Entrevista Eduardo Lucano da Ponte: Fortalecimento do mercado de capitais é irreversível
Apesar do fechamento da janela de IPOs ocorrida a partir de setembro passado, por conta da deterioração do cenário macroeconômico e das incertezas políticas do país, o Presidente-Executivo da Abrasca – Associação Brasileira das Companhias Abertas – avalia que o mercado de capitais brasileiro continuará se desenvolvendo progressivamente. “Embora o recrudescimento da inflação e a consequente subida das taxas de juros conjunturalmente possam reduzir as captações por emissões de ações, o processo de fortalecimento do mercado de capitais é irreversível”, disse em trecho da entrevista concedida com exclusividade ao Panorama Amec.
Durante a entrevista, Lucano aborda temas atuais como a Reforma Tributária e a importância e desafios do ESG para as companhias abertas. A agenda ESG, por sinal, é um campo que tem promovido uma aproximação entre a Amec e a Abrasca, com a organização de um fórum com diversos eventos conjuntos. Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Como a Abrasca está enxergando o cenário do mercado de capitais na atual conjuntura? Quais as principais tendências?
O ano de 2021 era para ser o ano da retomada, mas o questionamento da sustentabilidade fiscal e a própria reforma do Imposto de Renda trouxeram dúvidas ao ambiente de negócios. O aumento da incerteza decorrente da agenda política reduziu os investimentos e afetou o mercado de ações. A agenda política, nesse caso, é relacionada aos primeiros movimentos da disputa eleitoral de 2022, que foi antecipada.
As companhias acreditam nos seus negócios e no país. São resilientes em se ajustar às conjunturas. Houve a necessidade de rever planos, mas as perspectivas de longo prazo continuam sendo otimistas. O mercado de capitais é um instrumento cada vez mais importante para o financiamento dos investimentos para expansão das empresas, com participação crescente no funding.
Encerrada a temporada de IPOs, estamos entrando em uma nova janela de M & A e outras reestruturações de companhias?
No futuro próximo, o peso dos IPOs e follow-ons deve se reduzir em relação às reestruturações devido às incertezas da conjuntura que citei, que afetaram negativamente os preços das ações e a demanda pelas emissões. Mas depois acredita-se numa retomada mais firme. O Brasil tem talentos empreendedores com grande potencial, recursos naturais invejáveis e um vigoroso mercado interno. Temos sofrido com certa disfuncionalidade das instituições públicas, mas essas dificuldades tendem a ser superadas. Enquanto o mercado de ações se retrai, o de venture capital e private equity, bem como as fusões e aquisições, ganham espaço.
E nesse contexto de expansão, existe um nítido aumento da base de investidores individuais acessando o mercado. Você acredita que, do lado da oferta, haverá mais companhias também buscando o mercado de capitais?
A vitalidade do setor empresarial brasileiro é muito forte. Surgem permanentemente negócios de elevado ritmo de crescimento que precisam de financiamento pelo mercado de capitais. Embora o recrudescimento da inflação e a consequente subida das taxas de juros conjunturalmente possam reduzir as captações por emissões de ações, o processo de fortalecimento do mercado de capitais é irreversível. O número de empresas no pipeline dos IPOs vai continuar a crescer.
E nesse processo de captação, temos visto inclusive alternativas ao IPO tradicional. Qual é a visão da Associação sobre as Spacs?
As Spacs são uma alternativa para efetivar os investimentos nas empresas em desenvolvimento que experimentam expansão tanto nos Estados Unidos quanto na região do Euro. As comissões jurídica e de mercado de capitais da Abrasca criaram um grupo de trabalho para estudar se há necessidade de mudanças regulatórias no Brasil para viabilizar essas operações, e quais seriam elas.
Já há algumas experiências relacionadas a investimentos no Brasil que estão sendo acompanhadas pelos membros deste GT. Além disso, estão sendo estudadas as práticas e as normas das jurisdições norte-americana e dos países da Europa com relação ao tema. Trata-se de uma nova ferramenta do mercado de capitais na sua função precípua de financiar o investimento no desenvolvimento das companhias. Temos que acompanhar essa evolução.
Sobre as incertezas no ambiente de negócios, você citou a própria discussão da Reforma Tributária. Quais as posições da Abrasca em relação à Reforma?
