Entrevista Gustavo Pimentel: Agenda ESG sendo incorporada nas Assets Brasileiras

Se antes de 2019 ou 2020 os conceitos ESG ainda podiam ser ignorados pela indústria de fundos de investimentos, hoje a situação é distinta. Já é bastante comum o investidor doméstico, seja institucional, family offices ou wealth perguntar pelos fundos ou pela política de sustentabilidade na gestão de recursos, explica Gustavo Pimentel, Diretor da Consultoria Sitawi, especializada em ESG.

Melhor analista socioambiental para investidores no mundo, segundo avaliação da Independent Research Responsible Investment em 2016, Gustavo testemunhou a evolução do mercado de investimentos ESG nos últimos 15 anos de sua trajetória profissional. “Finalmente começamos a ver no Brasil, a prateleira como novos produtos de investimentos. Os gestores de recursos lançaram estratégias de investimentos efetivamente com abordagens ESG explícitas”, diz o consultor.

Defensor do maior engajamento dos investidores nas questões ESG, o especialista cita a importância de aplicar o Código Stewardship da Amec. Na Sitawi, o especialista lançou a iniciativa Investidores pelo Clima (IPC), em parceria com PRI e CDP, com o objetivo de ampliar o engajamento das assets nas empresas investidas. Além dos investimentos ESG, Gustavo fala sobre a ascensão do ESG no mundo, pandemia, Green Bonds entre outros temas. Confira a seguir em entrevista exclusiva:

Gustavo Pimentel, da Sitawi. Foto: Divulgação.

Como explicar a forte ascensão do ESG no ano passado?

Em 2020 vimos que o ESG furou a bolha. Explodiu para diferentes grupos de stakeholders. Mas isso começou a acontecer antes da pandemia. Foi a conclusão de um processo de ganho de massa crítica de investidores institucionais estrangeiros. Uma forte adesão dos investidores brasileiros, notadamente do segmento family offices e wealth management. E tivemos os eventos Davos e a carta de 2020 do Larry Fink. Foi o ano que tudo isso aconteceu.

A pandemia foi a principal responsável por esse fenômeno?

Não foi a pandemia a grande responsável por tudo isso, mas ela representou o primeiro teste de fogo para o tema. E acho que o Brasil passou no teste e até saiu mais forte. A pandemia escancarou as desigualdades para a sociedade, nossas fragilidades, principalmente na questão do “S” do social. Na carona disso, foi discutido o papel das empresas na manutenção dos empregos, do papel do mercado financeiro para assegurar a liquidez do setor privado.

E como o ESG chegou na indústria de fundos de investimentos?

Finalmente começamos a ver no Brasil a prateleira como novos produtos de investimentos. Os gestores de recursos lançaram estratégias de investimentos efetivamente com abordagens ESG explícitas, até rotulando seus fundos com essa sigla ou seus sinônimos, por exemplo, com sustentabilidade ou impacto, que não são necessariamente o mesmo, mas estão próximos do tema. Tínhamos no Brasil essa dificuldade de deslanchar porque sempre havia um descompasso entre oferta e demanda. Então, o alocador ou investidor seja institucional, varejo ou wealth, reclamava que não tinha produto. E o gestor reclamava que não tinha demanda clara no mercado doméstico, só do investidor internacional.

Quais os fatores que explicam a proliferação de produtos de investimentos com o tema da sustentabilidade?

Com o ciclo de queda das taxas de juros, os gestores brasileiros começaram a captar mais fora do país. E ao fazer isso, percebem que o investidor internacional está falando mais de ESG, momento em que são perguntados sobre sua abordagem em relação aos critérios. Começamos a sentir maior demanda de várias casas, vários gestores independentes, para desenvolverem suas políticas ESG, seja para uma prática mais transversal, ou para determinados produtos ou fundos específicos.

Esse fenômeno atingiu o investidor doméstico também?

Sim, em 2019 e 2020, esse movimento se espalhou para o investidor doméstico, principalmente para o wealth, que começou a perguntar pelos produtos ESG. E os gestores começaram a responder. Então, antes de 2018, existiam alguns poucos produtos ESG nas gestoras ligadas aos grandes bancos, por exemplo, o fundo Ethical, desde 2001, do Real que passou para o Santander, tinha o Excelência Social, desde 2004, do Itaú, entre outros. As casas independentes ainda não tinham esses produtos.

Poderia citar algumas assets independentes que entraram nesse mercado?

Isso começou a se ampliar há 2 anos, com a movimentação, por exemplo, da Constellation, da Fama, da JGP. Depois veio Brasil Capital, Indie, a própria XP em 2020. E isso despertou novamente as gestoras dos grandes bancos. Elas já tinham os fundos ESG há 15 ou 20 anos, mas nunca tinham ganhado muita tração. Elas pensaram: nós largamos na frente, mas estamos sendo ultrapassados. Então, disseram: vamos reformular a prateleira.

Como tudo isso impactou o mercado das consultorias especializadas em ESG?

O desenvolvimento da política ESG de maneira transversal nas estratégias das assets, tipicamente, tem uma conexão com o processo de research. Em 2020, também começamos a ver, pela primeira vez, gestoras brasileiras comprando research ESG especializado. Então, a Sitawi como player desde 2011, a Resultante, a MSCI, que tem um produto de research local, tem a Bloomberg e outras. Até 2018, tinha dois ou três gatos pingados que compravam research ESG, Agora temos mais de 30 gestoras que demandam esse produto.

