Fechamento de capital e M&A ganham espaço com IPOs em longa hibernação
Em um contexto de escassez de IPOs e de aumento de fechamento de capital pelas companhias, as operações de Mergers and Acquisitions (M&A) tendem a ser uma saída, principalmente para os ativos mais estressados na bolsa. No período de 2014 a 2024, 205 companhias fecharam o capital na B3, das quais 43 por eventos de incorporação e reestruturação societária. No mesmo período, foram realizados apenas 95 IPOs, segundo dados da B3.
“Fechamos uma década deficitária, com mais Ofertas Públicas de Ações (OPAs) do que IPOs. O Brasil padece de alguns fatores negativos, como a claudicância do governo em corrigir a questão fiscal, inflação resistente e falhas de comunicação, em um momento conjuntural delicado do ponto de vista da política comercial e econômica norte-americana. Em compensação, o país está crescendo e o mercado tem errado nas projeções. É preciso ter cautela”, afirma Henrique Barbosa, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp).
Segundo ele, o mercado de dívida corporativa tem sido o motor de captação das companhias listadas. “Mas as que são consideradas ativos estressados têm como alternativa o mercado de M&A”, avalia Barbosa. Ele estima que cerca de um terço das companhias em recuperação judicial, listadas em Bolsa, poderiam ser alvo de operações de M&A neste ano.
De acordo com Barbosa, o interesse de investidores estrangeiros é apontado como um fator relevante para o mercado de fusões e aquisições, já que nas primeiras operações do ano, mais da metade das grandes transações tiveram participação estrangeira, especialmente nos setores de agro, energia e infraestrutura. “O potencial do Brasil na transição energética e em infraestrutura atrai esse interesse. O investidor estrangeiro está sondando a temperatura e, com uma sinalização de melhoria para o fiscal e redução de juros, temos chance de começar a ter uma recuperação do mercado de IPO”, complementa.
Ainda que o nível de taxa de juros traga uma distorção para o valuation das companhias, o que muda é o perfil de operação. Ao observar o mercado de M&A nos últimos dez anos, Barbosa avalia que é maduro para navegar nos diferentes cenários, sendo uma estratégia que está sempre na mesa. “Nessas operações, pode haver pontos fora na curva no valuation. O que muda são os momentos de liquidez absoluta, no qual observamos movimentos de consolidação e diversificação. E momentos de crise, como o atual, um mercado de ativos estressados muito intenso”, afirma.
Movimento estratégico

Ricardo Magalhães, sócio da Argúcia Capital, também acredita que o desaquecimento da Bolsa tem impulsionado a busca por operações de fusões e aquisições. Com a janela de IPOs fechada e o custo da dívida ainda elevado, as empresas têm buscado alternativas para captação de recursos. Uma das principais tem sido a venda de participações – seja para fundos de private equity em operações de M&A estratégico, seja para investidores interessados em ativos resilientes.
“A liquidez existe, o que falta é o valuation adequado. O recado que o mercado está dando é claro: o dinheiro não desapareceu, ele só está sendo direcionado de forma mais criteriosa e estratégica. Para o investidor com visão de longo prazo e capacidade analítica, esse é o momento em que as assimetrias ficam mais visíveis e valiosas”, afirma.
Na avaliação Magalhães, o cenário político e macroeconômico, combinado com a volatilidade do mercado de ações, reflete o impacto direto e profundo nas decisões das empresas brasileiras, que têm adiado seus planos de abertura de capital, esperando um ambiente mais previsível tanto no campo macroeconômico quanto político. “O mercado hoje não está disposto a pagar os valuations que essas empresas acreditam valer. Isso torna o timing de uma oferta pública inicial extremamente delicado. E, naturalmente, leva as companhias a buscar alternativas”, disse.
Segundo o sócio da Argúcia, uma delas, que tem ganhado bastante força, é o fechamento de capital – o chamado take private. Nos últimos meses, ele diz ter observado um número crescente de empresas deixando a bolsa, seja por iniciativa dos próprios controladores ou por fundos de private equity, que se aproveitam do descompasso entre o valor intrínseco e o preço de tela. “Em paralelo, surge um movimento interessante: os IPOs reversos. São empresas não listadas que compram companhias com pouca liquidez na bolsa para acessá-la de forma mais rápida e menos custosa. Mesmo com a janela tradicional fechada, o apetite por capital continua – ele só encontrou novos caminhos”, afirma.
Outra alternativa recorrente, na avaliação dele, tem sido a desmobilização de ativos não estratégicos – uma forma de levantar caixa e concentrar esforços no core business. Em setores intensivos em capital, como energia, infraestrutura e logística, parcerias estratégicas e joint ventures têm surgido como solução inteligente para diluir risco e viabilizar crescimento. “Em alguns casos, a reestruturação de passivos – via alongamento de prazos ou renegociação de termos – também tem funcionado como uma alternativa indireta de reforço financeiro”, afirma.
Valuation distorcido

Mesmo diante dessas estratégias, Eduardo Morais, Diretor de Investimentos da Principal Brasil, pondera que, ao contrário de períodos de recessão passados, como em 2014 e 2015, há empresas brasileiras que estão atualmente em uma dinâmica muito positiva, o que reforça a confiança dos empresários e das próprias companhias para recomprar suas ações, dada a discrepância com os preços. “O preço na Bolsa está completamente distorcido para a realidade econômica das empresas”, afirma.
De acordo com ele, as operações de fechamento de capital podem ser estratégicas, visando uma possível reabertura futura em um valuation melhor. Na opinião de Morais, apesar do bom desempenho de uma parte das companhias na bolsa, um grande volume de saída de investidores levou a uma queda generalizada no valuation delas no mercado de ações. “Poucos estão conseguindo se aproveitar dessa discrepância, pois a maioria dos investidores individuais vendeu em pânico, e os investidores estrangeiros e institucionais estão focados em reequilibrar seus portfólios”, completa.
Ele observa que companhias que fizeram IPOs no período de 2020 e 2021 perderam grande parte de seu valor de mercado, pois não entraram com o preço correto. Por outro lado, observa que há muitas ações de qualidade, historicamente caras, que apresentam retornos menos atrativos devido aos resgates do mercado, criando uma situação única, em 25 anos, de barganhas em empresas de primeira linha.
Morais salienta que as negociações de M&A não estão ocorrendo nos níveis de preços atuais da bolsa, mas sim em outros patamares, reforçando que o valuation do mercado não está refletindo o valor real das empresas. O diretor da Principal observa que também há uma grande quantidade de fundos de private equity buscando desinvestimento, o que pode gerar uma onda de novas ofertas de IPOs assim que a janela de mercado melhorar.
“No entanto, essa possibilidade deve ficar para 2026, diante da sinalização de alternância de poder, próximo às eleições. As empresas que visam a próxima janela de IPO devem se preparar desde já, aprendendo com os problemas de empresas que não estavam prontas em janelas anteriores”, conclui.