Entrevista Jorge Simino: Ambiente complexo prejudica recuperação da economia no Brasil
A crise financeira mundial provocada pela pandemia de COVID-19 assume contornos mais profundos na economia brasileira. Além de problemas macroeconômicos em si, as crises dos sistemas político e de saúde produzem ambiente mais complexo em nosso país do que em outras economias. Em entrevista ao Panorama Amec, o Diretor de Investimentos da Funcesp (fundo de pensão dos funcionários da CESP e outras empresas), Jorge Simino, comenta suas projeções para a retomada da economia real, mas adverte que isso só será possível em 2021. Ele estima PIB de 2020 entre 6% a 7% negativos.
Com longa experiência na indústria de investimentos, tendo sido gestor da Unibanco Asset Management (UAM), Simino falou também sobre a dificuldade de mensurar as mudanças comportamentais dos consumidores e das empresas no período pós pandemia. O gestor comentou ainda sobre a valorização das ações de Stewardship e de adoção de princípios ESG na Funcesp. Confira a entrevista na íntegra a seguir:
Panorama Amec – Como avalia as causas da atual crise financeira dos mercados?
Jorge Simino – O cenário da crise atual é muito complexo. Toda crise tem a sua especificidade. Neste caso, temos um evento extra econômico, que é a pandemia. Não é uma crise financeira como a alavancagem dos bancos em 2008, por exemplo, mas temos uma circunstância que hoje afeta tanto o lado da oferta quanto da demanda da economia. Portanto, a resposta tem de vir tanto do lado da política monetária quanto fiscal.
PA – Como foi o impacto e a velocidade da crise sobre o mercado?
JS – Analisei vários gráficos para estimar o impacto da pandemia, e o melhor que encontrei foi preparado pelo Goldman Sachs, mostrando o quanto o mercado caiu nos 23 pregões seguintes ao pico dos índices. Por exemplo, o S&P 500 atingiu o ponto máximo em 23 de janeiro. Por coincidência foi também o máximo do Ibovespa, com 119500 pontos. Nos 23 pregões seguintes, o índice caiu 35%. Foi uma queda muito maior que em todas as outras crises desde 1929. A crise atual derrubou a Bolsa em uma velocidade impressionante aqui e lá fora.
PA – Como analisa a resposta dos governos e Bancos Centrais para enfrentar a crise?
JS – As respostas das autoridades americanas foram enormes, tanto do lado fiscal quanto monetário. A magnitude dos recursos injetados na economia é impressionante, com um pacote de US$ 3 trilhões e outros auxílios. É um mar de liquidez. Por outro lado, o FED reduziu os juros para 0% e abriu uma linha de crédito para as pequenas e médias empresas. Eles seguiram o slogan “whatever it takes” [o que for preciso] para combater a crise.
PA – E qual é sua avaliação da resposta no Brasil e qual sua previsão para o PIB?
JS – Aqui precisávamos de ajuste tanto de política monetária quanto fiscal. Temos evidentes restrições fiscais. Por conta dessa restrição e de alguma resistência inicial, demoramos para agir no começo. A resposta chegou um pouco depois e de forma não muito ordenada. Antes da pandemia, tínhamos previsão que o PIB cresceria 2% em 2020. Em março passamos a prever queda de 1%, depois passou a prever 4% negativos. E agora já tem gente prevendo menos 8% ou até 10%. Pessoalmente acho que deve cair entre 6% e 7%. A Ambev, por exemplo, divulgou queda de volume de venda de 27% em abril. É difícil imaginar, mas ainda pode piorar.
PA – É possível arriscar alguma previsão para a retomada do crescimento?
JS – Uma coisa é a economia real. Outra coisa é a reação dos ativos, que costumam recuperar primeiro. Mas falando do lado real, não acreditamos em recuperação em “V”. Todos os agentes estarão muito mais endividados, as famílias, empresas, governo. As famílias e empresas terão receitas menores. E o consumo representa dois terços do PIB. Os investimentos das empresas são mais 14%. Então, teremos 80% do PIB prejudicado na recuperação. Nenhuma empresa fará grandes investimentos pois a recuperação geral será lenta e muito difícil de ser diagnosticada.
PA – Pode dar algum exemplo para ilustrar sua previsão?
JS – Pegando só um exemplo, o mercado imobiliário. Está todo mundo pedindo suspensão de pagamento de aluguel. Só conversar com pessoal de shopping, todo mundo pedindo suspensão ou desconto. Tem um problema de capital de giro que é monstruoso. Vamos imaginar como será o retorno. A XP Investimentos anunciou que vai deixar todos os funcionários em home office até o final do ano. Vamos supor uma empresa que tem um escritório de 5000 metros quadrados. Ela pode pensar, vou precisar de 20% menos espaço. A empresa dispensaria 1000 metros quadrados. Imagine o impacto disso para o mercado de lajes corporativas.
PA – Mas nem todos os segmentos irão encolher, não é mesmo?
JS – Claro, por outro lado, o segmento de logística deve ampliar, pois o e-commerce irá crescer, pois aumentará o volume de entregas. Os galpões ganharão valor. A questão é que tem muitas coisas que são difíceis de projetar com precisão. Difícil fazer uma projeção, mas vamos supor que a parte sanitária superada, com a descoberta de fármacos e de uma vacina. Mesmo assim será difícil projetar como será o comportamento do novo consumidor. Será que voltará a frequentar cinemas em shoppings? Será que ficará aglomerado na praça de alimentação. Teremos de reavaliar os novos hábitos do consumidor e das empresas.
PA – Já percebemos alguma recuperação da Bolsa nas últimas semanas. A que se deve essa recuperação?
