Entrevista Agnes Blanco Querido: Agências de proxy voting ampliam exigências em questões de clima, diversidade e remuneração em 2023
As principais agências de proxy voting que atuam no mercado mundial, ISS e Glass Lewis, estão aumentando os requisitos para as recomendações de voto para as assembleias-gerais. Para esta Temporada 2023, direcionam o foco para questões climáticas, diversidade nos Conselhos e remuneração de executivos no sentido de buscar maior alinhamento com tendências internacionais. É o que explica a Head da Morrow Sodali no Brasil, Agnes Blanco Querido, em entrevista exclusiva concedida ao Panorama AMEC.
Com sedes em Nova York e Londres, além de escritórios e parceiros nos principais mercados, a consultoria atua em mais de 80 países. Um dos serviços oferecidos pela empresa no Brasil é a compilação e análise das recomendações das agências de orientação de votos, além de produtos relacionados à governança corporativa e ao engajamento de acionistas. Agnes analisa a evolução das últimas temporadas de assembleias no Brasil e os principais aspectos que ainda demandam maior alinhamento com as práticas internacionais. Leia a seguir a entrevista na íntegra:
Como você avalia a evolução do funcionamento das Assembleias anuais no Brasil sob o ponto de vista dos estrangeiros?
Temos muitos investidores estrangeiros que investem nas companhias brasileiras de capital aberto. Por isso, não conseguimos fugir das exigências ou expectativas com relação às melhores práticas internacionais. O que começou a ficar mais evidente, no ano de 2021, é que algumas dessas diferenças eram muito significativas em relação ao sistema brasileiro. Acho que isso começou com a questão da instalação do conselho fiscal. Uma discussão que o mercado teve há alguns anos, no começo da adoção do BVD (Boletim de Voto à Distância). Conforme os temas foram ganhando maior relevância, essas divergências vieram à tona, ficando muito evidente nos casos de eleições por voto múltiplo que ocorreram em 2021. Então, veio a necessidade de mudanças que começaram a ocorrer no ano passado e que realmente fizeram a diferença.
Ocorreram avanços em 2022?
Tivemos alguns avanços importantes que melhoraram o processo, principalmente em torno da questão do voto múltiplo. O que ainda existe é um pouco de descasamento entre as plataformas de votos eletrônicos globais e o sistema do BVD. Vimos alguns aperfeiçoamentos com relação ao que a B3 conseguiu alterar em termos de padronização de texto e tradução do BVD para o inglês. Além de alguns outros campos em que a companhia consegue colocar informações adicionais que são mais específicas. Ainda há a questão da distribuição de votos com o percentual, que é algo inexistente nas outras plataformas. O BVD ainda possui divergências e situações que dificultam um pouco o lado do investidor internacional, mas foi possível ver um avanço e o mercado reconheceu isso.
Existem outros pontos que necessitam melhorias?
Acho que há algumas questões que dificultam para todos que estão na cadeia, como por exemplo, o fato de as participações acionárias ficarem mudando, o fato de não haver uma data de corte (record date). Lá fora, existe uma data para “congelar a base”; para saber quem tem direito de voto ou não. Acho que ainda existe a questão da disparidade de prazos do BVD que acaba criando uma diferença entre os investidores locais e quem está mais próximo por ter a possibilidade de participar, de quem está votando de maneira remota. Creio que isso incomoda um pouco alguns investidores estrangeiros.
Poderia citar aqueles que seriam os principais temas para a temporada de assembleias 2023?
Os temas não mudam muito, até porque o que é levado na decisão para ser discutido nas assembleias gerais são sempre os mesmos assuntos. Eleição de conselho sempre é um tema relevante, porque está muito alinhado com as estratégias da companhia, existe a questão do quanto o conselho está refletindo e ajudando a criar valor. Dentro disso, a questão da diversidade, do accountability e os temas ESG ganham maior atenção. A sustentabilidade vem ganhando relevância. Mas o que temos visto é a questão das mudanças climáticas como um ponto que já é foco dos investidores, e isso vai continuar na agenda.
Houve alguma mudança na recomendação das agências em relação ao clima?
Sim, a ISS estendeu sua política global de responsabilidade climática a partir deste ano para o Brasil, introduzindo uma política de prestação de contas do Conselho para a avaliação e foco em empresas que são grandes emissoras de gases de efeito estufa. Inicialmente, o foco será sobre as empresas do Climate Action 100+. A agência recomenda votar contra o Presidente ou todo o Conselho, caso entenda que a empresa não está tomando as providências minimamente necessárias para entender, avaliar e mitigar os riscos relacionados às mudanças climáticas.
E tivemos ainda uma discussão recente sobre a maior presença de conselheiros independentes nas companhias. Como você avalia esse debate?
É uma questão que atrai a atenção dos estrangeiros. No exterior já não vemos muito essa discussão, porque há muitas empresas que são full corporation. As regras de listagem da Bolsa estão aquém do que é considerado o mínimo lá fora. Apesar de as companhias no Brasil falarem que seguem as normas do Novo Mercado, que estão dentro dos requisitos, para o investidor internacional isso não é suficiente, porque ele acredita que a própria regulamentação daqui não é o suficiente.
E qual a visão do estrangeiro em relação à diversidade nos Conselhos?
