Entrevista Alfredo Setúbal: Fico feliz em ver o mercado se ampliando, pois trabalhamos bastante para isso
A edição histórica do Panorama Amec, em comemoração aos 15 anos de fundação da associação, traz uma entrevista exclusiva com Alfredo Setúbal, ex-Presidente da Anbid (atual Anbima) e Presidente da Itausa, holding que controla o grupo Itaú Unibanco. Poucos são os nomes que poderiam lembrar em detalhes o contexto de criação da Amec e analisar em profundidade o desenvolvimento do mercado de capitais desde 2006 até os dias atuais. Alfredo certamente é um desses.
Na condição de principal incentivador do sistema de autorregulação, que nasceu e se desenvolveu quando foi diretor e presidente da Anbid, Alfredo testemunhou a modernização do mercado de gestão de recursos. “Os bancos, que no começo tinham resistência para a atuação da Amec, foram mudando de posição, até mesmo pelo próprio avanço da autorregulação da Anbid, pelo crescimento do mercado, e pelas mudanças no Brasil e no exterior”, diz em trecho da entrevista.
Em outro trecho, analisa o processo de democratização do mercado de Bolsa, com a multiplicação dos números de investidores pessoas físicas. E lembra das conversas e do convívio com Raymundo Magliano Filho, grande entusiasta e divulgador do mercado de ações. “Fico feliz de ver o mercado se ampliando, pois trabalhamos bastante para que isso acontecesse. E está acontecendo”, comenta. Afastado do dia a dia do mercado de gestão de recursos desde 2015, quando assumiu a missão de comandar a Itausa, ele se mantém ainda próximo do setor, justamente como membro do Conselho Consultivo da Amec. Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Poderia nos passar sua visão sobre o momento de criação da Amec?
Na época eu era presidente da Anbid, que depois daria origem à Anbima. Havia um movimento das assets independentes para criar uma associação específica para elas. Estou falando dos anos de 2004 ou 2005. Esse movimento era capitaneado pelo Luís Stuhlberger e pelo Luiz Fernando Figueiredo. A princípio, conversei com eles no sentido de defender que não valia a pena criar outra entidade, que diluiria a representatividade do setor, que não teria sentido perante às autoridades e ao mercado. Conversamos bastante, mas eles disseram que realmente queriam criar essa entidade independente.
Quais eram os argumentos deles para a defesa da criação de uma nova entidade?
Eles não sentiam que a Anbid tinha a capacidade de administrar os conflitos de interesses entre as gestoras dos grandes bancos, que na época eram muitas, e as empresas investidas. Muitas vezes esses conflitos envolviam empresas que eram clientes desses mesmos bancos. Falei, “então tá bom”. Daí, tentamos conversar com a Animec, que era uma outra entidade que já existia anteriormente. Era uma associação que vinha perdendo força e credibilidade. Estudamos a possibilidade de promover sua revitalização, mas concluímos que não seria viável. Então, decidimos criar uma nova instituição, que nasceu com o apoio da própria Anbid.
Como foram os primeiros passos?
Levamos o Luís Stuhlberger e o Luiz Fernando Figueiredo para a diretoria da Amec, com a missão de atuar como uma entidade independente para defender os interesses dos investidores e cotistas de fundos no mercado de capitais, principalmente na Bolsa. Constituímos o estatuto da Amec, tudo isso a quatro mãos, junto com a Anbid, mas ainda havia uma certa resistência dos bancos em participarem da nova associação. Como eu era o representante do Itaú na Anbid, disse que o Itaú iria participar da diretoria da Amec. Com isso, conseguimos quebrar as resistências e, no final, todos os bancos também aderiram.
A área de gestão de fundos dos grandes bancos também foi mudando ao longo dos anos, não é mesmo?
Os bancos, que no começo tinham resistência para a atuação da Amec, foram mudando de posição, até mesmo pelo próprio avanço da autorregulação da Anbid, pelo crescimento do mercado, e pelas mudanças no Brasil e no exterior. Ocorreu a separação efetiva das áreas de gestão das áreas corporativas dos bancos. Isso tudo foi ajudando a que a Amec se consolidasse como uma entidade realmente independente.
