Entrevista Will Landers: Bolsa brasileira terá forte recuperação já no segundo semestre de 2020
Um dos gestores brasileiros com maior experiência internacional, Will Landers, que é membro Conselho Consultivo da Amec, analisa os impactos da crise provocada pela pandemia de COVID-19 sobre o mercado brasileiro em entrevista para o Panorama. Depois de 17 anos como gestor da equipe da maior asset global, a BlackRock, ele decidiu ingressar no time da asset do BTG Pactual em março do ano passado para comandar a equipe de equities para a América Latina.
Apesar do forte impacto negativo sobre a Bolsa doméstica e do aumento da aversão do investidor estrangeiro, Landers demonstra otimismo com o ritmo de recuperação do mercado de ações no Brasil, com uma forte retomada já no segundo semestre de 2020. Nesta entrevista, o gestor analisa ainda a utilização dos critérios ESG no processo decisório de investimentos e como a chegada de Eduardo Guardia para a asset do BTG reforça a importância das questões ambientais, sociais e de governança. Confira a entrevista a seguir na íntegra:
Panorama Amec – Como você avalia a evolução da utilização dos princípios ESG nas análises de investimentos das assets?
Will Landers – Para todos nós que somos investidores fundamentalistas, sempre teve uma parte da análise voltada para os critérios ESG, mesmo quando ainda não eram denominados dessa maneira. Já tentávamos entender as práticas das companhias, talvez não tão a fundo quanto agora, que há um movimento mais forte. Mas sempre fez parte de nosso trabalho. A parte de governança, que é até uma das razões pela qual a Amec foi criada, existe justamente para melhorar e aprimorar as companhias, em prol de todos os acionistas, não apenas do majoritário. Então essas práticas foram ficando bem mais claras e ao longo dos últimos se somaram à parte ambiental e social.
PA – O que falta para avançar um pouco mais nesta direção?
WL – Acho que hoje ainda falta para o mercado um maior entendimento de quais são as melhores práticas, qual a melhor maneira para mensurar quem tem um processo melhor ou pior. Mesmo entre companhias de rating, cada uma atribui notas para critérios ESG à sua maneira. ESG é um tema que veio para ficar e aquelas companhias que ignorarem isso, assim como aquelas que ignoraram os critérios de governança, irão sofrer com a perda de potenciais investidores e, por isso, terão um valor de mercado abaixo do potencial.
PA – Qual é a diferença no tratamento dos princípios ESG em uma das maiores casas globais onde você atuou nos últimos anos e agora no BTG Pactual?
WL – Sem dúvida, a BlackRock é a líder mundial como asset e nesta posição de destaque, assumiu a liderança nas iniciativas de sustentabilidade, quase por necessidade. Como uma das maiores assets do mundo, mantém posições em número cada vez maior de companhias. Então era necessário tomar uma posição e defender os direitos de todos os acionistas. Então a asset criou o comitê de sustentabilidade, que continua ganhando importância e sendo muito ativo. Quando olhamos para o BTG Asset, mantemos o foco na América Latina e, evidentemente, não temos o mesmo tamanho da Blackrock. Mas dentro de nosso mundo, também somos muito ativos com as companhias, com o engajamento. E com a chegada do Eduardo Guardia como CEO do Asset, esse foco aumentou ainda mais o nosso posicionamento no tema.
PA – Como analisa a postura do investidor estrangeiro em relação ao Brasil? Ele demonstra maior aversão ao país neste momento?
WL – A cobertura da imprensa internacional sobre o Brasil não tem sido muito propícia para atrair o investidor. Primeiro, ocorreu todo o evento da Amazônia. A maneira como o Brasil foi percebido nesta questão, houve toda uma questão de comunicação falha para mostrar as ações positivas que se vem fazendo ao longo de muitos anos para controlar o problema. Pois é uma dificuldade enfrentada há décadas e não apenas do governo atual. Mas de fato, a imprensa pegou pesado e a reação de algumas partes do governo foi infeliz. E acho que nossa atuação com a pandemia está sendo questionada novamente pela imprensa mundial. De novo, é uma falha de comunicação.
