Crise da Americanas acende alerta sobre a preparação das Demonstrações Financeiras para a Temporada de Assembleias 2023
Disparados no início de janeiro deste ano, os efeitos do caso Americanas continuam reverberando em todo o mercado de capitais. O aparecimento de uma dívida bilionária que não constava nos balanços da empresa e que empurrou a companhia do Novo Mercado para a recuperação judicial já afeta a Temporada de Assembleias 2023. Como as Demonstrações Financeiras (DFs) devem ser apresentadas um mês antes da Assembleia Geral Ordinária (AGO), muitas empresas se prepararam para um maior questionamento por parte dos acionistas.
“Acho que a principal “luz amarela” que o evento Americanas traz para as assembleias deve ocorrer no trabalho preparatório das Demonstrações Financeiras. Os Comitês de Auditoria ficarão muito mais afiados, mais rigorosos. O principal agente de governança que deve fazer essas verificações de monitoramento de integridade e de procedimentos é o Comitê”, aponta Paula Magalhães, Sócia do Escritório Lobo de Rizzo Advogados. O prazo máximo para a preparação das Demonstrações, na maior parte das companhias, é final de março, porque a Temporada de Assembleias termina no final de abril.
A especialista prevê que os Comitês deverão sair de um papel secundário para uma atuação mais relevante no preparo do material para a assembleia, principalmente nas companhias de Novo Mercado, cujos comitês são obrigatórios. “O Conselho Fiscal também tem seu papel, mas apesar de o insumo ser o mesmo para ambos, pois as DFs são o principal foco para os dois órgãos, o Comitê de Auditoria deve participar na preparação e no monitoramento do procedimento. O Comitê tem mais instrumentos para corrigir problemas nas Demonstrações Financeiras de forma mais ágil e efetiva”, afirma a advogada.
Renato Chaves, Conselheiro Independente, prevê outra mudança decorrente da crise de Americanas na Temporada de Assembleias 2023. Ele acredita que haverá uma postura de maior questionamento em relação ao trabalho dos auditores externos. “Geralmente, são raros os casos em que os acionistas questionam os auditores externos sobre o trabalho de análise das DFs. Isso deve mudar agora com uma postura diferente em relação aos auditores”, diz o especialista.
Nesse sentido, os acionistas deverão olhar com maior atenção o documento PAA – Principais Assuntos de Auditoria. Nele, os
auditores costumam indicar os pontos das Demonstrações que mereceram maior atenção com explicação das razões para isso.
O Conselheiro lembra que Americanas não é o primeiro caso de problemas com inconsistências contábeis no mercado. No passado, companhias como CVC, Braskem, Hypera, CCR, entre outras, também apresentaram problemas em seus balanços. Ele defende maior rigor nas investigações e punições por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para inibir práticas danosas para o mercado e os investidores.
A diferença agora, com Americanas, é o tamanho do impacto provocado pela gigante varejista. “Americanas é um caso de grandes proporções que gera comoção social. São mais de 40 mil empregos afetados. A recuperação judicial da companhia gera risco ao mercado e para a sociedade como um todo”, comenta.
Paula Magalhães também acredita em maior questionamento do trabalho da auditoria externa antes e durante a Assembleia. Ela aponta que a própria administração das empresas sofrerá maior carga de questionamento na apresentação de suas contas. “Não apenas o auditor externo deve estar presente na Assembleia, mas também o Comitê de Auditoria e a administração. Todos deverão responder a uma maior quantidade de questionamentos”, prevê Paula Magalhães.
Trabalho do auditor
Rogério Mota, Diretor Técnico do Ibracon, explica que o trabalho do auditor externo não deveria sofrer grandes mudanças por conta do evento de Americanas sobre o mercado. “O trabalho do auditor não muda por conta do cenário em si. As normas evoluem sempre buscando maior qualidade, muito em resposta ao que acontece. Nos últimos anos, cada vez mais as normas de auditoria vêm evoluindo, elas vêm sofrendo modificações buscando atender eventuais causas”, conta.
Como parte do que está previsto na legislação, o auditor deve estar presente à Assembleia para eventuais esclarecimentos sobre o trabalho que executou. “O que o auditor não deveria fazer é se manifestar ali sobre a preparação das demonstrações financeiras. Então, se vier um questionamento sobre a elaboração, ela precisa ser feita à administração. Por outro lado, se houver questionamentos sobre eventuais procedimentos de auditoria ou questões envolvendo o trabalho dela, o auditor pode se manifestar”, esclarece.
Outro fato novo será o aumento do número de recuperações judiciais em 2023, não apenas de Americanas, mas também de outras companhias. “Há casos de outras empresas, além de Americanas, que já vinham com situação financeira mais delicada e por conta do aumento de juros, entre outras coisas, passaram a ter mais dificuldade. Por conta desse cenário, as empresas em geral tendem a ter algum tipo de impacto nas suas demonstrações financeiras, em decorrência de, por exemplo, eventuais exposições de crédito”, analisa o Diretor do Ibracon.
Apesar de não apresentar grandes mudanças no trabalho do auditor, o Ibracon está circulando um comunicado com orientações para as auditorias externas para reforçar atenção sobre as áreas de impacto sobre eventuais pedidos de recuperação judicial. “O Ibracon está trabalhando em um comunicado aos auditores para atentar para áreas de impacto decorrente dessas recuperações judiciais, ou seja, do lado dos credores. O documento indica que o ceticismo profissional seja bastante utilizado nesse momento”, revela Rogério Mota.
Essa circular deve lembrar também ao auditor pontos de atenção que ele deve ter. Não é que o auditor será mais rigoroso, mas por conta da avaliação de risco ele passa a ter um foco maior em determinadas áreas. Outro foco de atenção do auditor diante do cenário atual é o conceito de avaliação de risco.
Rogério Mota comenta que existe uma seção chamada “principais assuntos de auditoria” (PAA), que tem o objetivo de ajudar o investidor a entender quais foram os assuntos de maior foco do auditor. Ali o auditor detalha o porquê aquela é uma área de preocupação para ele, o que fez e qual foi a conclusão alcançada. Talvez isso até reduza eventuais questões do investidor, porque já estarão ali respondidas”, diz o Diretor do Ibracon.
Renato Chaves alerta para as práticas de algumas empresas como Americanas que utilizam critérios contábeis diferentes das orientações estabelecidas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). “O caso Americanas colocou em evidência a questão do risco sacado, que faz parte do negócio varejista”, comenta o Conselheiro Independente.
Ele explica que praticamente ninguém do mercado questionou a inconsistência contábil de Americanas antes da eclosão da recente crise na companhia. “Como a companhia promoveu uma distribuição robusta de dividendos nos últimos anos, parece que os acionistas ficaram cegos”, comenta. A exceção ficou por conta da asset Fama Investimentos que tinha zerado suas posições na companhia em 2019 por conta da deterioração da relação com fornecedores e da “opacidade” nas Demonstrações Financeiras.
Aprovação das DFs
Paula Magalhães comenta que raramente as Demonstrações Financeiras são rejeitadas em uma Assembleia. Mas o que pode acontecer na Temporada 2023, segundo a especialista, é que as Demonstrações venham com maior quantidade de ressalvas apontadas por parte dos auditores externos.