Dos planos família à consolidação: tendências e desafios na busca por escala e eficiência nas EFPC

A crescente complexidade regulatória, aliada às exigências de governança, auditoria, compliance, tecnologia e gestão de pessoas têm elevado os custos operacionais das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), especialmente entre aquelas de menor porte. Nesse cenário, o fomento dos planos família, o aperfeiçoamento da regulação e a consolidação aparecem como alternativas para ampliar a escala, diluir custos e sustentar a viabilidade de longo prazo.

Devanir Silva, Abrapp. Foto: Divulgação.

Para o Diretor-Presidente da Abrapp, Devanir Silva, a alternativa da consolidação vem sendo adotada principalmente por entidades menores que enfrentam dificuldades para garantir sustentabilidade financeira no longo prazo e competir com estruturas mais robustas. Apesar disso, essa tendência é avaliada de forma crítica em parte do setor. Questões relacionadas à cultura organizacional, à proximidade entre patrocinador e participantes, e à preservação da identidade institucional geram preocupações legítimas. “Algumas entidades ainda veem essa tendência com cautela. A marca do patrocinador, por exemplo, continua sendo um fator relevante para o engajamento dos participantes”, completa Silva. A avaliação de especialistas é que, embora a consolidação possa representar um caminho para a eficiência, ela não é uma solução única ou automática. Essa estratégia precisa considerar as especificidades de cada entidade, seus participantes e patrocinadores.

Um dos fatores que favorecem essa tendência está no eixo dos investimentos e sua conexão com o cumprimento das metas atuariais, já que a gestão de ativos se tornou mais complexa e volátil. Walter Mendes, membro do Conselho Deliberativo da Amec e Diretor Presidente da Vivest, avalia que os investimentos exigem uma abordagem cada vez mais sofisticada, ainda que o atual patamar de taxas de juros seja suficiente para cobrir as metas, e assim incentiva um apetite ao risco mais baixo nesse momento.

Alexandra Leonello Granado, Metrus. Foto: Divulgação.

“Mas sabemos que há muita volatilidade nas taxas de juros. Há alguns anos, tivemos taxas negativas e isso trouxe um aprendizado”, afirma. Nesse cenário de volatilidade de mercado, Alexandra Leonello Granado, Diretora-Presidente do Metrus, destaca a importância da diversificação para proteção do capital e aumento da estabilidade da carteira, ao considerar ativos internacionais para a proteção do risco local. “Uma concentração de recursos de entidades multipatrocinadas de maior porte na indústria tende a impulsionar a profissionalização do setor, além de possibilitar o acesso a produtos de investimentos mais sofisticados e mais baratos”, afirma.

A volatilidade dos investimentos e os custos regulatórios aumentam o interesse de fundos médios e pequenos em migrar para fundos multipatrocinados. Mendes lembra que os fundos de pensão de menor porte, que não têm escala, acabam enfrentando despesas mais altas para garantir o atendimento adequado à regulação. Além disso, pela limitação de porte, são obrigados a terceirizar toda a gestão de investimentos, o que eleva ainda mais os custos.

Por isso, ele avalia que há uma tendência de fundos médios e pequenos migrarem para fundos multipatrocinados de maior porte, o que ajuda a reduzir despesas e o envolvimento direto de executivos na gestão. “Esse movimento é positivo, pois nesses fundos maiores e multipatrocinados, como é o caso da Vivest, há uma estrutura organizacional mais robusta, com controles mais fortes e melhor governança. Isso representa uma melhora para o setor como um todo. Além disso, ao optarem por migrar para um fundo multipatrocinado de grande porte, em vez de transferirem os recursos para a previdência aberta, esses fundos mantêm os recursos dentro do setor de entidades fechadas de previdência complementar”, avalia.

Prós e contras da consolidação

Na opinião dos especialistas, a consolidação das entidades fechadas de previdência endereça a questão da racionalização de custos administrativos e o ganho de escala, com acesso a estruturas melhores de governança e controles.

No entanto, apesar dos benefícios, a consolidação não é isenta de preocupações. Como apontado por Devanir Silva, da Abrapp, há o risco de perda de identificação cultural. Outros pontos que precisam ser considerados é a possibilidade de levar à perda de autonomia, choques de gestão, potenciais conflitos entre patrocinadores e eventuais retiradas de patrocínio, como lembra Alexandra Granado, do Metrus.

Sylvio Eugenio, Prevcom. Foto: Divulgação.

“A consolidação é natural e positiva, mas deve respeitar os contratos firmados com participantes e patrocinadores. Qualquer movimento empresarial de fusão ou incorporação deve preservar os regulamentos originais e os direitos adquiridos. O desafio está na forma, e não somente na finalidade da consolidação”, acrescenta Sylvio Eugenio, Diretor-Presidente da Fundação de Previdência Complementar do Estado de São Paulo (Prevcom). Ele avalia que poucas entidades contam atualmente com cultura comercial e visão empresarial suficientes para atuar nesse ambiente de M&A. “O desenvolvimento dessas competências será essencial para que os processos de integração não sejam apenas tecnicamente eficientes, mas também eticamente sólidos e estratégicos”, observa.

