Assets e pandemia: Gestores demonstram maior preocupação com o processo de reabertura e recuperação econômica
Os gestores de recursos estão mostrando maior preocupação com o ritmo de recuperação da economia brasileira no “day after” da pandemia. Com o aumento do número de casos de COVID-19, do número de mortos e os problemas na coordenação política para o retorno da quarentena, as incertezas tendem a crescer, jogando mais dúvidas sobre as perspectivas para a economia.
“O fechamento foi muito mal feito no Brasil, com um lockdown parcial a partir de março. O problema é que a doença chegou com mais força bem depois disso e só recentemente se espalhou para a periferia das grandes cidades”, diz Rodrigo Bresser Pereira, CEO da Bresser Administração de Recursos. Ele acredita que deveria ter sido feito um lockdown mais severo no mês de abril e que agora o isolamento mais restrito fica cada vez mais difícil por conta das pressões para a flexibilização.
É por isso que as medidas da quarentena deverão se prolongar, ainda que de forma desordenada, por um período maior, devido ao impacto do aumento do número de vítimas. “Haverá um prolongamento das contaminações, com um prazo mais longo para saída dessa situação. O resultado é que a economia permanecerá mais fraca também por um período mais prolongado de pelo menos mais 4 ou 5 meses”, prevê o gestor. Ele diz que esse período de estagnação será maior do que se imaginava inicialmente, com maior deterioração do equilíbrio financeiro das empresas. Ele trabalha com uma previsão de queda do PIB de 6% da economia brasileira para 2020.
Com essa previsão, os fundos da asset têm optado por posições mais defensivas e conservadoras. Com um fundo multimercados e outro de ações, o gestor diz que os produtos estão com uma performance superior à média do mercado. O multimercado está com retorno positivo de 6% no ano, enquanto o fundo de ações, está caindo 16% negativos no período. “Não temos muito do que reclamar. Reduzimos as posições com aumento do caixa do fundo de ações e promovemos a troca de alguns papéis”, comenta. O gestor revela que foram privilegiadas empresas do setor exportador, papel e celulose e alguns casos de alimentos.
O setor exportador é favorecido pela oscilação do câmbio e também pela demanda de produtos básicos, que não sofreu queda. Foi possível encontrar papéis a preços mais atraentes. O setor de papel e celulose permaneceu com boa perspectiva por causa do fornecimento de matéria prima para papel higiênico. “São setores que sofreram menos, com uma demanda garantida, diferente de outros produtos, que tiveram uma queda muito grande”, conta Rodrigo. Como exemplo de setores em queda, o gestor cita as empresas de aluguel de carros, turismo, lazer e eventos.
Poucos resgates
Apesar do forte impacto sobre a rentabilidade dos fundos de ações, a Franklin Templeton não registrou pressão pelos resgates nem por parte dos investidores institucionais, nem pessoas físicas, depois do início da pandemia. “Acho que há um processo de amadurecimento dos investidores e também uma percepção que não vale resgatar as aplicações neste momento. Não vale a pena correr para a renda fixa, pois os juros estão em níveis muito baixos”, explica Marcus Vinícius Gonçalves, Diretor-Presidente da Franklin Templeton no Brasil.
Apesar de não perceber uma onda de resgates, também não há grande movimento de novas aplicações. A asset não trabalha com fundos de renda fixa e nem crédito privado que, segundo o executivo, foram os mais impactados pela pandemia. Os maiores problemas se concentraram nos fundos de crédito privado. A Franklin se preparava para lançar um produto dessa modalidade no Brasil, com ativos de Fintechs, que já contava com um aporte de seed money de R$ 50 milhões, mas teve de frear os planos.
Com o foco em fundos de ações e exterior, a Franklin diz que os produtos estão com funcionamento normal, com
liquidez garantida peRodrigo Bresser Pereiralo mercado de Bolsa doméstica. “Não perdemos nenhum cliente, não tivemos nenhum mandado perdido”, comenta. Marcus Vinícius vinha trabalhando com uma expectativa de recuperação do mercado doméstico em formato de “U”, mas agora já considera a possibilidade de uma retomada um pouco mais lenta que o previsto anteriormente.
