Economistas defendem teto dos gastos como âncora da economia brasileira
Um manifesto assinado na semana passada por cerca de uma centena de economistas e gestores de recursos saiu em defesa da manutenção do teto de gastos tal qual ele foi aprovado como norma constitucional (EC n. 95/2016). A reação do mercado surgiu em razão das discussões em favor de inúmeras propostas de flexibilização da regra do teto que agitaram o ambiente político do Congresso Nacional e da equipe econômica em Brasília nos últimos dias.
“O teto dos gastos se converteu na âncora fundamental das finanças públicas do país. Em um cenário de pandemia e deterioração do equilíbrio fiscal, não é o momento de discutir novamente seu desenho, mas sim de simplesmente cumpri-lo”, diz Gustavo Arruda, Economista-Chefe do Banco BNP Paribas Brasil.
As ameaças à flexibilização do teto, ou até mesmo de deixá-lo de lado, abrem uma possibilidade mais real de colapso da economia e da trajetória da dívida pública. Passado o pior da crise provocada pela pandemia, e do consequente aumento dos gastos públicos, os economistas defendem ardorosamente o retorno do mecanismo de contenção dos gastos públicos para o próximo ano.
“Passado o pior momento da crise, temos de voltar ao desenho institucional original. Não podemos dar uma guinada, pois a relação dívida/PIB está em níveis elevados. Não temos escolha possível”, defende o economista do BNP Paribas.
O Economista-Chefe da Garde Asset Management, Daniel Weeks também sai em defesa da manutenção do teto. “Estamos muito preocupados com todas as discussões e propostas em torno à flexibilização do teto. Hoje, ele é a âncora fiscal que mantém todo cenário de equilíbrio da economia e do mercado financeiro”, diz. O especialista prevê que o embate deve continuar aquecido nos próximos dias em virtude das discussões da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que deve ser apresentada até final de agosto.
Há diversas propostas que têm o objetivo de conseguir recursos para gastos com investimentos públicos e programas sociais. As ideias vão desde a utilização de sobras de gastos extraordinários para direcioná-los para investimentos, prorrogação do estado de calamidade pública por mais um ano, até a ampliação dos programas sociais de auxílio aos mais pobres.
As opiniões apontam que o problema maior surge quando se fala em ampliação dos programas sociais, com o consequente aumento substancial dos gastos, o que poderá levar ao estouro da regra do teto. “A discussão de um novo programa chamado de Renda Brasil poderia dobrar ou até triplicar os gastos atuais com o Bolsa Família. Esse aumento dificilmente caberia dentro do teto. A proposta de tirar do abono salarial não é viável de imediato, pois ele está comprometido até metade de 2022”, explica Weeks.
O economista diz que são tantas as propostas em relação ao teto, que tem chamado esse processo de “cinquenta tons de flexibilização. “O caminho mais viável é manter a regra original e avançar nas reformas. Se abrir a janela da flexibilização, não sabemos onde vamos parar”, defende o economista da Garde Asset.
O Economista-Chefe da Mauá Capital, Alexandre de Ázara, diz que existe uma linha comum entre os economistas que assinaram o manifesto de que o rompimento do teto de gastos para além do estado de calamidade e da PEC do Orçamento Guerra terá consequências desastrosas para a economia brasileira. “Não é possível flexibilizar ou romper o teto dos gastos. O ano de 2020 é uma excepcionalidade. Se flexibilizar para o ano que vem, a situação ficará inviável”, prevê.
O economista explica que a redução dos juros pelo Banco Central e a perspectiva de manutenção em patamares reduzidos foi possível graças ao cumprimento do teto e a sua continuidade.
Gastos obrigatórios
A manutenção do teto e o avanço da agenda de reformas pelo governo é o caminho defendido pelos economistas ouvidos pelo Panorama Amec. “Não faz sentido que as despesas obrigatórias aumentem até consumir todo o limite do teto. É preciso avançar com a Reforma Administrativa para alcançar maior racionalidade nos gastos públicos”, defende Ázara.
A mesma opinião é colocada por Gustavo Arruda. “Devemos discutir e aprovar uma Reforma Administrativa. Não é tarefa fácil, mas é necessário tomar esse caminho”, comenta. Enquanto isso não acontece, os gastos com a folha dos servidores vão aumentando, consumindo todo o limite permitido pela regra do teto, com a tendência de pressionar para baixo os investimentos públicos. Na semana passada, por pouco o Congresso Nacional não derrubou o veto presidencial que proibia o reajuste dos servidores. A derrubada do veto chegou a passar no Senado, mas a Câmara e o governo se articularam para mantê-lo.
Os economistas são unânimes em defender que o país não precisa de mais gastos públicos, mas sim, que precisa gastar melhor. “O problema de fundo, sem dúvida, são os gastos obrigatórios. É preciso manter o teto e seguir pelo caminho das reformas”, comenta Daniel Weeks.
Riscos
A flexibilização do teto dos gastos traria enormes riscos para o equilíbrio da economia brasileira nos próximos anos. Aliás, as discussões em torno ao assunto já têm gerado aumento de volatilidade nos mercados, com abertura das curvas de juros futuros e maior oscilação na Bolsa nos últimos dias. “Já vemos um aumento de prêmio de risco por causa das discussões”, diz Alexandre de Ázara.
Em carta publicada na semana passada, o Diretor da ASA Investments, o economista Carlos Kawall, indica aumento do risco de se voltar ao cenário de recessão e crise enfrentados pela economia brasileira em 2015 e 2016. “A crise de 2015-16 teve como origem a crise fiscal estrutural que resultou do populismo fiscal e erosão do pilar representado pela Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz trecho da carta.
O documento explica que a crise recente provocada pela pandemia e as medidas de combate à deterioração econômica causada pelo coronavírus reverteram uma trajetória de estabilização da dívida pública, com expectativa de déficit nominal de 14% do PIB em 2020 e dívida bruta em 95% do PIB.
“Recentemente, o governo passou a flertar com medidas de expansão do gasto e protelação das reformas estruturais, como no caso da administrativa. É fundamental que se retome a agenda de contenção do gasto obrigatório, garantindo a manutenção do teto de gastos e a sustentabilidade fiscal, sob pena de repetirmos os erros que geraram a crise passada”, diz a carta.
Gustavo Arruda, do BNP Paribas Brasil, reforça o alerta para o risco de retomada do cenário recessivo. “Furar o teto representa afetar negativamente a confiança dos empresários, ante a ameaça de aumento dos impostos. Isso vai postergar decisões de investimentos e novas contratações”, diz. Além disso, haverá impacto também na postura de oferta de crédito pelos bancos, com a tendência de redução das linhas para as empresas e cobrança de spreads maiores.