Entrevista Daniela da Costa-Bulthuis: Práticas e análises ESG reforçam a sustentabilidade dos negócios no longo prazo

A pandemia destacou a vulnerabilidade das nações e dos mercados para lidar com um problema sanitário generalizado para a maioria dos países. Em entrevista exclusiva para o Panorama Amec, Daniela da Costa-Bulthuis, Portfolio Manager na asset holandesa Robeco e Membro do Conselho Deliberativo da Amec, comenta o fortalecimento das análises ESG pelos investidores institucionais para mitigar os riscos das alocações e participações nas investidas e em seus mercados.

A gestora comenta ainda as dificuldades e desafios do Brasil em relação às práticas de sustentabilidade ambiental e de governança. “O Brasil teve problemas ambientais sérios nos últimos anos. O ano de 2019 em especial foi um ano de acidentes severos. O país tem uma economia fechada e com pouca diversidade na alta administração de empresas públicas e privadas”, aponta Daniela em trecho da entrevista. Confira a seguir na íntegra:

Panorama Amec – A utilização concreta de princípios ESG tornou-se mais relevante com o advento da pandemia de COVID-19 e a consequente crise financeira mundial?

Daniela da Costa-Bulthuis, da Robeco.

Daniela da Costa-BulthuisO COVID-19 é uma crise de sustentabilidade. O vírus destacou o quão vulnerável uma nação pode se tornar a uma crise repentina. Trouxe à tona a questão da gestão na saúde pública e como a falta de controle sanitário em grandes cidades pode impactar a economia e a sociedade. Muitas das fraquezas estruturais que exacerbaram a crise já eram evidentes nos dados de desempenho sustentabilidade em determinados países. Nós usamos internamente um Ranking de Sustentabilidade de países.

Como funciona esse ranking e como é analisado? 

O ranking CSR analisa as características ambientais, sociais e de governança (ESG) de 150 países. O relatório mostra como muitos países estavam despreparados quando a crise atingiu uma escala global em março. É um ranking bianual que classifica os países com base em uma ampla gama de métricas, incluindo o acesso aos cuidados de saúde e a qualidade da governança, os quais foram destacados em como os países impuseram bloqueios para impedir a propagação do vírus. Refletindo isso, indicadores de governança e institucionais estão, de acordo com nossos dados do CSR, fortemente correlacionados com a capacidade de enfrentamento de um país, ajudando a explicar o surpreendente sucesso e fracasso de muitos países ao lidar com a crise.

Quais os novos riscos decorrentes da pandemia para a gestão de recursos e como utilizar os princípios ESG para mitigá-los?

Estão saindo vencedores nessa crise os países e empresas que estão adotando políticas que priorizam questões de capital humano relacionadas a trabalhadores, clientes e comunidades em resposta à pandemia. Forte governança institucional e corporativa serão fundamentais para mitigar futuras crises. Porém, governança forte não deve ser confundida com governança absoluta. Regimes autoritários não se saíram melhor do que as democracias ocidentais no combate e controle do coronavírus. Para os investidores, as implicações são claras: se os dados de ESG podem fornecer informações sobre a performance de um país ou uma empresa durante uma pandemia global, também podem ser uma ferramenta poderosa para entender e mitigar riscos geopolíticos e setoriais em um portfólio de investimentos.

A Amec firmou um convênio para apoiar o PRI no Brasil. Na sua opinião, como essa parceria pode incentivar a utilização dos critérios ASG nas decisões dos investidores institucionais?

Com apoio da ONU, a iniciativa dos Princípios para Investimento Responsável nasceu de uma rede internacional de investidores trabalhando juntos para entender as implicações da sustentabilidade para os seus investimentos. Daí surgiu o estabelecimento de princípios básicos que investidores signatários passaram a incorporar em seus processos de tomada de decisão. Como gestores, temos o dever de agir no melhor interesse de longo prazo dos nossos clientes. Nesse papel fiduciário, questões ambientais, sociais e de governança corporativa podem afetar o desempenho das carteiras de investimentos. A Amec tem um papel fundamental no mercado brasileiro de orientar seus membros e dar o exemplo a todo mercado financeiro brasileiro de quais são os princípios básicos de stewardship que investidores devem adotar para melhor exercer seu dever fiduciário. Isso é totalmente alinhado com a iniciativa do PRI.

Mais além da pandemia, poderia comentar o avanço da integração de práticas de sustentabilidade nas decisões de investimentos no mercado brasileiro? Quais os benefícios para os investidores e para o mercado em geral?

O Brasil teve problemas ambientais sérios nos últimos anos. O ano de 2019 em especial foi um ano de acidentes severos. O país tem uma economia fechada e com pouca diversidade na alta administração de empresas públicas e privadas. Tivemos vários problemas de governança corporativa nos últimos anos, em especial em empresas estatais. Melhores práticas de investimento no Brasil são uma necessidade. Com a inflação controlada e juros baixos, os investidores estão alocando cada vez mais em ações. A melhoria na gestão fiduciária tem que acompanhar o aumento dos ativos administrados. Investidores institucionais precisam refletir sobre suas alocações de recursos no longo prazo. O aumento da participação de investidores domésticos (institucionais e de varejo) na bolsa veio para ficar. A discussão sobre gestão responsável é urgente para se evitar má gestão e perdas futuras.  

Como podemos comparar os avanços das práticas de sustentabilidade pelo mundo com o processo de desenvolvimento dessas questões no Brasil?

O Brasil pode melhorar na questão de sustentabilidade. Questões de ESG são vistas hoje no Brasil como uma agenda política de esquerda, enquanto no resto do mundo, governos e investidores se mobilizam pelas metas de desenvolvimento sustentável independente de ideologia. A discussão sobre fundos com sustentabilidade integrada em seu processo de investimento já está muito avançada na Europa e agora os gestores americanos também estão começando a investir no tema. Os gestores brasileiros deveriam abraçar a causa. Vemos o investimento sustentável no Brasil como uma oportunidade a ser desenvolvida. Há uma grande demanda global de clientes institucionais e varejo por produtos com um foco maior em ESG, fundos de impacto, carteiras de investimento neutras em emissão de carbono. Essa demanda vai chegar ao Brasil.

Finalmente, o que precisa avançar ainda em termos de práticas ESG pelas empresas que atuam no Brasil?

Ainda tem muitas empresas brasileiras que não produzem relatório integrado e não tem política de sustentabilidade. Também há muitas empresas que querem melhorar, aprender a reportar práticas de sustentabilidade, estabelecer metas, mas ainda não enxergam a questão como prioridade ou não entendem o que é. Quando investidores começarem a demandar mais ESG, essa situação vai mudar. Esse caminho que a empresa percorre em estabelecer políticas e metas ESG leva a alta administração à reflexão sobre a qualidade do seu business e sua sustentabilidade no longo prazo. Todos ganham com isso, investidores, a empresa e a sociedade.