Formato Nike
“Agora estamos considerando uma recuperação em formato swoosh, parecido com o logotipo da Nike. Seria uma recuperação mais lenta, com a perna do ‘U’ em formato diagonal”, diz o Diretor Presidente da Franklin. Em todo caso, ele diz que está menos pessimista que a média do mercado e que acredita que os estímulos dados pelo governo para a economia foram muito importantes e que darão resultado mais adiante. Ele alerta para os problemas de default de empresas no período do pós-pico da epidemia que será uma dificuldade grande do mercado.
“Estamos atentos ao índice de insolvência em crédito, acompanhando possíveis problemas de default. Muitas empresas não sobreviverão, principalmente aquelas com modelos já pressionados há um tempo, como lojas de departamento ou shoppings, só para citar alguns exemplos”, comenta Marcus. Ele revela que os fundos da asset também adotaram posições mais defensivas no Brasil, com maior alocação em empresas exportadoras, bancos e alguns segmentos do comércio, que possuem melhor estrutura de tecnologia digital.
Estrangeiros
A equipe da Franklin tem intensificado os contatos com investidores estrangeiros para apresentar as oportunidades de ampliação das alocações em renda variável no Brasil. “Com o movimento do dólar, ficou muito barato para os estrangeiros investirem no Brasil. Estamos aumentando os contatos lá fora para mostrar o país como uma grande oportunidade no momento atual”, comenta. Ele reconhece que o cenário político do país não favorece o argumento de venda dos produtos lá fora, mas o nível de preços está tão baixo que oferece uma relação de risco e retorno bem atrativa.
O executivo comenta ainda que a operação do grupo no Brasil vem ganhando relevância após a aquisição global da Legg Mason, que era a controladora da Western Asset. Apesar de continuarem com operações autônomas no Brasil no curto prazo, sem previsão de integração, a manutenção dos negócios e produtos da Franklin e da Western reforça a intenção de permanência e fortalecimento do grupo no país, segundo o Diretor.
Operação tranquila
O funcionamento da Franklin Templeton no Brasil está 100% em regime de home office. Desde o dia 11 de março, alguns colaboradores já começaram a trabalhar remotamente, após o surgimento de um primeiro caso suspeito. A transição para o regime remoto foi bastante tranquila, pois já havia um esquema de contingência bastante robusto. “Desde o episódio de 11 de setembro que todos nossos escritórios no mundo inteiro já possuíam sistemas bem estruturados de contingência”, comenta Marcus Vinícius.
Assim, os mais de 9 mil funcionários em todos países foram para o sistema de trabalho de casa. Nas últimas semanas, os escritórios da Ásia, em Hong Kong e Singapura, estão tentando retornar, mas ainda longe da normalidade. Há dois sistemas de retorno, um deles é o rodízio de equipes. Em cada semana, uma parte dos colaboradores vai ao escritório e a outra metade fica em casa. Outro sistema é o regime de trabalho por uma semana no escritório, e duas semanas em casa, como se fosse uma quarentena.
“Ainda há muitas dúvidas sobre a possibilidade de uma segunda ou até uma terceira onda de contágio nos países”, comenta Marcus Vinícius. Ele acredita também que muitos colaboradores terão permissão para fazer o home office permanente, principalmente aqueles com funções de middle office – advogados, contabilistas etc.
Trabalho de análise
O funcionamento da Bresser Administração de Recursos também não sofreu nenhum problema mais sério de operacionalização de suas funções no período de quarentena. Os colaboradores também estão trabalhando 100% em sistema de home office, com a utilização de plataformas que permitem o acesso remoto a todo o sistema nas nuvens. “Não verificamos nenhum problema de segurança e eficiência. Ao contrário, acho até que algumas atividades estão funcionando melhor agora”, comentou Rodrigo Bresser.
Como a asset tem o foco fundamentalista, o executivo explica que os membros da equipe de análise e gestão conseguem manter um nível mais fluído de comunicação entre si no período de pandemia. Além disso, têm condições para focar no estudo individual e nas leituras que são necessárias para o aprofundamento das análises.