“É fundamental que os fundos de pensão estejam no nosso fórum de discussão para o aperfeiçoamento do mercado”
Com o mercado de dívida corporativa e de investimentos alternativos sob holofotes no atual momento de taxa de juros elevada, os aspectos de governança em torno dos ativos são as premissas que fazem a diferença para todos os stakeholders. “Quando essa relação se fortalece em todas as pontas, é positivo para o desenvolvimento do mercado, tanto local como offshore. Queremos que todos os players estejam nessa discussão, bancos, assets e entidades de previdência complementar. As fundações devem se aproximar dessa agenda porque cuidam do dinheiro de longuíssimo prazo, o que demanda ainda mais governança.”, afirma Paulo Werneck, presidente do Conselho Deliberativo da Amec, que assumiu a posição no final de abril deste ano.
Ao longo de quatro décadas de experiência no mercado financeiro, Werneck atuou nas áreas de gestão de investimentos local e internacional, private equity, venture capital e startups. Também acumula passagem em bancos de investimentos, como o BTG Pactual; bancos comerciais; corretoras; seguradoras e fundos de pensão, como Petros e Funcef e a Vivest, onde atualmente é diretor de investimentos. Werneck já passou por todas as áreas de investimentos, na coordenação de equipes, turn arounds, relacionamento com stakeholders e participação em Conselho de Administração de grandes e pequenas empresas. Na entrevista a seguir, o novo presidente do Conselho Deliberativo da Amec avalia o cenário regulatório e de investimentos para os fundos de pensão, seus desafios e a agenda para o avanço da governança e crescimento do segmento.
Panorama Amec: A Amec está prestes a completar 20 anos em uma trajetória marcada pela maior presença de assets e um número menor de fundos de pensão entre os associados. Por ser atuante na defesa da governança corporativa e dos investidores, qual a importância, na sua opinião, de uma aproximação maior dos fundos de pensão?
Paulo Werneck: Os fundos de pensão representam um investidor que entrega dinheiro para estruturas que precisam financiar o crescimento econômico. É um segmento que necessita de uma mudança expressiva no mindset. Pela minha experiência, vejo como fundamental uma aproximação da Amec com os fundos de pensão, porque esse é o dinheiro de longuíssimo prazo. Esse dinheiro precisa ter governança para ser tocado. O participante contribui todo mês durante sua vida útil e no final vai gozar dos benefícios, recebendo esse dinheiro. Esse recurso tem que ser tratado com muito respeito. A previdência pública tem limitação de cobertura, então precisamos gerar outros veículos. Com a questão da longevidade, é ainda mais importante assegurar a governança e a segurança nesse segmento, que demanda estabilidade nos retornos para garantir o dinheiro do aposentado. É fundamental que os fundos de pensão estejam no nosso fórum de discussão para o aperfeiçoamento do mercado de capitais, inclusive, para além das questões relacionadas à gestão de recursos.
O cenário de juros altos e a necessidade de atingir metas atuariais alterou o perfil de tomada de decisão de alocação pelos fundos de pensão? Poderia comentar os impactos para assets e entidades?
A taxa de juros alta acaba distorcendo as decisões, pois parece que é fácil fazer a gestão de investimentos. Tivemos uma experiência nos últimos anos, quando os juros reais vieram para níveis negativos, e houve um deslocamento de risco em portfólios no mundo todo. No Brasil, isso ainda não ocorreu, mas ruma para essa direção. A indústria de assets brasileira sofreu nos últimos anos com o nível elevado de taxa de juros e falta de especialização dos gestores em relação à internacionalização do portfólio. Ainda temos entraves a serem resolvidos, pois estamos em um cenário de muita volatilidade. Diante de insegurança, a gestão dos fundos de pensão tende a adotar uma postura mais conservadora, com a redução da duration da carteira e selecionando ativos compatíveis com esse perfil. Essa estratégia deve ser proporcional à estrutura de ativos e passivos, especialmente nos planos de Benefício Definido (BD), que exigem garantia de fluxo de caixa no longo prazo. O que é importante olhar é que a duration das carteiras é mais longa, algumas com fluxos de caixa quase perpétuos, em horizonte de investimento que se estende além de 10 ou 15 anos, o que permite maior flexibilidade na alocação, desde que respeitada a governança e análise de risco. Há um estoque grande de planos BD, mas não há mais nova acumulação. Por consequência, a carteira será mais conservadora porque precisa garantir fluxos de caixa. Nos planos CD, a gestão tende a ser mais ativa, em busca de recebimento de maior volume de recursos possíveis dentro da disponibilização de risco para esse tipo de poupança. O desconhecimento da indústria é muito grande sobre essas diferenças. O próprio consumidor final não tem entendimento.
Em que medida a tendência de consolidação entre os fundos de pensão endereça esses desafios?
