Entrevista Marta Viegas: Governança evolui no Brasil, mas ainda há inúmeros desafios para gerar maior segurança
A governança corporativa das empresas brasileiras apresentou grandes avanços nos últimos anos. Porém, o mercado de capitais no Brasil ainda enfrenta inúmeras dificuldades e desafios que devem ser superados para alcançar um ambiente seguro e confiável aos investidores. Essa visão de Marta Viegas, chefe da área de governança corporativa do BID Invest, órgão do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) responsável pela realização de investimentos de impacto.
Advogada com longa trajetória nos mercados doméstico e internacional, tendo participado do Conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a especialista mostra que as empresas brasileiras precisam avançar mais em termos de boas práticas e de formação de Conselhos com maior diversidade. “Não houve grandes avanços, mesmo com a pressão de investidores institucionais, mesmo com as extensas discussões sobre o tema e um projeto de lei de cotas em trâmite no Congresso”, diz em trecho da entrevista.
Marta avalia o aprendizado e as mudanças com a pandemia, além de questões como Diversidade e a ascensão do ESG. Confira a entrevista a seguir na íntegra:
Como você avalia a evolução da governança corporativa nas empresas brasileiras?
Houve avanços importantes nos últimos anos, dentre os quais a adoção do Código Brasileiro de Governança Corporativa para companhias abertas e a revisão das regras para os segmentos de listagem da B3. Mais do que regras e normas, entretanto, creio que o principal avanço foi a disseminação de conhecimento realizado no mercado brasileiro, fruto do bom trabalho de organizações como a Amec e IBGC, dentre outros. A crítica que devemos fazer é em relação a temas sensíveis que são recorrentes no mercado brasileiro, agravados pela insegurança no sistema jurídico na sua capacidade de oferecer soluções tempestivas e eficazes, o chamado enforcement. Conflitos de interesses em transações com partes relacionadas, por exemplo, é tema recorrente no mercado de capitais brasileiro.
Poderia comentar um pouco mais sobre esses problemas?
A aderência às políticas formais sobre transação com partes relacionadas foi uma das recomendações menos adotadas nas empresas, de acordo com a recente pesquisa do IBGC sobre a adoção de práticas do Código Brasileiro de Governança Corporativa para Companhias Abertas, com apenas 28,6% de aderência. Isso precisa mudar e deve ser tratado com maior rigor para reduzir frustrações e aumentar a confiança no mercado. Apenas 16,1% das companhias aderem à prática de indicação de pelo menos metade dos conselheiros externos e um mínimo de um terço de membros independentes recomendada pelo Código. Apenas 23,1% adotam as práticas recomendadas aos Comitês de Auditoria, que incluem orçamento próprio, maioria e coordenação por independentes e experiência nas áreas contábil, financeira e de auditoria.
E quais seriam os principais riscos enfrentados pelo investidor em empresas brasileiras?
O mercado brasileiro tem características estruturais complexas que costumam gerar insegurança ao investidor, de forma geral, por causa da ausência de um sistema real de pesos e contrapesos nas empresas, que funcione balanceando os conflitos entre acionistas controladores e minoritários. Um bom conselho de administração, com uma maioria de conselheiros externos e um número adequado de independentes, realmente independentes, com um comitê de auditoria e reporte direto de um bom ambiente de controles, incluindo gestão de riscos, compliance e auditoria interna, poderia dar segurança. No entanto, as práticas que sofrem maior resistência na implementação são justamente essas e exemplos de casos controversos no mercado não ajudam a criar a confiança adequada.
Poderia comentar a evolução dos conselhos das empresas em um cenário de pandemia? Quais foram os avanços e desafios do último ano?
A pandemia exigiu muito dos Conselhos, que tiveram que repensar estratégia, reforçar o caixa, reposicionar a empresa, preservar a cultura e proteger a reputação, em um ambiente virtual e em constante mudança. Em muitos casos, a quantidade de interações do Conselho com a Diretoria aumentou, também aumentando a necessidade de definir responsabilidades e formas de atuação para que a empresa pudesse agir rapidamente em ambiente incerto. Creio que os Conselhos evoluíram. Acho que as ferramentas virtuais ajudaram e muito, tornando reuniões mais eficientes e o material mais acessível. Não vejo por que algumas reuniões de Conselho não possam ser feitas de maneira virtual também no futuro, assim reduzindo custos e aumentando a diversidade dos conselhos.
Como avalia a evolução na formação dos Conselhos das companhias em termos de diversidade?
Acho que o Brasil ainda precisa evoluir muito em termos de diversidade em conselhos. Quando falamos em diversidade de gênero, o percentual está estacionado há alguns anos: mulheres representam aproximadamente 8% dos cargos em Conselhos de companhias abertas no Brasil. Não houve grandes avanços, mesmo com a pressão de investidores institucionais, mesmo com as extensas discussões sobre o tema e um projeto de lei de cotas em trâmite no Congresso. Se estendermos o tema diversidade para além do tema gênero, o retrato não será diferente. Diversidade em conselho não tem nada a ver com ser politicamente correto. Significa melhorar o processo de tomada de decisões na empresa, buscando maior resultado no longo prazo.
Como reverter esse quadro?
Os investidores institucionais estão cada vez mais atentos à composição e formação do conselho. No BID Invest, fazemos nossa parte e questionamos a usual falta de diversidade. Não faz muito sentido no mundo de hoje a empresa não ter um conselho que seja minimamente representativo do mercado que ela atende.
Poderia comentar a atuação do BID Invest nas questões ESG dos mercados de capitais?
O BID Invest é um investidor de impacto e faz análise ESG individualizada em cada transação que aprova. Mas a análise individualizada não é possível para todos os investidores e as alternativas existentes no mercado deixam a desejar. Como alternativas, investidores costumam contar com relatórios de sustentabilidade ou ESG Ratings. Os relatórios de sustentabilidade, apesar de terem se sofisticado nos últimos anos, são considerados pouco confiáveis na medida em que não existe um padrão comum e as empresas somente divulgam o que querem divulgar. Em relação a ESG Ratings, ainda há muito o que evoluir, não há um padrão homogêneos e as ferramentas são usualmente uma justaposição de critérios “E”, “S” e “G” isolados, mais do que uma análise holística que busca identificar a cultura da empresa, com critérios “G” servindo como base e fundamentando a orientação de longo prazo das políticas “E” e “S”.
E de maneira geral, como avalia a postura dos executivos e dos gestores de recursos nesse contexto?
Interessante mencionar o McKinsey Global Survey sobre programas ESG, que reflete um aumento significativo no entendimento de executivos C-Level e profissionais de investimentos em temas ESG nos últimos 10 anos, de 2009 a 2019, e ainda a expectativa de que temas ESG contribuirão mais valor a acionistas nos próximos 5 anos do que atualmente. No estudo, o aspecto social foi o que mais subiu na percepção de relevância, mesmo antes da pandemia. A atenção aos temas ESG, com uma mentalidade que priorize pessoas e valorize a transparência na tomada de decisões, ajudará na retomada e na capacidade da empresa em manter sua reputação no mercado.