JS – Vimos alguma recuperação, é verdade. O problema é que em nosso caso, além da crise econômica, existe a questão sanitária, que dispensa maiores comentários. Existe a crise política, que também dispensa comentários. E existe um amálgama desses dois elementos que não têm comparativo com algo no exterior. Mesmo assim, temos uma recuperação. As respostas do Banco Central foram um pouco tardias, mas vieram depois que entenderam a magnitude do problema. Dentro das limitações, eles começaram a responder e as medidas começaram a pegar tração. O que acontece também é que o mercado sempre recupera antes, mas ainda há muita incerteza. Tem uma ala de economistas mais otimista que acredita que no ano que vem o PIB crescerá 5%. Eu acho que deve crescer entre 3% e 3,5% em 2021.
PA – Como avalia as oportunidades de Bolsa?
JS – Existem oportunidades, mas no geral, o Ibovespa não parece ser barganha. O patamar anterior era muito caro. Houve um fenômeno no Brasil em que os juros estavam muito baixos nos últimos 2 anos. Entraram muitos investidores no varejo, de forma muito significativa em curto tempo curto. São investidores que não tinham tanto perfil para ter Bolsa. Muitas pessoas diziam: os fundos DI não pagam nada. Conclusão: foram alocar 80% da poupança na Bolsa.
PA – Como explica o recorde de captação de R$ 30,4 bilhões da caderneta de poupança em abril, a maior de toda a série histórica desde 1995?
JS – Acho que houve saque de outros instrumentos. Nos últimos anos, muita gente migrou para ativos de maior risco, como Bolsa, mas sem ter perfil de investidor. Era o que estávamos explicando. E pegaram 4 anos de alta. Mas será que todo mundo tinha perfil de risco arrojado? Então veio o mês de março, e muitos descobriram que não eram tão arrojados. Agora resgataram dos fundos e da Bolsa e voltaram para a poupança.
PA – Como prevê a recuperação da Bolsa para os próximos meses?
JS – A Bolsa irá reagir de forma modesta. Tem uma questão relevante, que diante das circunstâncias políticas e institucionais, o estrangeiro vai demorar muito para voltar a comprar ativos brasileiros. Para alguém se dispor a voltar aqui, tem que entender que os momentos mais agudos foram ultrapassados, e isso vai demorar. E a Bolsa sem o gringo é bem mais lenta. O investidor tupiniquim não consegue puxar sozinho a locomotiva. Vai demorar ainda, com um pouco de sorte, a recuperação virá no segundo trimestre de 2021.
PA – E como prevê a recuperação do mercado imobiliário?
JS – Esse mercado tem ciclo longo, tanto na aceleração quanto na desaceleração. Em 2018 e 2019 estava em recuperação. Não era homogêneo. A recuperação era mais concentrada em SP. No Rio de Janeiro ainda era difícil. E agora a recuperação sofreu uma interrupção. Pode ser um pouco distinto nos segmentos residencial, comercial, shoppings, logística, mas todos eles foram afetados de alguma forma. O mercado imobiliário em geral deve ter uma recuperação entre 12 a 18 meses.
PA – Como foram os movimentos nas carteiras da Funcesp desde o início da crise?
JS – O que fizemos na Funcesp foi um ajuste nas posições de risco no começo de março. Pegamos os ativos de maior risco e vendemos R$ 1,2 bilhão em ações quando o Ibovespa estava em 104 mil pontos. E vendemos também uma parte das NTN-Bs com vencimento em 2035. Fizemos uma redução de risco da ordem de R$ 2,6 bilhões. Com isso, estimo que deixamos de perder cerca de R$ 600 milhões, mas isso não evitou a rentabilidade negativa. Eu classifico como um movimento mitigatório em que não se podia evitar a desvalorização dos ativos, mas que afastou uma queda mais expressiva.
PA – O fundo de pensão precisa de liquidez para pagar os compromissos com os aposentados e pensionistas? Como você avalia a situação atual?
JS – A Funcesp tem 51 anos desde sua criação. É um fundo maduro que tem uma folha de pagamentos anual de R$ 2,5 bilhões. Cerca de 70% desse valor, ou seja, R$ 1,7 bilhão, é pago pelas carteiras de investimentos. Com a redução do risco em março, não teremos problema de liquidez para o pagamento de compromissos com os participantes, estamos absolutamente tranquilos, por conta dessa movimentação, nos próximos 12 meses. Temos ainda uma particularidade, que carregamos muitas NTN-Cs com parte do vencimento no ano que vem. É um montante significativo que nos dará tranquilidade para o pagamento dos benefícios dos planos nos próximos 7 ou 8 anos.
PA – Poderia comentar o trabalho de Stewardship da Funcesp?
JS – É um trabalho que estamos dando muita atenção ultimamente. Fomos um dos primeiros fundos de pensão a aderir do Código Stewardship da Amec. Estamos realizando um trabalho de participação mais ativa nas Assembleias na condição de acionistas, sobretudo naquelas empresas que temos maior interesse. Também estamos valorizando cada vez mais os princípios ESG em nossos investimentos.
PA – Como o cenário de pandemia pode incentivar a valorização dos critérios ESG para os investidores?
JS – O que ficará mais em evidência a todos os investidores é a avaliação de como as empresas estão enfrentando a pandemia e tratando seus colaboradores. Os investidores irão avaliar a organização interna, como se comportou enquanto empresa perante funcionários, fornecedores e clientes. Serão verificadas as ações de cada uma para enfrentar a questão sanitária, que tem a ver com a análise dos critérios sociais e de governança.