PA – Por que acredita que é uma falha de comunicação? Os problemas não são tão sérios quanto se notícia?
WL – O Brasil tem um sistema parecido com EUA, onde os governos locais com governadores e prefeitos têm atuação muito importante, com poder de decisão do que fazer em suas regiões. Então, a visão predominante aqui fora, de que o Brasil estava totalmente aberto, sem lockdown, sem nada, isso não é a realidade. Além disso contar com uma crise política no meio da crise sanitária, realmente não ajuda para que o investidor estrangeiro tenha confiança de investir no Brasil atualmente. A verdade é que o Brasil tem os níveis de mortalidade, uso de respiradores, camas de UTI, muito parecidos com os de outros países.
PA – Como avalia o impacto da crise financeira decorrente da pandemia no Brasil? e como tem sido a recuperação?
WL – O dólar foi quase a R$ 6 e agora já recuou. Teve um prêmio a mais por causa da crise política, sem dúvida. O peso mexicano também voltou para menos de 22 por dólar; o peso chileno abaixo de 800. São movimentos globais e ficamos muito focados que o Brasil isso ou aquilo. É certo que o Brasil teve a pior performance de Bolsa em dólar no ano, por causa da crise e em termos de moeda. Então, tivemos um prêmio a mais por causa das crises adicionais criadas, que no meu ponto de vista, eram desnecessárias. Mas outros países também sofreram bastante como nós. Os investidores locais continuaram alocados na Bolsa brasileira. Não só o investidor institucional, mas também o varejo, que era mais preocupante, porque começou a investir em Bolsa a menos tempo.
PA – Você percebe uma maior maturidade do investidor pessoas física local?
WL – Sim, é positiva. Verificamos até novas entradas através das plataformas digitais, como a da XP e outras. O número de CPFs na Bolsa continuou aumentando mesmo na crise. Isso é reflexo de um país que mantém os juros bem baixos com 3% e segundo as projeções, pode atingir até 2,25%. E quando o Banco Central voltar a aumentar os juros, não será muito alto, deve ir para algo em torno de 4% ou 5%. Por isso, com a normalização das taxas de juros com o resto do mundo, isso também normaliza a alocação em ativos de risco como em outros países.
PA – Como vocês reagiram à crise em relação às carteiras?
WL – Em março não sabíamos bem no que daria a pandemia. E ainda não sabemos muito bem. Mas tínhamos reduzido nossa exposição ao Brasil, ficamos praticamente neutros. Nós tínhamos terminado 2019 com exposição com cerca de 10% acima do índice, com a expectativa que o Brasil seria outlier, pois apresentaria recuperação em um mundo que estaria desacelerando. Agora acho que temos de passar por essa fase de Coronavírus, que mudou a realidade no mundo todo. Mas quando vemos a recuperação da China e o que estamos começando a ver nos Estados Unidos e em outras economias, acreditamos que no Brasil não será diferente.
PA – Quando prevê uma recuperação mais consistente da Bolsa doméstica?
WL – Acredito que teremos uma recuperação forte de Bolsa já no segundo semestre de 2020. E em 2021 será bem melhor. Não acredito que os resultados das companhias como um todo em 2021 irão voltar ao nível de 2019, mas terão um crescimento expressivo em comparação com os resultados anêmicos deste ano. Então, com a volta da discussão das reformas, esse sentimento positivo do mercado local pode voltar a atrair um pouco desse estrangeiro, que verá o Brasil como um país com forte potencial de recuperação. O país já não vinha crescendo faz tempo, esse crescimento reprimido é muito grande no Brasil.
PA – Quais os elementos que te levar a uma previsão mais otimista de recuperação para o Brasil?
WL – Teremos um ambiente em que pressões inflacionárias não irão existir. Com o Real mais desvalorizado, aumenta a competitividade do Brasil. Um pouco de ajuda nas reformas para terminar de equalizar esse custo Brasil, que sempre foi muito caro, estou me referindo mais à parte tributária, aí sim poderemos participar mais desse mundo, que será menos globalizado, e mais regionalizado. E o Brasil tende a ter uma associação natural muito forte com Estados Unidos, pelo fato de estar nas Américas, mas também como provedor agrícola, de minério e de petróleo com a China. Se fizermos bem o meio de campo, poderemos participar dos dois lados.
