AMEC pretende atuar para o aperfeiçoamento do mercado de crédito privado

Reconduzido para um novo mandato como Presidente do Conselho Deliberativo da AMEC, Pedro Rudge analisa o cenário atual e as perspectivas do mercado de capitais e relaciona com as oportunidades de atuação da Associação nos próximos anos. Em entrevista exclusiva ao Panorama AMEC, o Sócio-Fundador da Leblon Equities discorre sobre o crescimento e desenvolvimento do mercado de dívida corporativa no Brasil e os planos da AMEC de reforçar sua atuação neste segmento.

“Desde o ano passado, alguns associados já vinham nos provocando em relação a uma potencial abrangência do escopo da AMEC, principalmente porque o mercado de crédito cresceu muito nos últimos anos”, diz Rudge em trecho da entrevista. Ele explica que a Associação tem expertise suficiente para contribuir para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do mercado de dívida corporativa, assim como já vem cumprindo a mesma função ao longo de sua existência no mercado de ações.

Também como Vice-Presidente da Anbima, Pedro Rudge fala ainda sobre a importância e os impactos da Resolução CVM n. 175 que traz novas regras para os fundos de investimentos. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Panorama AMEC: Qual a sua análise sobre o cenário econômico doméstico e global?

Pedro Rudge, Leblon Equities. Foto: Divulgação.

Pedro Rudge: Estamos saindo de um período em que tivemos alguns fenômenos concomitantes. O primeiro, com o fim da pandemia, gerou uma pressão inflacionária em praticamente todos os países, fazendo com que os bancos centrais tivessem que adotar uma política monetária mais restritiva, com taxas de juros mais elevadas.

Ao mesmo tempo, no Brasil, tivemos uma eleição muito polarizada. Com a mudança de governo, houve um início mais desafiador em termos de discursos e mensagens em relação aos gastos fiscais. Logo antes da posse, surgiu a proposta de uma Medida Provisória de aumentar o teto de gastos. Então, até antes de tomar posse, o novo governo enviou alguns sinais de que trataria a questão fiscal de uma maneira diferente que o governo anterior. Em seguida, houve a discussão sobre o novo arcabouço fiscal, que acho que veio até um pouco melhor que as expectativas, reduzindo a preocupação dos investidores em relação ao equilíbrio das contas.

PA: E qual foi a consequência para o mercado de capitais?

PR: Com tudo isso, durante o primeiro semestre, tivemos uma abertura dos juros longos, com o forte aumento da aversão ao risco, em conjunto com um nível de taxa de juros muito alto. Essa conjunção de fatores fez com que os investidores ficassem mais avessos ao risco, procurando instrumentos mais conservadores. Temos no Brasil uma alternativa que são os títulos isentos, que ficaram muito atrativos nesse tipo de conjuntura. Tudo isso gerou uma saída de recursos bastante relevantes da indústria dos fundos de ações.

À medida em que os indicadores foram apontando que a inflação estava sob controle e que o Banco Central, era capaz de reduzir os juros, isso trouxe um certo alento e uma mudança de perspectiva que ajuda a reduzir a aversão ao risco. Já vimos alguns resultados mais concretos nos juros futuros.

Temos agora a expectativa de uma certa estabilização e a melhora da percepção de risco. Com isso, os investidores devem começar a retomar alguma alocação em produtos mais arriscados, como os fundos de ações. À medida em que se tem uma expectativa que os juros possam cair de forma mais consistente, isso já faz os investidores repensem suas alocações. Também temos visto novos anúncios de ofertas de follow-on. É uma certa reabertura do mercado para empresas que já estão listadas.

PA: E como fica o mercado de dívida corporativa nesse contexto?

PR: O mercado de crédito cresceu muito nos últimos anos. Quando pegamos um ambiente de juros muito baixos, de 2016 a 2021, houve uma forte democratização do acesso dos investidores advindo do sucesso das plataformas. Uma proliferação muito grande de gestores que tinham como estratégia o crédito privado. Isso tudo fez com que esse nicho de mercado crescesse muito em termos de patrimônio líquido e em número de cotistas.

Ao mesmo tempo, houve uma saída ou um posicionamento menos participativo dos bancos públicos – BNDES, Caixa e Banco do Brasil – com redução do financiamento de determinados instrumentos de dívida. Isso abriu espaço para o mercado de capitais ocupar o que antes era financiado por esses bancos. Enquanto o mercado tiver apetite para financiar determinados segmentos ou instrumentos, entendo que é mais sadio que o mercado faça esse papel de financiador.

PA: Poderia analisar os problemas de ativos de crédito privado em casos recentes do mercado brasileiro?

PR: Tivemos casos práticos esse ano em que ficou bastante nítido de que um avanço no relacionamento entre empresas e credores, na transparência, tem um caminho que deve ser aperfeiçoado. A AMEC se viu estimulada a aumentar o seu escopo de atuação e incluir essa classe de ativos. Vários dos nossos associados que tinham exposição em ações passaram a ter também crédito privado. Na medida em que já éramos um porta-voz com as empresas, com o chapéu de acionista, pareceu bastante plausível também atuar nas questões ligadas ao crédito.

PA: Como a AMEC pode aproveitar a expertise de 17 anos desde sua fundação para atuar no sentido de aperfeiçoar o mercado de dívida?

PR: Desde o ano passado, alguns associados já vinham nos provocando em relação a uma potencial abrangência do escopo AMEC, justamente devido ao crescimento mais recente do mercado de crédito. Nossa Associação tem proximidade e relacionamento com vários stakeholders. Já nos relacionamos bastante com as próprias empresas. Também nos relacionamos com a própria Abrasca, IBRI, IBGC. Existe todo um ecossistema em que a Amec já está inserida que é bastante factível de que, ao invés de ter um olhar apenas como acionistas, ter também um olhar sobre o crédito e financiamento. Acho que a associação já tem as ferramentas. Quando falo em ecossistema, também incluo CVM, legislativo e governo.

No fim, a AMEC quer melhorar a governança das empresas e isso engloba o relacionamento com os acionistas e o relacionamento com os credores. É bastante sinérgico e nossa Associação pode se beneficiar de toda essa expertise que foi gerada nos últimos 17 anos. Tem todo um trabalho de advocacy também, de dialogar e propor melhorias para o mercado.

PA: O próprio trabalho que a AMEC fez no aperfeiçoamento das assembleias de voto a distância pode ser aproveitado no caso de mercado de dívida?

PR: Tem várias pontes que dá para fazer com relação às sugestões que fizemos antes, pensando estritamente com a cabeça de acionistas, mas que agora dá para fazer com credores também. Como já temos canal aberto, já nos relacionamos com as empresas, acho que agrega bastante abrir o leque e falar de dívida também.

PA: Além da atuação no mercado de dívida, poderia comentar outras prioridades do trabalho da AMEC neste novo mandato? 

PR: Acredito que será uma continuidade dos esforços que a gente já vem fazendo nos últimos anos em algumas frentes. Primeiro, solidificar o reconhecimento da Amec como um think tank, como um fórum de discussões propositivas com uma visão séria, profissional e técnica dos assuntos de forma a sinalizar eventuais preocupações que tenhamos com temas específicos.

Tudo que gera incerteza ou insegurança jurídica é muito ruim para o mercado de capitais, para os investimentos de longo prazo do Brasil. A AMEC se sente no papel de externalizar suas opiniões nesses casos. Eu acho que temos que continuar com essa cabeça de ser uma voz nesses momentos em que entendemos que retrocessos não devem acontecer.