Mas ainda há algumas resistências e desconfianças quanto à eficácia do ESG, não é mesmo?

Sim, ainda existe um pouco de desconfiança sobre ESG, quais as abordagens, se limita o retorno ou se restringe o universo de investimento. Ainda existe essa discussão quando temos um novo engajamento com alguma nova asset, quando provemos research ou consultoria para que ela desenvolva uma política, capacidades e novos produtos. A primeira coisa que fazemos é temos que sensibilizar e nivelar o conhecimento entre o time de sócios e os profissionais da gestora e pactuar qual é a motivação.

E quais são as motivações possíveis?

Uma das motivações é a melhoria da relação risco e retorno. Outra motivação é bem simples, é que os clientes estão pedindo. E tem uma terceira motivação, que é a ética, do impacto positivo. Então, há algumas gestoras que dizem, olha, eu quero contribuir para um capitalismo ético, sustentável, as empresas são parte desse movimento, então quero investir em empresas que realmente pensem nessas questões. Esses são os três principais motivadores.

E quais os pesos dessas diferentes motivações na decisão?

Se existem essas três motivações ao mesmo tempo, a gestora vai andar rápido. Se falta uma delas, a coisa anda mais devagar. E se o único fator é “vou fazer porque meu cliente está pedindo”, ou seja, “não acredito no ESG como métrica para agregar valor e nem me importo a questão ética”, essa gestora irá mais devagar ou adotará uma postura apenas de check list. É normal, da própria diversidade de nosso mercado.

Quais os desafios e perspectivas para a indústria de fundos na questão ESG em 2021?

Nos últimos dois anos verificamos o despertar do ESG e a criação da oferta de produtos. Acontece que essa oferta, pelo menos no mercado doméstico, ainda não encontrou uma demanda na mesma proporção. As estratégias ESG ainda não captaram volumes relevantes. Vejo que a tendência de 2021 e 2022, em primeiro lugar, é que as assets deverão aprender a vender mais as novas estratégias. Eventualmente terão de mostrar que as estratégias não são apenas para fazer bem para o mundo. Elas deverão explicar que os produtos darão retorno melhor.

Isso vai depender do próprio desempenho dos novos fundos, não acha?

Só vamos começar a ver o desempenho das estratégias lançadas no ano passado a partir de 2021. Há vários produtos, inclusive, que não completaram os seis meses iniciais para divulgar a cota. Neste ano, vamos começar a enxergar quais as estratégias ESG que irão empregar o melhor mix de retorno ajustado a risco. Poderemos comparar o fundo ESG dos demais produtos da gestora, se há diferenças sensíveis. Será o ano da comparação, quem está fazendo seriamente, com consistência e quem conseguirá entregar retorno e o impacto ESG positivo.

E como avaliar o engajamento do investidor no Brasil nessa pauta?

O outro lado das estratégias ESG é colocar em marcha de maneira sistemática a agenda da Amec de stewarship. Se tomarmos o Código da Amec, os princípios apontam para a alavancagem da agenda ESG nas investidas. Então, acho que isso precisa acontecer no Brasil: os investidores precisam ser mais diligentes com as questões ESG. O que gostaria de ver mais para 2021, é que a agenda de stewardship fosse efetivamente prática, com pleitos ESG mais explícitos. E o stewardship lá fora indica uma ação mais efetiva, sentando com o management, influenciando o conselho, votando com a agenda ESG explícita.

Poderia dar alguns exemplos?

Lá fora, vemos os investidores colocando votos para a empresa divulgar estratégia de baixo carbono. Ou para aprovação da remuneração executiva ou pressão para maior diversidade no conselho e diretoria. Então, vemos pleitos mais explícitos. Aqui vemos o investidor que diz que faz engajamento, mas na verdade, só está conversando com a empresa para ter acesso à informação. Não se deve confundir engajamento com research.

Como avançar com o engajamento ESG nas empresas investidas?

É sempre recomendável colocar as questões de forma amigável, sem um embate em um primeiro momento, através de reuniões específicas. Mas acho que depois é preciso evoluir para algo mais incisivo, justamente nas Assembleias, em processos de proxy voting, é algo que lá fora vemos com mais frequência, que é a publicação da agenda de engajamento dos investidores. É uma sinalização para as empresas o que o investidor irá fazer.

E avalia que há espaço para produtos de dívida ESG no mercado de capitais?

2020 também foi o ano em que os Green Bonds cresceram de maneira expressiva no Brasil, junto com suas variações, os Social Bonds and Sustainability Linked Bonds, entre outros. Vimos esse crescimento como uma combinação do amadurecimento do conceito, após cinco anos do início das operações. O conceito foi ficando mais maduro, mais emissores puderam conhecer e ficarem mais confortáveis. Por outro lado, os bancos emissores também se organizaram para realizar as emissões verdes, desenvolveram seus processos internos e capacitaram suas equipes.

E quais os caminhos para o desenvolvimento do mercado de Green Bonds no Brasil?

As tendências para 2021 incluem maior número de emissões dos próprios bancos. Ou seja, os próprios bancos irão emitir um título green com lastro em sua carteira de crédito que, por sua vez, será alocada para empréstimos para negócios verdes, sociais e de impacto. O Brasil está super atrasado, porque olhamos para o mercado internacional, os bancos são os grandes emissores.