o registro das ofertas e uma maior quantidade de ofertas em rito automático. “Queremos ter a possibilidade de fazer uma supervisão por coordenador. Continuaremos olhando as ofertas, mas muitas vezes é possível perceber que um determinado intermediário apresenta uma atuação sistêmica, com certas condutas repetidas, ou uma estrutura que não é adequada. Por conta disso, acompanharemos mais de perto a atuação dos coordenadores”, diz Miguel Sono.
Registro de coordenadores
A Resolução n. 161/2022 define as novas regras de registro de coordenadores de ofertas públicas, levando em consideração a estrutura desse participante, indicando a condução de sua atividade, explica Antônio Berwanger, Superintendente de Desenvolvimento de Mercado (SDM) da CVM. “Temos uma visão de que isso surge na contrapartida desse maior número de ofertas no rito automático. Então, a CVM de certa forma muda um pouco a lógica de supervisão, olhando menos para as ofertas para concentrar o esforço da supervisão sobre a atuação dos próprios participantes”, diz Berwanger.
Ele comenta ainda que existe uma expectativa para a ampliação do número e diversidade de instituições que possam atuar como coordenadores de ofertas. “A norma não se prende mais apenas às instituições financeiras. Ela deixa a possibilidade de que outras entidades venham a exercer essa função e atendam ao que a CVM almeja, de ter mais players nesse mercado, trazendo também outros perfis de companhias para o mercado”, diz o Superintendente da SDM. Ele reforça que a ideia é ampliar o universo de participantes que podem atuar como coordenadores de oferta.
Modernização do arcabouço
Antônio Berwanger comenta que a regulação atual das ofertas, apesar de funcionar satisfatoriamente para a dinâmica do mercado, já exigia a realização de um processo de atualização. “Aqui no Brasil, tínhamos a visão de que a 476 se tornou uma regra muito preponderante em relação à norma 400. Isso não era o que a CVM tinha almejado inicialmente, mas foi um efeito que observamos na prática e que não deixou de representar um avanço. Porém, ela também trouxe algumas desvantagens para o mercado, em especial com a imposição de algumas limitações, como número restrito de investidores e as negociações no mercado secundário”, explica.
Estas restrições acabaram gerando efeitos negativos no desenvolvimento do mercado. Segundo ele, existia a necessidade de criação de um rito que aliasse a celeridade sem as limitações e restrições, mantendo sempre uma visão de proteção ao investidor. Daí que surgiu a proposta da nova matriz de ofertas, em que para cada tipo de valor imobiliário, e a depender do público-alvo, se exige um rito diferenciado. “Cada rito tem um custo de observância proporcional ao tipo de oferta e ao público que pretende alcançar. Foi uma construção em que fomos modulando para incluir o melhor dos dois mundos”, comenta Berwanger.
Uma das preocupações do regulador foi a proteção do investidor pessoa física. “Fizemos uma pesquisa que olhava para a experiência do investidor pessoa física, ou seja, quais eram as reações desse investidor ao se deparar com uma oferta pública e com seus materiais, em especial o prospecto”, lembra. O Superintendente da SDM diz que se percebeu que o investidor de varejo tinha muita dificuldade em diferenciar o que era uma oferta pública do que não era; tinha dificuldade em achar nos sites das corretoras as seções das ofertas públicas.
Caso encontrasse o prospecto, ele percebia que se tratava de um documento pouco amigável para a tomada de decisão de investimento. “Fizemos um trabalho para redesenhar a norma e uma das soluções que trouxemos foi a criação da lâmina, exatamente para remediar essa dor que o investidor pessoa física sentia. Na nova norma, a lâmina é o documento objetivo que vai dar todas as respostas que ele precisa em poucas páginas”, diz Berwanger.
Autorregulação
Luís Miguel Sono lembra que atualmente já existe um convênio firmado com a Anbima. Este convênio, porém, está voltado para o rito simplificado de análise. A Anbima faz análise prévia e depois o processo vem para a CVM, que faz uma verificação simplificada, com tempos reduzidos. A nova norma prevê que, passando por análise prévia, dispensará a checagem da CVM, já que o registro será automático.
“Já temos esse convênio, é natural aditarmos ou firmarmos um novo convênio com as novas condições. Então, a Anbima é um candidato natural. Mas nunca estivemos limitados somente à Anbima. Poderemos ter convênios firmados com outras entidades autorreguladoras”, comenta Miguel Sono. Ele reitera que a CVM estará aberta para estudar novas possibilidades. “Hoje, por exemplo, temos com a BSM e com a B3, acordos de cooperação para auxiliar na supervisão de alguns tipos de ofertas. Podemos celebrar acordos com outras entidades”, lembra Miguel Sono.
Ofício Circular
Normalmente a SRE divulga um ofício circular anual, no mês de fevereiro. Mas em 2022, o ofício não foi divulgado porque justamente estava no processo de revisão da norma. O próximo ofício tem previsão de divulgação no início do ano que vem, provavelmente em janeiro de 2023.
Ao mesmo tempo, a superintendência de registros atua na elaboração dos convênios de autorregulação. “Estamos trabalhando para que tenhamos esses convênios o mais rápido possível. Mas não necessariamente vamos iniciar a vigência da norma já com esses convênios firmados. Se tivermos alguma novidade com relação aos novos convênios talvez possamos adiantar a divulgação do ofício circular ainda para esse ano”, revela Miguel Sono. Ele esclarece que existem dois convênios de autorregulação: um de análise prévia de ofertas e outro de análise de coordenadores.
Também será publicada uma orientação em relação ao uso do sistema. “Teremos um sistema novo para possibilitar os registros automáticos, talvez seja necessário divulgar outro ofício relacionado ao uso do sistema”, diz.