Métricas de remuneração e engajamento: caminhos para criação de valor no longo prazo
Quando se compara o disclosure de métricas de remuneração no Brasil e em mercados mais desenvolvidos, as diferenças são evidentes. Um dos benchmarks mais reconhecidos globalmente, o mercado do Reino Unido, serve de modelo quando se trata da transparência na prestação de informações sobre remuneração das companhias. O Brasil está evoluindo neste quesito, mas a falta de transparência ainda predomina.
“São poucas as empresas do mercado brasileiro que adotam as melhores práticas nesta questão. A grande maioria não disponibiliza informações objetivas de remuneração de longo prazo. As empresas têm políticas definidas, mas não divulgam com transparência”, diz Brunella Isper Gomide, Diretora de Investimentos da Abrdn. Ainda existe forte resistência por parte dos conselhos de administração em publicar informações detalhadas sobre as políticas de remuneração de longo prazo e a relação com as métricas de performance.
Asset com matriz no Reino Unido, a Abdrn segue um manual de políticas de remuneração para se relacionar e promover o engajamento com as companhias listadas no mercado doméstico. “Se não há uma divulgação clara das informações sobre remuneração e suas métricas, pedimos que a empresa explique o porquê não está fazendo isso”, diz. Desta maneira, a empresa precisa justificar o motivo para não divulgar uma métrica específica. Em todo caso, deve informar se, e também como se deu o atingimento da métrica.
A avaliação das métricas de remuneração é um ponto central para verificar se a política está alinhada com os interesses dos acionistas de longo prazo. É frequente que as companhias adotem métricas não apropriadas que acabam incentivando os executivos a tomarem riscos excessivos no curto prazo. Uma das práticas desaconselháveis, segundo os gestores de recursos, é conhecida como total share return e está baseada no fechamento anual do preço da ação.
Para a Diretora da asset, a política de remuneração deve estar alinhada com estratégia de negócios da empresa com o objetivo de atrair e reter bons talentos visando à criação de valor no longo prazo. Isso deve ser realizado com o conceito mais amplo de geração de valor para o conjunto de stakeholders.
O Diretor da Hermes, Jaime Gornsztejn, partilha da mesma opinião sobre os problemas de disclosure no mercado brasileiro. “A transparência em geral é ruim no Brasil. Fica bem abaixo das melhores práticas internacionais. Quando as políticas são vinculadas às metas de desempenho, raramente se publica quais são essas metas”, explica. Com isso, é muito difícil avaliar se são realmente metas audaciosas que incentivam a geração de valor para a companhia. Isso dificulta o engajamento e o accountability, dificultando a possibilidade de os acionistas cobrarem os conselhos.
Para o gestor da Hermes, uma política de remuneração bem estruturada e alinhada induz a comportamentos e atitudes que contribuem para a geração de valor no longo prazo.
Mercado mais desenvolvido
Na Inglaterra e demais países do Reino Unido, o disclosure das políticas de remuneração abrange detalhes mais importantes para avaliação por parte dos investidores. Por exemplo, são disponibilizadas informações sobre remuneração individual do CEO e CFO, com abertura de cada componente, ou seja, o valor fixo, os benefícios, e a remuneração variável. Com relação a este último ponto, as companhias em geral divulgam como está estruturada a política de remuneração, com pagamento de bônus anual, programas de longo prazo e metas de desempenho.
Outra prática importante no mercado britânico, é que os coordenadores do comitê de remuneração das companhias costumam buscar o engajamento com acionistas, sobretudo quando há mudanças na política de remuneração. Isso estimula a prática de cobrança e engajamento dos acionistas. “É fundamental que investidores se engajem com os conselhos de administração no desenvolvimento e implementação de políticas de remuneração”, recomenda Jaime. Ele explica que a maioria das práticas no Reino Unido surgiu da evolução do mercado e de seus atores, sem depender exclusivamente de uma regulamentação específica.