A consolidação dos fundos de pensão proporciona ganho de escala e eficiência. Hoje, os gestores têm a consciência de que a gestão de investimentos não é tão fácil e que exige uma percepção mais apurada do risco e a aplicação de medidas mitigatórias em cenários desafiadores. Outro ponto é que o mercado de capitais no Brasil é significativamente caro para as empresas acessarem capital, e a consolidação pode ajudar a mitigar isso ao criar grandes fundos, com maior poder de investimento e barganha. Nesse sentido, o movimento de consolidação endereça também a questão do aumento do custo transacional. O volume de recursos nas entidades fechadas aumentou, mas a alocação de poupança nesse segmento não teve aumento significativo, e até vem diminuindo pela percepção de aumento do custo e busca por eficiência. Empresas perceberam que ter uma estrutura própria de previdência gera custo, com o passivo, o participante e a forma de gestão. Essa tendência de consolidação também responde diretamente às exigências regulatórias e à necessidade de uma governança robusta e especializada. O próprio regulador estabeleceu várias regras de custo de observância e de exigência de governança, aumentando a responsabilização das pessoas e exigindo uma segurança muito maior na gestão desses recursos. A consolidação em entidades multipatrocinadoras permite uma governança muito bem desenhada e transparente. Essa estrutura assegura que o dinheiro de longuíssimo prazo do participante seja tratado com muito respeito, garantindo a proteção e a segurança do capital do aposentado.
Na sua opinião, como o segmento fechado de previdência complementar poderia avançar, considerando aspectos de governança?
Um dos pontos que poderia melhorar é falta de conselheiros independentes nas fundações. A discussão com o regulador e a troca de informações são muito importantes. Fóruns como os que a Amec promove são importantes para a adequação dessas práticas. É fundamental que a governança seja muito bem estabelecida e respeitada. A legislação orienta a dinâmica de representação de patrocinadora e participante, e a questão de ter conselheiros independentes. Acredito que soluções simples podem resolver problemas complexos, e a cultura dos conselhos deliberativo e fiscal tem espaço para evoluir nesse sentido.
Um dos pontos tratados na nova Resolução CMN 5.202 foi a manutenção da limitação de investimentos em FIPs. Na sua opinião, quais foram as lições que a alocação nesse tipo de investimento deixaram e o que evoluiu para que os erros do passado não se repitam?
No passado, a alocação assimétrica de risco por parte das fundações gerou a demonização do FIP, que ao redor do mundo é instrumento de desenvolvimento econômico e alimenta diretamente a economia real. Quando se trata de FIP, a relação entre Limited Partner (cotista) e General Partner (gestor) deve ser muito bem protegida. Isso envolve as discussões sobre o comitê de investimento, além de outros pontos que estão na CMN 5.202 e que precisam ser preservados. O FIP tem a finalidade de desenvolver o sistema econômico, gerenciar processos e governança dentro das empresas, tornando-as mais eficientes. A leva de utilização de FIPs que apresentaram problemas trouxe um aprendizado – a política de consequência –, e os erros foram mitigados pela evolução da própria legislação. No passado, houve uma falta de compreensão do investidor e ausência de preparo e governança necessária para ter esse instrumento no portfólio. Um aprendizado é que o fundo de pensão não tem que gerir empresas. É preciso ter um especialista, um gestor de private equity sendo responsabilizado por isso e a fundação precisa aperfeiçoar o processo de escolha do gestor. Então, o regulador, observando os exageros, precisou voltar um pouco e vejo que a limitação atual está na direção correta. É preciso ter certeza de que a governança está sedimentada no segmento para poder avançar e dar liberdade, como a Previc vem fazendo na evolução da legislação. Outra lição para o segmento é a de que os ativos escolhidos têm de ser correspondentes ao mandato e aos objetivos finais do fundo de pensão. Isso precisa ser feito quando se tem as credenciais e tudo preparado, mas não pode ser uma aventura, tem de ser sério e bem pautado.
E como avalia, de forma geral, os avanços regulatórios nesse segmento?
Depois de todas as distorções que aconteceram ao longo do tempo, o regulador se fez presente e exigiu uma segurança muito maior na gestão dos recursos. Os avanços na regulação dos fundos de pensão refletiram nos processos e na governança. Abordaram a atuação do segmento no processo de escolha do investimento, a adequação do risco, a simetria de risco e retorno. Isso passou a ser muito mais observado e exigido tanto pelo regulador quanto pelo próprio participante. Estamos bem avançados nesse sentido, comparativamente até com outros países. Temos instâncias com várias “ilhas de excelência” no aspecto regulatório, como o Banco Central, CVM, Previc, que atuam muito bem na sua função de observância regulatória e controladora. Com o avanço tecnológico, a velocidade de desenvolvimento tende a ser exponencial.