Entrevista Leonardo Pereira: Crise traz oportunidades de avanços com Stewardship e ESG

O contexto de pandemia tem produzido dificuldades para a economia e para as companhias, mas por outro lado, estão surgindo oportunidades que antes avançavam a passos lentos. Em entrevista exclusiva para o Panorama Amec, o ex-Presidente da CVM, Leonardo Gomes Pereira, defende que o atual cenário abre oportunidades para grandes avanços nas práticas de stewardship nos boards das companhias.

“Neste momento de crise é mais uma oportunidade para relembrar e reforçar esses conceitos, que passam pelos conselhos, com deveres e responsabilidades”, diz Pereira, que atualmente tem uma posição no Comitê Consultivo Independente do World Health Organization (WHO-IEOAC), além de ser conselheiro do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). O executivo acredita que também é um momento adequado para que os princípios ESG (ambientais, sociais e de governança) sejam reforçados para ocupar um espaço importante na mitigação de riscos.

Leonado Pereira, Fonte: Germano Lüders/EXAME.
Leonado Pereira. Fonte: Germano Lüders/EXAME.

Na entrevista, Pereira falou também sobre o papel do board e dos comitês de crise para o enfrentamento da pandemia e das dificuldades do momento atual e do “day after”, além de abordar os impactos sobre a indústria de fundos de investimentos. Leia a seguir a entrevista na íntegra:

Panorama Amec – Como analisa os desafios do momento atual de pandemia e crise?

Leonardo Gomes Pereira – É uma situação inédita, que está mudando o mundo. Entramos em um túnel e não sabemos ao certo onde vamos sair. Só sabemos que vamos sair diferentes, em termos de modelos de negócios. Seremos todos impactados. Poucos negócios serão como antes. E a tecnologia, que já vinha ganhando muita importância antes, pois todos estavam entrando na onda digital, uns mais tímidos que outros, agora é uma necessidade.

Panorama – Qual é o posicionamento mais adequado do board das companhias para enfrentar o cenário de crise e pandemia?

LGP – Esse é realmente o “X” da questão, pensar qual é o papel do conselho, como ser mais efetivo. O conselho deve estar mais presente no dia-a-dia, na supervisão e interação com companhia, com sua diretoria. Precisa estar mais próximo da diretoria e o primeiro teste importante é verificar como está a relação com os executivos da empresa.

Panorama – O que é importante nessa relação com a diretoria?

LGP – É a relação de confiança com a diretoria e vice versa. Quanto mais forte, melhor. Se neste momento a companhia estiver olhando com desconfiança para o conselho, se achar que o board está interferindo demais, a relação não será positiva. E o conselho também tem de encontrar uma boa calibragem para interferir na medida certa, para ter uma postura mais positiva.

Panorama – Você acha que o cenário de pandemia reforça a importância dos princípios de Stewardship nas companhias?

LGP – Sempre fui defensor aberto dos princípios de stewardship nas companhias, em que os acionistas investidores devem exercer seus direitos e obrigações. Neste momento de crise é mais uma oportunidade para relembrar e reforçar esses conceitos, que passam pelos conselhos, com deveres e responsabilidades. É uma grande oportunidade para avançar nessa direção. São os conselheiros eleitos em assembleia que representam os acionistas. Eles devem participar ativamente no dia-a-dia da supervisão nestes momentos de crise, para exigir a adoção das melhores práticas de governança, sempre com uma postura construtiva.

Panorama – Você acredita que os novos formatos das Assembleias, agora com modelos digitais e híbridos, favorecem a maior participação dos investidores?

LGP – Sem dúvida, as Assembleias digitais representam um caminho sem volta. Já estava evoluindo nessa direção anteriormente, mas como quase tudo nas últimas semanas, evoluiu muito mais rápido. Claro que tudo que se faz aceleradamente, depois tem de aperfeiçoar. E já temos visto algum feedback, com as primeiras assembleias híbridas ou virtuais. É preciso que o mercado e os órgãos de regulação e fiscalização recebam as críticas e sugestões. As Assembleias virtuais devem fazer um esforço para que consigam se preservar como fóruns de discussão, dando acesso a mais pessoas.

Panorama – Quais os desafios e aperfeiçoamentos dos novos formatos digitais das Assembleias?