Modernização regulatória

A consolidação de fundações, de forma isolada, não é suficiente para garantir o crescimento do segmento. O modelo enfrenta limitações estruturais para expandir sua base, como a baixa adesão, envelhecimento populacional, além de mudanças profundas no mercado de trabalho, incluindo o aumento da informalidade e maior rotatividade dos postos. Há, ainda, os custos elevados para a criação de novos planos, que dificultam a ampliação da cobertura previdenciária.

Os especialistas consideram que a modernização regulatória promovida pela Previc tem buscado mitigar esses entraves, com iniciativas como a adesão automática e maior flexibilidade na utilização dos recursos administrativos (PGA). Dentro do aspecto regulatório, Alexandra Granado, do Metrus, reitera que a aprovação da CNPC nº 61/2024, que permite a marcação a vencimento de título – a marcação na curva –  foi importante para alinhar com o propósito dos investimentos de longo prazo das entidades, eliminando a volatilidade e permitindo maior previsibilidade de resultados. Na área de investimentos, Mendes, da Vivest, reforça que um ponto de melhoria regulatória ainda é o limite de 10% de investimento do patrimônio dos fundos no exterior, considerado muito baixo para entidades de maior porte, o que limita a diversificação e a proteção do capital.

Planos família e incentivo à inovação

Do lado da expansão do número de participantes, outra iniciativa relevante, ainda no aspecto regulatório, foi o incentivo à criação dos planos instituídos, os planos família. Esses produtos, que não dependem de patrocinadora e permitem adesão mais ampla, têm apresentado crescimento relevante nos últimos anos, impulsionados pela possibilidade de portabilidade de planos abertos (PGBL/VGBL) e pelas taxas de administração significativamente menores. Segundo o Diretor-Presidente da Abrapp, os planos família vêm se mostrando uma estratégia interessante para diversificar as ofertas e alcançar novos públicos, e teve um crescimento em ativos totais de 93% nos últimos três anos, considerando todos os produtos, inclusive o plano setorial da Abrapp, ao atender núcleos familiares e pequenos empreendedores. “A continuidade do sucesso dependerá de uma comunicação eficaz sobre os benefícios desses planos e de uma adequação maior aos perfis de clientes. A personalização da oferta é um fator-chave para o aumento da adesão”, explica.

Ele destaca que a Abrapp  tem como prioridade a defesa dos interesses das entidades em prol da sustentabilidade e da expansão do setor, com foco na melhoria da regulação e o fortalecimento das práticas de governança e gestão. “A associação também trabalha para ampliar o acesso dos trabalhadores aos planos de previdência complementar, especialmente os que estão fora do setor formal”, diz.

Além de buscar a defesa dos interesses do segmento e ampliar o acesso, ele reforça que a Abrapp está empenhada em constituir uma Frente Parlamentar da Previdência Complementar e trabalhar em uma agenda propositiva, como a Lei de Defesa do Poupador. “Há um esforço para desenvolver uma comunicação estratégica com parceiros do sistema, com o objetivo de criar uma nova narrativa para a previdência complementar, demonstrando seu valor na formação de patrimônio para uma renda qualificada. Isso vai além de combater a desinformação, é uma ação proativa de reposicionamento”, observa Silva.

Walter Mendes, Vivest. Foto: Divulgação.

Walter Mendes, da Vivest, cita como um exemplo desses esforços a iniciativa da Abrapp para a criação do projeto de micropensões, produtos de previdência para os trabalhadores que trabalham nos serviços de plataformas digitais de entregas. Sylvio Eugenio, da Prevcom, explica que a proposta é usar o modelo de cashback — em que as plataformas pagariam um adicional aos trabalhadores por usarem seus serviços,  mas na forma de contribuição para uma rede mínima de proteção previdenciária e securitária, cobrindo eventos como invalidez, morte ou aposentadoria. “A ideia é criar um sistema complementar ao regime geral, aproveitando a lógica dos próprios modelos de negócio das plataformas para oferecer cobertura acessível, mutualista e escalável. O objetivo é que esse modelo sirva de referência para ampliar a inclusão previdenciária dos mais de 40 milhões de informais no país”, conta.

Eugenio lembra que as iniciativas de inovação poderiam encontrar um ambiente melhor para a viabilização se o setor pudesse atuar em sandboxes regulatórios para testar novas ideias, a exemplo do que o Banco Central possibilita aos seus regulados. “A Previc poderia permitir a atuação, por meio de sandboxes, para projetos de equalização tributária e promoção de campanhas de educação financeira, de modo a aproximar a previdência da realidade do brasileiro médio”, sugere.

O apoio da regulação aos projetos de expansão é essencial para a sustentabilidade da previdência complementar fechada, historicamente estruturada a partir de relações empregatícias mais estáveis, mas que agora precisa se adaptar a uma nova realidade. E junto com ela, a consolidação é um dos caminhos para a sustentabilidade do mercado de previdência complementar fechada no Brasil. Embora haja desafios inerentes, como a necessidade de preservar a identidade e honrar contratos, o movimento é visto pelos especialistas como uma estratégia para alcançar maior eficiência, profissionalização e sustentabilidade do sistema, beneficiando diretamente participantes e patrocinadores.