Brunella Isper segue na mesma linha. Ela explica que o voto para a aprovação da política de remuneração na Assembleia Geral é importante, mas é fundamental engajar antes. “Encorajamos a troca de informações entre mercado e empresas. Nós, como investidores institucionais, temos o papel de Stewardship, ou seja, temos a obrigação de votar de forma diligente e engajar com as empresas”, aponta a especialista. Desta maneira, é que as empresas poderão mudar e adotar as melhores práticas de disclosure e governança.
O especialista em governança, Renato Chaves, concorda que há problemas no engajamento dos investidores com as companhias, porém, ele destaca a falta de iniciativa por parte dos acionistas. Ele avalia que as políticas de remuneração ainda não atraem a devida atenção dos investidores, por se tratar de um tópico em relação ao qual não se percebe o peso nos resultados das companhias. Ele aponta que os investidores olham com muito mais atenção para elementos como os custos, a produção, o estoque, entre outros, deixando o item remuneração em segundo plano.
Ele aponta também outro problema que ainda permanece no mercado doméstico que é a utilização de critérios não apropriados para a remuneração de conselheiros das companhias. Para o especialista, algumas empresas ainda adotam remuneração variável para membros do conselho de administração, o que não é desejável. “Não tem sentido pagar bônus para conselheiros. Como eles devem mirar o longo prazo, devem contar apenas com remuneração fixa”, defende Chaves.
Propriedade de ações
Outra prática apontada pelos especialistas como positiva para a governança do quesito remuneração é o incentivo à propriedade de ações por parte dos executivos C-level (CEO, CFO entre outros). A prática ainda é pouco adotada no Brasil, mas em mercados mais desenvolvidos tem ganhado especial atenção das companhias. “É uma maneira de alinhar os interesses de longo prazo dos acionistas com os executivos”, defende Jaime, da Hermes.
A remuneração atrelada ao pacote de ações geralmente é definida com prazos diferidos. O pacote de ações deve ser mantido no longo prazo, inclusive há casos em que as ações são retidas até após a aposentadoria. Isso incentiva que os executivos sejam cuidadosos com os processos de sucessão, mesmo após o desligamento dos cargos. Desta maneira, a propriedade de ações desestimula comportamentos de curto prazo. “É um dos pontos mais importantes em vários mercados desenvolvidos. Gostaríamos que fosse adotada a prática com mais frequência no Brasil”, aponta Jaime. No Reino Unido é uma prática que vem ganhando força nos últimos quatro anos. No último ano, também está sendo disseminada na África do Sul.
Considerado como parte dos emergentes, o mercado sul africano, por sinal, tem registrado avanços elogiáveis nos quesitos de boa governança das companhias, inclusive no disclosure de informações sobre os pacotes de remuneração. Naquele país, o surgimento e implantação de um código específico de governança corporativa, denominado de The King Code, tem orientado as companhias para a adoção de práticas mais avançadas na disponibilização das informações para o mercado.
Critérios ESG
Uma tendência global que é cada vez mais adotada em mercados desenvolvidos, com destaque para os países europeus, é a adoção de métricas ambientais, sociais e de governança (da sigla ESG em inglês) para balizar as políticas de remuneração variável. A dificuldade, porém, ainda reside na definição de critérios mais objetivos e materiais para a avaliação de tais métricas. “Procuramos avaliar se as métricas ESG são realmente rigorosas e ambiciosas ou simplesmente são atingidas com muita facilidade”, comenta Jaime, da Hermes.
Uma das métricas sociais verificadas em mercados como o Reino Unido é a diferença na remuneração dos principais executivos e conselheiros com a média dos funcionários. Se a diferença é muito mais alta que a média de um mesmo setor, é um indicador que aponta para a necessidade de questionamento por parte dos investidores.
A Diretora da Abrdn, Brunella Isper, mostra que a adoção de métricas ESG está chegando ao Brasil lentamente. Ainda são poucas as companhias que começam a utilizar tais critérios para a definição da remuneração dos executivos. “Já existe algum avanço por parte de algumas companhias, mas gostaria de ver maior detalhamento. Na questão da diversidade de gênero, é necessário estabelecer métricas quantitativas, por exemplo, chegar a 40% de mulheres no quadro de colaboradores, aponta a gestora.