LGP – São desafios de diversos tipos. Por exemplo, o que acontece se cai a conexão da internet no meio da discussão, o que você faz? Em todo caso, acho que o mais importante é o esforço que se faz para o negócio acontecer. Depende do esforço e boa atitude de todos. Tem de começar com a mesa diretora, que deve prestar atenção para que todos possam falar. Deve colocar ordem e disciplina, mas sem tirar a possibilidade de debates e conversas entre os representantes.

Panorama – E a CVM tem adotado uma postura adequada para regular essa questão?

LGP – Por tradição, a CVM tem adotado uma postura de abertura ao diálogo, muito comprometida com a estrutura de audiências públicas. Tem buscado transparência nas discussões e sugestões do mercado. E todos estão querendo discutir e propor soluções. Tem fóruns importantes de discussão tanto na CVM, quanto na B3. Deve-se sempre incentivar o diálogo e mostrar os casos que estão dando certo.

Panorama – Como você projeta o cenário de pós-pandemia para a economia e as companhias?

LGP – Todos estão pensando no pós-pandemia, em um “novo normal”. Acho que haverá diferentes estágios, diferentes fases. A situação não será resolvida em 3 ou 4 meses. Acredito que estará mais para 1 ou 2 anos. E daí vem a importância da vacina, não apenas de descobrir a fórmula, mas de produzir e distribuí-la. Assim como aconteceu com a vacina da gripe que já é acessível para todos. E tudo ainda está em fase inicial, não sabemos a cura do vírus. É uma doença um pouco ardilosa. Ainda não sabemos como será o relacionamento entre as pessoas, os colaboradores, os fornecedores. Tudo é um aprendizado.

Panorama – Qual o papel dos comitês de crise nas companhias? Como continuará o trabalho desses comitês?

LGP – Os comitês estão tendo um papel importante para tomar as medidas emergenciais, para avaliar como está o caixa da companhia, o supply chain, para preservar os colaboradores etc. Eles estão definindo as prioridades nessa primeira fase. Agora terá de ver como irá evoluir para o os próximos passos, que deverá definir como lidar com o novo normal. Entrará nas questões de gerenciamento de risco. O problema é que estamos lidando com um risco que não conhecemos o suficiente.

Panorama – A questão dos riscos ESG (ambientais, sociais e de governança) ganham importância no contexto da pandemia?

LGP – Os princípios e práticas ESG sem dúvida ganham maior visibilidade. Todos estão falando muito disso, todos estão querendo fazer. E quem já tinha feito alguma coisa, está em melhores condições agora para consolidar. É um teste de realidade. E quem só falava, mas não estava fazendo, agora está sendo testado. As questões de sustentabilidade e governança ganham importância, não só no papel, agora é real. É preciso uma boa coordenação entre conselho e diretoria para avançar nessa direção.

Panorama – Como a indústria de fundos de investimentos está reagindo à crise?

LGP – A indústria está reagindo relativamente bem. A regulação que implantamos quando estávamos a frente da CVM, está ajudando agora. É uma indústria muito importante, fundamental para o crescimento do país. Mas não é só o regulador que tem papel importante. Todos devem avançar para evitar os conflitos de interesses, definir bem as responsabilidades de cada ator. É um momento para se preocupar com o gerenciamento de liquidez, com a diversificação do portfólio. Tudo isso está na mesa. É importante monitorar também a resposta dos investidores, a pressão pelos resgates.

Panorama – Houve entrada de muitos novos investidores nesses fundos, não é mesmo?

LGP – Sim, as taxas de juros vinham caindo. Muita gente nova entrou na renda variável. O número de investidores havia crescido no último ano. Agora vemos a importância da educação financeira. Eles terão fôlego para aguentar? Tem de explicar que a crise vai passar, que não vale a pena vender na baixa. É um grande teste para o mercado. As companhias também precisam fazer a sua parte.

Panorama – E as companhias estão atuando positivamente na comunicação com o mercado?

LGP – Acredito que na maioria sim. É impressionante o número de lives com os CEOs ou pessoal de RI querendo explicar o que estão fazendo, qual é a situação real. É um avanço, com outra atitude em comparação com outras crises. As companhias estão mais abertas e maduras. Enfim, estão explicando que na crise não é para ficar em pânico. É preciso muita resiliência e disciplina para entender a situação. Tenho visto uma atitude de até ver onde errou para tentar consertar ou reforçar. Isso tudo deve ser elogiado.