Entrevista Luiz Fernando Figueiredo: Mercado de capitais demonstra maior maturidade ao reagir à crise e pandemia
Passado o período de maior impacto após a chegada da pandemia de COVID-19, o mercado de capitais brasileiro está demonstrando uma reação bastante positiva em seu funcionamento e no comportamento dos investidores. A Bolsa doméstica registrou a entrada de cerca de 500 mil novos CPFs em 2020, motivados pelo baixo nível dos juros. “Todas as outras vezes que a Bolsa caiu no Brasil, havia uma corrida para fora das ações por parte das pessoas físicas. Dessa vez, aconteceu o contrário. Isso mostra uma maturidade muito grande do investidor”, diz Luiz Fernando Figueiredo, Sócio Fundador da Mauá Capital e ex-Diretor de Política Monetária do Banco Central.
Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, o gestor analisa os impactos e o enfrentamento da pandemia e mostra como a percepção dos problemas decorrentes do COVID-19 no Brasil são mais intensos que a própria realidade. Apesar disso, o mercado de capitais está reagindo positivamente e vem demonstrando que terá um importante papel no processo de retomada da economia. Prova disso, é a reabertura das emissões de títulos pelas empresas e a preparação de novos IPOs. Leia a entrevista na íntegra:
Panorama Amec – Como o mercado está reagindo à pandemia e as medidas para combater a crise?
Luiz Fernando Figueiredo – A percepção de como o Brasil está lidando com a pandemia é demasiadamente negativa, é a pior possível. Mas acho que a realidade não é tão ruim assim. Não estou avaliando se as autoridades brasileiras agiram adequadamente ou não em relação ao combate da pandemia. Até porque o Brasil é um país muito grande e heterogêneo. E também tem sido muito variada a forma de lidar com o problema. Tem lugares que lidaram muito bem e outros que agiram muito mal.
Por que acredita que não estamos indo tão mal?
Há dois indicadores que para mim são os mais importantes. Um deles é a utilização de UTIs. E o Brasil não registrou um colapso no sistema de saúde. Verificamos que em alguns lugares se chegou próximo do limite, mas que já retrocedeu, pelo menos na maioria deles. Em qualquer lugar do mundo, a maior preocupação era de não atingir o colapso do sistema de saúde. O segundo indicador é o número de casos por mil de habitantes. E neste quesito, o Brasil também não está tão mal. Não está pior, por exemplo, que a maioria dos países europeus.
Isso quer dizer que a opinião pública está muito pior que a realidade?
Independentemente da politização ocorrida e do comportamento em relação à pandemia, o Brasil não teve um resultado tão dramático quanto ocorreu com a percepção pública. Por causa da quarentena, da higienização, da utilização de máscaras, tudo isso fez com que a doença tivesse uma trajetória muito menos nociva do que se imaginava no início.
E como foi a ação do governo e do Banco Central?
Do lado da resposta econômica à doença e à crise, a resposta do Brasil foi muito boa, tanto no aspecto de liquidez quanto da política do Banco Central de taxa de juros. Diria que o Banco Central adotou uma reação mais conservadora em relação a todos os nossos pares, e mesmo assim o Brasil já fez o catch up. Já chegamos a uma taxa de 2,25%, com uma cara que pode cair um pouco mais. Nossas previsões de retomada do ciclo de alta dos juros estão entre o início e o meio do segundo semestre do ano que vem.
Ainda sobre juros, como prevê a trajetória daqui em diante?
Nossa previsão é que pode cair até 1,75%. E não é só isso. Será possível ficar muito tempo com juros muito baixos. Uma diferença grande dessa crise para as anteriores, é que ela tem uma consequência muito desinflacionaria. A previsão para a inflação no início do ano era de 3,7%, e agora está em 1,5%. E para o ano que vem está em torno de 3%, que é bem abaixo da meta do Banco Central. Isso é uma grande novidade na maneira como enfrentamos a crise.
E sua visão sobre as medidas fiscais?
Do lado fiscal, o Brasil gastou até agora perto de 5% do PIB, o que é bastante. Se olhar para outros países, estamos acima da média. Tem países que gastaram 2% ou 3%. Os que mais gastaram, foi algo ao redor de 10%. O Brasil gastou bastante bem, levando em conta que nossa dívida pública já era muito elevada no início da pandemia, que era de 75% do PIB.
E como avalia a distribuição dos recursos para o auxílio das famílias e das empresas?
A maneira como foi disponibilizado o dinheiro para a liquidez e os recursos fiscais ocorreu desde os mais vulneráveis para os menos vulneráveis. E isso foi muito inteligente. Como em todos os lugares do mundo, aqui também enfrentamos o desafio da execução para chegar aos mais vulneráveis. E o Brasil fez em um mês, 40 milhões de novos cadastros de pessoas que não tinham nem conta corrente. É mais que a população de muitos países. Minha nota é muito boa neste aspecto.