O principal problema do ambiente de negócios brasileiro é a complexidade do nosso sistema tributário e a incerteza que isso traz. A maior prioridade é simplificar e reduzir a carga tributária sobre o consumo, daí a importância da PEC 110, que tramita no Senado Federal. E é uma pena que a PEC 45, que evoluía na Câmara, tenha sido abortada após importantes progressos.
A Reforma Tributária do Imposto de Renda (PL 2.337/2021) também tem importância, dada a regressividade da tributação da renda no Brasil. Além disso, tramitam atualmente no Congresso mais de 100 projetos de lei de parlamentares de mais de dez partidos, inclusive de extração conservadora, para tributar dividendos. Isso evidencia que há um arco relevante de opiniões a favor da reforma do IR.
É possível fazer uma avaliação do projeto de lei do IR apresentado pelo governo?
Infelizmente o projeto apresentado pelo governo em junho passado implicava forte aumento de carga tributária sobre o setor produtivo, além de grande aumento da complexidade do sistema e efeitos retroativos adversos para o planejamento dos investimentos, acarretando frustração de expectativas. Esse projeto de lei foi um dos responsáveis pela redução dos novos investimentos produtivos em 2021, segundo informações de relevantes investidores globais.
A Abrasca continua defendendo que o projeto seja aperfeiçoado ou não conte com aprovação na redação aprovada pela Câmara dos Deputados, a despeito de já ter sido melhorado naquela Casa. Está em elaboração parecer pelo Escritório Ayres Britto, a pedido da Abrasca, sustentando a inconstitucionalidade da tributação de dividendos deliberados com base em lucros acumulados até 2021, sob a vigência da Lei 9.249/95, como determina o projeto. Esse documento será enviado ao senador Angelo Coronel, relator do PL no Senado Federal.
Há chance de aprovação?
O relator, o presidente da CAE – Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, senador Otto Alencar, e o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já deram declarações com restrições ao projeto. A cada dia que passa, as chances de aprovação, sem os relevantes aperfeiçoamentos necessários, se reduzem. O próprio governo, que contava com a tributação de dividendos como fonte de custeio para o Auxílio Brasil, já buscou a PEC dos Precatórios. A Abrasca continua muito atenta, embora considere que a aprovação se tornou pouco provável neste ano.
Olhando agora a ascensão da pauta de sustentabilidade, que ganhou destaque também no mercado de capitais, podemos dizer que as companhias abertas brasileiras estão preparadas para esse desafio?
Atender aos requisitos ESG é um desafio mandatório para os emissores de valores mobiliários globalmente. As companhias abertas brasileiras estão atentas para mudar sua cultura e rever suas práticas com o objetivo de corresponder às novas exigências do mercado investidor. Muitas companhias já atingiram um grau de excelência na cultura, nas práticas e na transparência ESG. Entretanto, muitas outras ainda estão no processo de incorporar esses novos valores às suas estruturas.
Como a Abrasca está atuando no ESG?
A Abrasca tem procurado propiciar um ambiente associativo para debate das experiências e dos conhecimentos relevantes. Foram realizados inúmeros eventos sobre diversos aspectos das questões ESG com grande participação dos representantes das companhias associadas. Tendo em vista a crescente relevância do tema, como fator de geração de valor incorporado à estratégia de negócios, criamos uma comissão técnica específica. Além disso, a entidade tem participado das audiências da regulação e da autorregulação referente ao tema ESG sempre levando a ótica dos emissores de valores mobiliários.
E a criação do Fórum ESG Investidor & Empresa vai exatamente nessa direção, não é mesmo? Como você avalia a importância do Fórum para o mercado brasileiro?
Em maio passado, a nova comissão ESG da Abrasca promoveu um webinar sobre a Uniformização das Métricas ESG. Tal iniciativa foi muito bem recebida por nossas associadas visto a imensidão de padrões de disclosure existentes, frente à necessidade de alinhamento com os investidores. Nesse evento, ficou claro que as companhias emissoras deveriam tratar do tema em conjunto com os investidores através da Amec, e também com a B3. Por isso, estamos fortemente motivados para a realização desse Fórum ESG com o objetivo de tratar das convergências entre o que os investidores estão exigindo e o que, em contrapartida, as empresas devem se preparar para entregar. O Fórum certamente vai representar um relevante fator para o amadurecimento da cultura ESG nas companhias, bem como nos investidores, além de facilitar o aperfeiçoamento do processo de transparência pelas empresas e de captura e uso das informações pelos investidores.