A diversidade é um conceito muito amplo. Em termos de influência do investidor, o Conselho acaba sendo o órgão que deveria refletir diversidade no sentido mais amplo da palavra, como gênero, orientação sexual, raça, background de nacionalidade, idade, tipos de experiências e habilidade, histórico de carreira – tudo isso deveria ser levado em consideração. Não temos necessariamente políticas ou modelos definidos pelas instituições, porém, conversando com grandes casas internacionais, sabemos que eles fazem essa análise.
Para 2023, por exemplo, a ISS passou a considerar o Presidente do Conselho responsável pela falta de diversidade e independência no órgão como um todo. A partir desse ano, se a composição do Conselho proposto ficar abaixo do nível mínimo de independência sugerido pela política da ISS ou não tiver ao menos uma mulher em sua composição, recomenda aos investidores que apoiem os candidatos independentes e votem contra os candidatos não independentes propostos pela companhia, no caso de votação individual.
Vejo que a diversidade é o tópico que talvez esteja criando mais discussão dentro do ASG, mas temos também outros assuntos, que envolvem por exemplo, questões de mudanças climáticas e emissões de carbono que também temos visto crescer mais.
Pode comentar sobre a proposta da B3 de maior diversidade nos conselhos?
Percebemos que todos os mercados começaram a discussão sobre diversidade. E começaram pela diversidade de gênero. Eu sei que a proposta da B3 está muito alinhada com a proposta da Nasdaq. Toda a iniciativa que vemos nesse sentido é interessante, mas eu entendo que também há um certo nível de resistência das companhias com relação ao report de exigências. Acho que precisa haver uma conscientização, uma maior educação que venha junto com as regras de listagem.
A questão tem que ser levantada e discutida. Acho que a B3 e as associações de classe como IBGC, AMEC, Anbima, Abrasca, o próprio IBRI, todos têm um papel importante de levantar e fomentar essas discussões. Mas, também precisa ter uma conscientização das empresas de o porquê isso é importante, como deve ser adotado, o quão relevante isso é dentro da companhia.
Uma questão que não aparece muito aqui no Brasil é a do overboarding. Você tem visto algum debate sobre o tema?
A Glass Lewis traz uma recomendação sobre esse que é um tema bem relevante para as companhias brasileiras, dado que os conselheiros tendem a fazer parte de muitos conselhos ao mesmo tempo ou acumular funções executivas de muita responsabilidade. Eles passarão a analisar isso com mais cuidado, pois acreditam que o conselheiro não pode ter compromissos demais para que tenha tempo suficiente para dedicar a sua função como conselheiro e possa contribuir efetivamente para a companhia e o colegiado.
Como a remuneração entrará na pauta das próximas Assembleias anuais?
A remuneração é sempre o segundo ponto de maior atenção para os investidores nas assembleias, quando se verifica se a companhia está performando e entregando o que prometeu, bem como se a remuneração dos executivos e do conselho está alinhada com essa performance e com os resultados entregues. A questão da remuneração no Brasil, comparada com os mercados globais e melhores práticas internacionais, ainda está muito atrás. Tem muito o que evoluir.
Quais as principais dificuldades nesta questão?
O investidor tem a expectativa de conseguir entender qual é a remuneração total que está sendo paga, porque ela aumentou, qual justificativa para aquele aumento, quem está recebendo, como está recebendo, porque está recebendo, se recebeu porque atingiu as metas, a que as metas eram relacionadas. Muita dessa narrativa não está presente hoje nos materiais de divulgação das companhias porque não é exigido por lei ou instrução e as companhias não sentiram necessidade ou tiveram interesse de criar uma transparência maior.
Qual a recomendação das agências de proxy em relação à remuneração?
A ISS anunciou esse ano que está “subindo mais a régua” com relação à transparência da remuneração dos administradores das companhias brasileiras, em linha com as exigências e expectativas do mercado global. Mas está “dando” um ano de aviso para que as companhias brasileiras possam se adequar às novas exigências. A partir de 1º de fevereiro de 2024, a agência passará a recomendar a reprovação das propostas de remuneração que apresentem práticas “duvidosas” ou que não estejam alinhadas com as melhores práticas internacionais se as companhias não apresentarem justificativa convincente, ou para as quais as explicações não estejam claras ou transparentes o suficiente.
Mas há casos positivos no disclosure de companhias?
Vimos alguns avanços interessantes; uma melhora relevante no disclosure. Isso ajudou muito as companhias com a comunicação que elas têm com o mercado, inclusive recomendações mais favoráveis das próprias agências de proxy. Acho que agora veremos isso evoluir naturalmente. Talvez não venha da melhor maneira. Poderá vir por meio das recomendações negativas de ISS e Glass Lewis que começam a incomodar as companhias.
Então, acredita que haverá maior ocorrência desse caso de rejeição de políticas de remuneração?
No ano passado, aumentaram bastante as recomendações contrárias das agências de proxy a respeito dos níveis de remuneração, planos e políticas novas. Vimos aumentar o número de votos contra, dos investidores de fora, que acompanham essas recomendações.
E para encerrar, podemos dizer que há avanços das companhias na preparação para as Assembleias?
Acredito que a assembleia geral da companhia sempre foi uma obrigatoriedade jurídica, algo que você precisa fazer. Em sua grande maioria, ela nunca foi vista como um momento estratégico de comunicação da companhia, seu Conselho e os acionistas. Mas, o bom aqui é enxergar isso como uma oportunidade muito benéfica para a própria companhia e para os acionistas de estarem mais engajados e próximos, usar a assembleia como um momento de construção conjunta e não de pensar nela como um momento de conflito.