E olhando para trás, como avalia a trajetória da Amec durante todos esses anos?
Tivemos ótimos presidentes. Lembro que o Walter Mendes, que era do Itaú, foi presidente da Amec. O Walter é muito respeitado no mercado de capitais, ligado a sistemas de governança, teve um papel importante no início. O próprio Luiz Fernando também ocupou a presidência da associação. Essas coisas demoram um pouco para ganhar velocidade, credibilidade e independência. Depois veio o Mauro Cunha, que comandou a Amec por bastante tempo. Ele me convidou para fazer parte do conselho consultivo da entidade. Em um determinado momento, conversamos com ele para iniciar um processo sucessório, que foi realizado com muita parceria. Apesar de sua postura mais combativa, ele consolidou a Amec como uma entidade independente.
Como avalia a posição da Amec na atualidade?
Hoje a associação é respeitada, tem voz, tem capacidade de liderança, de debate e posicionamento dos cases do mercado. E está se consolidando cada vez mais. Tanto as assets dos grandes bancos quanto as gestoras independentes a utilizam como veículo de discussão para não ficarem dispersas em várias frentes. Então, acho que está indo bem. Sempre se está sujeito a aperfeiçoamentos, mas no balanço geral, o saldo é bem positivo.
E avaliando o mercado de capitais hoje, o que chama mais?
Verificamos um crescimento muito grande do número de investidores na Bolsa. Com a queda dos juros, passamos por uma certa estabilidade, e a quantidade de investidores pessoas físicas se multiplicou. A tecnologia ajudou muito, com maior nível de informações que os investidores têm acesso nos sites, imprensa, veículos digitais, tudo isso, junto com queda dos juros e o crescimento das empresas, foi trazendo o investidor. Hoje estamos próximos de atingir os 4 milhões de CPFs na Bolsa. Eu era do conselho da Bolsa, antes do processo de desmutualização. Eu era da época do Raymundo Magliano [Filho], que faleceu há pouco tempo, e ele queria popularizar a Bolsa – leia mais.
Lembra de algumas conversas com o Magliano?
Recordo que ele queria chegar a um milhão de investidores. Ele ia na praia distribuir panfletos, tinha o Bolsa Móvel. Eu dizia, Magliano, não vai rolar, o juro é muito alto. Mas ele era muito animado, tinha um idealismo muito grande, era uma ótima pessoa. E olha só, passamos 1 milhão, vamos bater 4 milhões, caminhando daqui a pouco para 5 milhões. Fico feliz, porque tive essa convivência com o Magliano. Fico satisfeito também porque atuando pela Anbid, fui um grande incentivador da autorregulação, que também contribuiu para a democratização do mercado.
E como você vê o papel da autorregulação para o desenvolvimento do mercado?
A autorregulação surgiu com o objetivo de tornar o mercado melhor, para que o investidor ganhasse maior confiança nele. Tinha muita coisa da CVM que era muito deficiente. Depois a CVM incorporou muita coisa da autorregulação na própria regulação, que também avançou bastante posteriormente. Como diretor e depois como presidente da Anbid, incentivei muito a autorregulação com esse objetivo de melhorar o mercado em termos de informações e controles. A própria criação da Amec surgiu nesse contexto. Fico feliz de ver o mercado se ampliando, pois trabalhamos bastante para que isso acontecesse. E está acontecendo.
A tecnologia também contribuiu para a democratização do mercado?
Sim, claro. Tudo isso foi possível graças à tecnologia que possibilitou o surgimento das plataformas de investimentos, as corretoras, tudo isso possibilitou a divulgação de informações para maior número de pessoas de forma mais rápida e equânime. O grande desafio da tecnologia, na minha opinião, é como promover sua massificação, para permitir o acesso para a população em geral. Veja o caso do carro elétrico, que existe desde 1910, mas antes não era viável, porque não havia bateria adequada. Agora está começando a chegar, mas ainda é caro. O tema não é a tecnologia em si, mas como barateá-la. De certa maneira, isso está acontecendo no mercado de investimentos.
