Ajustes no BVD (de 2022) corrigiram problemas de anos anteriores após interlocução com mercado
A predominância do formato virtual e os aperfeiçoamentos promovidos no Boletim de Voto à Distância (BVD) foram alguns dos destaques da Temporada de 2022 que propiciaram maior participação dos acionistas nas Assembleias anuais das companhias. A maior participação e articulação dos minoritários foram verificadas em diversas Assembleias, sobretudo nas eleições de representantes para os Conselhos de Administração das empresas. Com contribuição da AMEC na interlocução com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e B3, foram diversos os avanços nos formatos das Assembleias e nos procedimentos de participação, apontam especialistas e gestores de assets ouvidos pelo Panorama Amec.
Representando as associadas, a AMEC apresentou em reuniões e fóruns com presença de integrantes da CVM e da B3 os problemas ocorridos em anos anteriores e as sugestões para o aperfeiçoamento do BVD. Refletindo discussões nos fóruns da Associação, o Presidente da Amec, Fábio Coelho, defendeu a busca por uma simplificação do BVD e falou sobre as particularidades do sistema brasileiro, ressaltando a dificuldade de influenciar os prestadores de serviços internacionais para adaptarem seus sistemas ao modelo brasileiro.
A interlocução deu resultado e o próprio Ofício Circular Anual CVM/SEP de 2022 trouxe uma série de orientações para corrigir os problemas do BVD, sobretudo na votação com o procedimento de voto múltiplo. A respeito do CICORP, a CVM já havia indicado as alterações efetuadas no sistema desenvolvido pela B3 quando foi regulamentado e disponibilizado o voto a distância em 2016, dentre os quais, aprimoramentos do boletim de voto a distância.
Tiago Rodrigues de Lourenço, Gestor de Ações da abrdn, destaca o aperfeiçoamento do BVD na Temporada do ano passado. “Após discussão com CVM e B3, percebemos que os problemas verificados em 2021, principalmente em Petrobras e Vale na questão do voto múltiplo, não voltaram a se repetir na maioria das Assembleias. A CVM definiu orientações mais claras de como proceder em sistema de voto múltiplo que favoreceu uma participação de maior qualidade dos acionistas”, comentou.
O advogado Daniel Alves Ferreira tem opinião semelhante em relação ao aperfeiçoamento do mecanismo de voto múltiplo via BVD. “Tivemos uma boa compreensão do voto múltiplo pelas companhias que tiveram esse processo de votação aperfeiçoado. Elas entenderam que isso é importante e não tivemos grandes dificuldades em fazer os processos de voto múltiplo nas Assembleias que adotaram esse procedimento”, disse.
O Conselheiro Marcelo Gasparino explica que as orientações para o BVD permitiram que o acionista pudesse escolher alguns entre vários nomes que estavam concorrendo. “O grande problema até 2021 é que o formato do BVD brasileiro exigia que se escrevesse um percentual dos votos em cada candidato. Mas isso não era viável para os estrangeiros, porque não tinham como preencher os percentuais. Agora o BVD permite essa distribuição”, comenta.
Ele destaca que os avanços foram obtidos após muitas reclamações dos acionistas em Assembleias e, posteriormente, ao longo do ano, das propostas levadas pela AMEC para os fóruns de discussão. “A atuação da Amec foi muito importante. Acho que foram conquistas que decorreram de muitos questionamentos que foram feitos durante as assembleias dos últimos anos”, diz Gasparino.
Para Lucila Prazeres da Silva, Head do Jurídico da Constellation, apesar dos recentes avanços no BVD, o mecanismo ainda pode ser melhorado. “O BVD é um avanço importante, mas precisa ser aperfeiçoado. Ainda não temos uma plataforma central no Brasil, o que dificulta sua plena utilização. Por exemplo, em propostas de alteração de estatuto social, só é possível votar em bloco. Não tem como votar em cada alteração específica e isso não é eficiente”, conta.
Assembleias virtuais
Além dos avanços com o BVD, outro ponto positivo indicado pelos especialistas e gestores foi a consolidação do formato virtual para a maioria das Assembleias anuais do último passado. “As Assembleias digitais mostraram-se mais vantajosas que as presenciais, em razão da simplificação e otimização. Ainda há pontos específicos para melhorar, mas tem funcionado bem”, diz Raphael Manhães Martins, Sócio do Faoro Advogados.
Ele indica que a realização de Assembleia presencial se justifica apenas quando existe algum ponto polêmico para resolução. Em todo caso, Raphael Manhães comentou que não verificou muitos casos de Assembleias com discussões mais qualitativas em 2022 que justificassem o formato presencial.
Rodrigo Santoro, Head de Renda Variável da Bram, também ressalta as vantagens das Assembleias digitais. “Facilita a participação de maior número de acionistas nas assembleias, ocorre a redução de custos e ganho de produtividade”, comentou. Ele defende a participação presencial apenas quando existe uma participação acionária muito relevante na companhia e quando se pode mudar o curso da Assembleia ou decisão específica.
Renato Eid Tucci, Superintendente de Estratégias Beta e Integração ESG da Itaú Asset, destaca que o desenvolvimento dos meios digitais tem permitido maior presença de investidores nas Assembleias. “É um fenômeno muito positivo pois incentiva a maior participação dos investidores. É um mecanismo que incentiva o stewardship e o exercício do voto entre os acionistas”, diz.
Lucila Prazeres comenta que a Assembleia 100% digital representa um avanço importante pois permite maior participação de acionistas, seja virtualmente ou via BVD sem que isso acarrete maior tempo de duração. Ao contrário, dependendo da condução do presidente e do secretário para garantir um bom fluxo no andamento, o tempo da Assembleia em geral pode ser até mais curto que o formato presencial.
Aspectos ESG
A Head do Jurídico da Constellation aponta também outro item com necessidade de avanço. É que ainda falta maior diversidade na composição dos conselhos das companhias, sobretudo no aspecto de gênero. “Ainda percebemos uma pequena presença de representantes mulheres nos conselhos das empresas”, diz Lucila.
Tiago Rodrigues, da abrdn, destaca que a asset tem procurado priorizar aspectos ESG na participação nas Assembleias. “Em nosso caso, levantamos a barra nos aspectos não apenas de governança, mas também ambientais e sociais. Isso nos levou a considerar mudanças nas decisões de votos que foram mais direcionadas pelos aspectos ESG. Por exemplo, consideramos maior peso na questão de diversidade de gênero, nacionalidade e etnia para escolhas de representantes em conselhos”, explica.
Renato Tucci, da Itaú Asset, segue na mesma linha. “Com o aumento da percepção e importância do exercício de voto, está aumentando o alinhamento dos minoritários para a indicação e eleição de conselheiros”, comenta. Na questão da maior diversidade na composição dos conselhos, ele afirma que já se verificam mudanças, mas que ainda há bastante espaço para avançar.