As empresas precisam fortalecer a governança para recuperar a confiança do investidor
O ciclo desfavorável para o lançamento de IPOs, que já dura mais de três anos, resulta de um cenário macroeconômico e político desafiador que impacta diretamente a atratividade do mercado de ações. A taxa de juros elevada, com a projeção de mercado de atingir 15% ao longo de 2025, somada às incertezas no cenário internacional e ao baixo desempenho das empresas na bolsa, reforça a cautela dos investidores e favorece alternativas mais seguras, como a renda fixa e o mercado de crédito privado, que têm sido uma saída de captação para as empresas. “Nosso mercado de ações, historicamente, depende bastante do investidor estrangeiro, e isso é muito relevante para o lançamento de IPOs. Em períodos como o atual, o investidor prefere companhias listadas, que sejam dos mesmos setores, em comparação a empresas que estão entrando no mercado, para a qual exige um desconto maior, o que gera uma disputa de valuation”, avalia Edna Holanda, economista, sócia da consultoria ACE Governance e membro de órgãos de assessoramento a Conselhos.
Na opinião dela, o aprimoramento da governança corporativa deveria ser uma prioridade para as companhias em momentos de crises, tanto para as listadas quando para aquelas que pretendem aproveitar a próxima janela de oportunidades para estrear no mercado de ações. Edna avalia que um outro fator que retroalimentou a escassez de IPOs foi a entrada de companhias despreparadas no mercado de ações no último período de “janela aberta” para os lançamentos de ofertas públicas iniciais, entre 2020 e 2021. A experiência foi amarga para investidores que não viram o valor das companhias se recuperarem. Diversas empresas viram suas ações despencarem mais de 50%, e algumas chegaram a ter quedas superiores a 90% desde o IPO. “Algumas companhias aproveitaram para recomprar ações a um preço menor, o que foi muito prejudicial para a confiança do investidor”, analisa.
Segundo dados da B3, desde 2022 até janeiro deste ano, 56 companhias fecharam capital, das quais 17 motivadas por processos de incorporação. Em 2024, o fechamento de capital das companhias atingiu um pico de 17 registros, movimento que motivou a revisão de regras para as Ofertas Públicas de Ações (OPAs). Na entrevista a seguir, Edna Holanda analisa esse cenário e seus motivadores, com foco nos impactos sobre a governança corporativa, em um contexto de revisão da regulamentação do Novo Mercado.
Panorama Amec: Nos últimos anos, o mercado de IPOs no Brasil tem enfrentado um período prolongado de seca. Além dos fatores macroeconômicos e políticos, que outros elementos contribuem para a manutenção desse cenário para novas ofertas?
Edna Holanda: É preciso recuperar a confiança do investidor. O último ciclo expressivo de IPOs, ocorrido entre 2020 e 2021, revelou problemas estruturais, com empresas despreparadas para atender às exigências de governança e prestação de contas. Mais de 70% das empresas que fizeram IPO nessa época permaneceram com valor de mercado menor do que na época do lançamento, pelo menos até meados de 2024. Como resultado, muitos investidores passaram a priorizar empresas já consolidadas na bolsa, refletindo uma menor confiança em novas listagens. Do lado das companhias, o mercado de follow-ons seguiu ativo. Isso mostra que os investidores estão mais confortáveis em alocar capital em empresas que já conhecem, ao invés de se arriscar em novas ofertas. Esse comportamento reflete a falta de confiança nas empresas que entraram recentemente e não entregaram os resultados esperados. O mesmo fenômeno ocorreu em 2006 e 2007, quando houve outro boom de IPOs, e muitas dessas empresas tiveram dificuldades básicas, como entregar demonstrações financeiras trimestrais no prazo. Esse cenário incentiva o fechamento de capital e desmotiva novos IPOs, tornando ainda mais desafiador recuperar a confiança dos investidores.