Diante dos novos cenários, quais os desafios da Amec para o futuro?
Os desafios são os de sempre. A Amec tem de se colocar com independência entre os investidores e as empresas e analisar os cases em que existam conflitos. Esse continua sendo o principal desafio, tem a ver com sua missão. Deve focar na defesa do desenvolvimento do mercado de capitais como um todo. Mas isso não é simples, cada caso é um caso. Há práticas que mesmo sendo legais do ponto de vista formal, não são legítimas do ponto de vista da realidade do mercado. O Fábio [Coelho] não tem uma tarefa fácil. A presidência da Amec é um cargo que exige muito conhecimento e sabedoria para conduzir tudo isso.
Até mesmo porque os conflitos continuam existindo e, em alguns casos, vão se tornando mais sofisticados, não é mesmo?
Os conflitos existirão sempre. A capacidade da Amec em conciliar isso tudo deve ir avançando. Deve forçar o debate, deve discutir os principais cases e procurar uma solução o mais consensual possível para que os interesses dos investidores, dos cotistas e das próprias empresas sejam preservados. Claro que haverá casos de desaprovação de 10% ou 20% que ficarão insatisfeitos, isso faz parte também. Essas coisas são assim mesmo. Sempre estará sujeito a críticas, mas o importante é que o saldo seja positivo. Eu nem vou dar exemplos porque já me afastei do dia a dia das assets há seis anos, não estou acompanhando tão de perto, mas acredito que a atuação da Amec tem sido muito positiva.
Além da atuação e posicionamento nos conflitos entre investidores e empresas, que outros papéis são importantes para a Amec?
Toda entidade de classe deve buscar uma atuação política para tentar participar das discussões regulatórias. Fazer lobby no sentido positivo. No Brasil muitas vezes tem sentido negativo, mas o lobby pode ter um sentido positivo de agregar nas discussões, para levar pontos de vista diferentes para quem está conduzindo o processo. Então a Amec deve participar ativamente das discussões que envolvem as reformas da Lei das SA, dos projetos de lei como do Imposto de Renda e outros. Isso é inerente ao seu papel.
O fortalecimento da onda ESG traz a necessidade de mudança no foco de atuação da Associação?
No caso da Amec, tem de continuar focando no “G”. Sem dúvida a governança é o principal foco. A questão é que com o tempo esses pontos irão se embaralhar um pouco mais. Tendem a ficar mais integradas umas às outras. O “E” e o “S” vão influenciar cada vez mais o “G”. A tendência é vermos tudo isso dentro de uma discussão mais ampla. O problema é que ainda é muito fluído, o que são o ambiental e o social dentro das empresas? Ainda não há uma leitura uniformizada de como as empresas devem atuar em relação a esses temas.
E quais as recomendações para que a Amec possa ampliar sua atuação?
Acredito que toda entidade de classe deve ter essa participação política para que possa aperfeiçoar a legislação para que seja melhor para os investidores. E acredito que deve ter as pautas e fóruns internos. Eu fui presidente do Ibri, da Anbid, participei do conselho da Bolsa, me dediquei muito ao trabalho institucional, então vejo que nenhuma entidade funciona bem se não tiver fóruns e comitês com atividades periódicas. Assim, a entidade permanece viva.
Esse é o grande desafio das entidades, não é mesmo?
A grande dificuldade é mobilizar as pessoas com uma pauta de alto nível, que as pessoas sintam que vale a pena participar. Seja em fóruns, seminários, comitês, porque se não vale a pena, você vai mandar o terceiro nível das assets e daí a discussão fica pobre. Não é só quando ocorre um estresse, que daí vai todo mundo, vão os presidentes. A dificuldade não é mobilizar na crise, é no dia a dia. Tem de manter uma agenda rica. Pelo que vejo, a Amec tem mantido um bom fórum de representação e participação, e deve continuar fortalecendo seus fóruns internos de debate em alto nível.