PA – E quais são as empresas ou setores com melhores perspectivas?
WL – Acho que são aquelas mais proativas em abraçar a tecnologia, com uma visão de e-commerce mais bem definida. Ou aquelas, que apesar não terem esse lado natural de e-commerce, estão usando isso para melhorar sua eficiência e o potencial de lucratividade. Aquelas que continuam em processo de forte de readequação dos custos à nova realidade. Temos um segundo impacto importante que foi a queda do preço do petróleo, que já tinha reduzido com a queda da demanda, e depois veio esse-cisne negro da Arábia Saudita. Então, haverá oportunidades para as empresas ajustaram os custos.
PA – E quais as empresas e setores com perspectivas mais negativas?
WL – Acho que na parte de varejo e comércio, temos de tomar cuidado ainda, porque não sabemos exatamente como será o comportamento do consumidor no mundo pós-COVID. De repente, será menos presencial e muito mais e-commerce. Então, os shoppings terão de se reinventar de novo, pois já tinham se reinventado, com menos lojas e mais serviços, com mais restaurantes e mais cinemas. Mas temos de ver como será a reação das pessoas depois disso. Temos visto na China que um dos setores que não se recuperou ainda é o de cinemas. Porque ninguém quer ficar dentro de uma sala escura por 2 horas. Temos de ser cuidadosos com toda essa parte de transportes, turismo e hotéis porque, de novo, como será a disposição das pessoas voltarem a viajar, com qual frequência.
PA – Os deslocamentos devem mudar bastante, não é mesmo?
WL – Temos de avaliar até a necessidade das viagens, porque estamos utilizando o dia inteiro o zoom call, o webex, e outros, que estão mostrando que funcionam e atendem bem. Nada vai tirar o lugar de uma reunião presencial de vez em quando, mas talvez não precise ser tão frequente quanto antes. Tem de ver o que isso irá representar para locadora de carros, para a aviação, que terão de se reinventar também.
PA – Como analisa os dados que saíram nos últimos dias de aumento recorde da poupança nos EUA, Europa e no Brasil? Nunca se poupou tanto e em tão pouco tempo. Pode apontar para uma redução do consumo?
WL – As pessoas estão sendo mais racionais. Se você não perdeu seu emprego, certamente conhece muita gente que perdeu. E tem muita gente que continua empregado, mas estão ganhando menos. Para quem depende de bônus ou comissão, muitos foram cortados. Todo mundo está sofrendo com isso, com medo. E outra coisa é que nesse momento, estamos dentro de casa e acabamos gastando menos dinheiro com consumo. É interessante verificar o aumento da poupança, mas acho que será momentâneo. Não acho que será uma tendência de longo prazo. Isso é incerto quanto tempo vai demorar.
PA – Você não acredita que as pessoas serão mais previdentes, ou seja, que poderão ingressar nos planos de previdência em maior número?
WL – É possível, e se houver mais planos de previdência no futuro, isso será bom para a Bolsa, porque esses planos dependem de investimentos de médio e longo prazo. Não são investimentos de curto prazo. Com os juros em 3%, indo para 2%, a Bolsa terá de ser uma parte maior desses fundos de previdência e qualquer tipo de fundo. Isso impulsionará a Bolsa.
PA – O que você ressalta da reação do Banco Central e do governo brasileiro?
WL – Foi a primeira crise que o Brasil pôde abaixar juros. Toda as crises no passado, tínhamos de correr para aumentar os juros. Isso mostra que as reformas tiveram impacto positivo. Permitiram que o Banco Central tomasse os estímulos fiscais e monetários para tentar minimizar o impacto econômico, que será um impacto forte para todo o mundo. Mantendo o foco que esses gastos serão temporários, o Brasil estará bem posicionado para voltar ao que era há 3 ou 4 meses atrás, quando o país estava no caminho certo para retomar sua posição para os investidores globais. Tem de ficar de olho nesses gastos, para não virarem recorrentes, senão teremos problemas. Mas fora isso, estaremos bem posicionados para a retomada.