Em vez de novas listagens, tivemos 17 empresas que fecharam capital na bolsa em 2024. Qual o papel das novas regras das Ofertas Públicas de Aquisição (OPAs), que entram em vigor em julho, nesse cenário?
O fechamento de capital foi motivado pelo contexto, mas passa a ser favorecido pela mudança na regulação. Antes, era necessário um laudo de avaliação para a operação de fechamento de capital e agora será possível usar a maior cotação da ação dos últimos 12 meses. Como o preço de muitas ações caíram, isso facilita com que as empresas recomprem suas próprias ações a preços menores, sem precisar de um valuation formal.
Isso significa que a nova regra para as OPAs favorece esse movimento de fechamento de capital?
Sim, a mudança das regras das OPAs estimula esse movimento de fechamento de capital, o que não é positivo para governança e para a proteção do investidor. Um mercado com menos empresas listadas é cada vez mais reduzido e com menor liquidez. Isso retroalimenta esse ciclo negativo. A credibilidade do segmento fica afetada também com a saída das empresas sem as OPAs, o que exige um enforcement pela CVM.
E qual o impacto desse movimento de fechamento de capital para a credibilidade da governança corporativa no Brasil?
A saída de empresas pode afetar a percepção do mercado. No entanto, há iniciativas que visam endereçar problemas de governança, seja por meio do código do IBGC ou pela revisão das regras do Novo Mercado. Embora as empresas tenham alternativas para captação de recursos sem a necessidade de se submeter às regras da bolsa, como emissões de dívida, elas precisam ter um compromisso mais forte com boas práticas de governança, para que a credibilidade do segmento não seja afetada. As empresas que estão na bolsa precisam melhorar sua governança para atrair investidores. Ainda que tenhamos que evoluir muito em stewardship, o investidor hoje está mais consciente e exige mais transparência e boas práticas.
Como a revisão do regulamento do Novo Mercado endereça essas questões?
A revisão tenta corrigir alguns problemas e é importante fazer isso em momentos de baixa, para que, quando o mercado aquecer, as bases estejam estruturadas. Um exemplo de iniciativa positiva é a limitação do número de conselhos que um conselheiro pode atuar simultaneamente, que passou a ser de até cinco. Há casos de conselheiros que atuam em mais de 10 companhias simultaneamente. Essa redução é essencial para garantir maior dedicação à companhia com o objetivo de aprimorar a governança. O conselho de administração tem um papel preponderante na governança das companhias e o conselheiro, principalmente o independente, deve participar de comitês de assessoramento ao conselho, em especial o comitê de auditoria, que é obrigatório para o Novo Mercado.
O que poderia ser melhor nessa revisão é a regra que estabelece que companhias do Novo Mercado tenham 30% de conselheiros independentes, ou o limite de dois independentes para conselhos formados por cinco pessoas. Na minha opinião, a B3 deveria ter sido mais ousada e aumentar esse patamar para 40%. Isso porque as empresas com cinco conselheiros, que compõem a maioria das companhias listadas, já mantém dois independentes, e com a revisão não haveria mudanças. Outro aspecto positivo proposto no novo regulamento é a possibilidade de flexibilização para outras Câmaras de Arbitragem, que as companhias precisam aderir e incluir em seus estatutos sociais.
Para finalizarmos, qual é a sua perspectiva para os próximos anos?
Este ano e o próximo ainda serão desafiadores. A situação política e econômica do Brasil, combinada com a taxa de juros elevada, limita as oportunidades para IPOs. No entanto, é possível que vejamos melhorias a partir de 2026. A credibilidade das companhias, perante o investidor, precisará ser recuperada. Porque confiança se perde rápido, mas demora bastante para recuperar. Nesses momentos, as companhias deveriam se preparar em termos de governança para a próxima janela de oportunidades. É importante que elas tenham visão, porque essa preparação deve mirar o longo prazo. Geralmente, isso não ocorre e quando a janela está abrindo, todas correm para fazer o lançamento rápido e acontece o que ocorreu em 2006/2007 e 2020/2021, que reflete no cenário atual.