E como será o processo de retomada das atividades da economia? Qual será o impacto sobre o PIB?
Talvez porque o Brasil não tenha realizado uma quarentena tão aguda, o religamento da economia tem sido mais gradual do que poderia ser. Mas já começou. O FMI chegou a projetar uma queda de 9% do PIB neste ano. Foi um enorme exagero. Nossa projeção é de algo próximo de 5% negativos. Chegamos a projetar uma queda de 6%, mas agora já revisamos. Está certo, o país iria crescer 2% e agora vai cair 5%, é muita coisa, mas podia ser bem pior. Não será a catástrofe que se imaginava.
Como foi o impacto sobre a Bolsa e sua recuperação?
Quando falamos do mercado de capitais houve um impacto muito forte, principalmente no início. Isso foi realmente algo que nunca se viu. Mas já houve uma recuperação bastante relevante. O Brasil teve uma recuperação menor que a média do mundo, mas todos estão recuperando. A Bolsa está perto dos 100 mil pontos, está em 96 mil pontos, que já é bastante. Caiu perto dos 60 mil pontos.
A recuperação da Bolsa doméstica está sendo exagerada, ou seja, está ocorrendo um descolamento muito grande em relação à economia real?
Não acho que o retorno está sendo exagerado. Na verdade, a queda é que foi exagerada. Como expliquei, a percepção foi pior que a própria realidade, então as pessoas ficaram com mais receio que deveriam. E agora a recuperação tem razão de ser. Primeiro porque quando você olha um ativo, está pensando em um fluxo futuro de caixa. E quando já está religando as economias, o que acaba acontecendo é que o preço dos ativos de hoje reflete o fluxo de caixa futuro.
Quais os principais riscos e desafios para o futuro?
Primeiro, toda essa ajuda emergencial, se continuar emergencial, ficará tudo certo. Mas se ela se tornar permanente, daí teremos problemas, porque aumentaremos muito o endividamento. Houve muito receio disso, mas acho que não será o caso. Parece que esse risco está em grande medida afastado. O outro risco é, depois de passar todo o processo da pandemia, se o processo de consolidação fiscal e redução de déficit, voltará a caminhar. O Brasil não tinha terminado o trabalho e agora estamos com uma agenda maior.
E o mercado de capitais, como se comportou nesse cenário?
O mercado de capitais se comportou de maneira absolutamente surpreendente, muito positivamente durante esse processo. O aumento de novos CPFs na Bolsa, em 2020, está chegando a 500 mil pessoas. Todas as outras vezes que a Bolsa caiu no Brasil, tinha uma corrida para fora das ações por parte das pessoas físicas. Dessa vez, aconteceu o contrário. Isso mostra uma maturidade muito grande do investidor. Até por isso, tivemos uma boa recuperação dos ativos e o mercado está começando a reabrir.
Como será o comportamento das empresas em relação ao mercado de capitais?
Algumas emissões de dívidas já aconteceram. Outras emissões de ações estão para acontecer. Então, o mercado de capitais, por causa dos juros mais baixos, ele se mostrou nesta pandemia que é um instrumento muito importante para a recuperação do crescimento. Tem vários IPOs no pipeline. É só conversar com os bancos de investimentos, que estão preparando novos IPOs. O papel do mercado de capitais foi e será muito importante. É importante ressaltar isso, o comportamento virtuoso do mercado de capitais. Realmente é um momento novo e muito positivo.
Como está sendo a gestão da Mauá durante a pandemia?
Temos fundos multimercados, de ações, de crédito e imobiliários. Somos uma casa com múltiplos produtos. Cada caso teve um comportamento diferente. No caso dos fundos imobiliários, por exemplo, temos um fundo que teve volume de caixa razoável quando ocorreu a queda dos preços dos ativos. então aproveitamos isso para aumentar a carteira imobiliária do próprio fundo. Compramos cotas de outros fundos imobiliários, que ficaram muito descontados. Agora já voltaram bem.
E os fundos de renda variável?
No caso de ações, tínhamos muitas empresas que foram muito afetadas pela pandemia. Nós demos um choque grande em nossa carteira, como se as empresas ficassem paradas por quatro, oito ou doze meses, e fizemos uma troca relevante de nomes de empresas das mais afetadas pelas menos afetadas. Fizemos um pouco mais de aplicações do que saques. Não tivemos muitos saques.
E os multimercados?
No caso dos multimercados, logo no início, vimos que a história da pandemia era mais séria. E cortamos o risco muito rápido e ficamos basicamente, quase todo o período, com o botão da relação de capital ligado. Mais recentemente, nesse último mês, tomamos um pouco mais de risco em ativos que achamos que estavam muito assimétricos. E no caso dos fundos de crédito, mantivemos uma carteira muito conservadora e com bastante caixa.