Fundos de pensão aperfeiçoam governança junto com a diversificação dos ativos

Grandes mudanças estão impactando a gestão dos recursos dos fundos de pensão no Brasil nos últimos anos, sobretudo os patamares de juros que impulsionaram um processo de diversificação das carteiras como nunca antes visto. Com longa experiência como gestor de recursos (Icatu Hartford, ABN Amro Real e Haitong) e como diretor de fundo de pensão, Paulo César Werneck analisa a evolução da governança e das políticas de investimentos no setor. Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, o ex-Diretor de Investimentos da Funcef (2016 a 2020) explica o desenvolvimento do processo de diversificação dos ativos que, mesmo com o novo ciclo de alta da Selic, não deve ser revertido.

Atualmente na posição de Diretor Executivo do BTG Pactual Asset Management, Paulo Werneck acredita que o processo de diversificação dos ativos, com a introdução de novas variáveis, como os investimentos no exterior, requer uma gestão cada vez mais profissionalizada, com maior uso da tecnologia pelas fundações. Além da diversificação, outro elemento que se estabelece é a utilização dos critérios ESG (ambientais, sociais e de governança) pelos fundos de pensão e assets. Confira a seguir a entrevista na íntegra:

Mr. Paulo César Werneck
Paulo César Werneck, da BTG Pactual. Foto: Divulgação.

Como avaliar o cenário atual de investimentos para investidores institucionais, em especial os fundos de pensão?

Olhando o passado não muito distante, os fundos de pensão vinham se beneficiando dos retornos dos juros dos títulos públicos que, no Brasil, eram excessivamente altos até pouco tempo atrás. Com um passivo bem complexo em uma das pontas, dos planos de benefício definido, e ativo bem suculento na outra ponta, tínhamos uma equação simples. Bastava casar o fluxo de caixa com investimentos nos títulos públicos. À medida que os juros foram se reduzindo nos últimos anos, houve a necessidade de maior diversificação.

E como isso foi mudando a partir da redução mais consistente dos juros?

Se olharmos há 10 ou 15 anos, tínhamos uma participação bastante tímida das ações no patrimônio dos fundos de pensão. Na maioria das vezes, era algo muito reduzido. Tudo estava praticamente concentrado em juros, renda fixa e títulos públicos com vencimento na curva. A partir do momento que tivemos a redução dos juros para a casa de um dígito, surgiu a necessidade de diversificação. Todos os manuais de gestão de recursos sempre apontaram a necessidade de diversificação, mas os juros eram tão altos que chegava a ser um desaforo não manter a concentração em títulos públicos. Mas claro que era um ALM [asset liability management] “capenga”.

Como tem sido o processo de aumento da exposição ao risco das carteiras?

Quando os juros caem, é necessário aumentar o risco. E isso é compreensível, porque nos países desenvolvidos, as carteiras dos fundos sempre tiveram uma participação pequena em renda fixa e outra parte aplicada em ações e ativos alternativos com participação mais expressiva, dependendo do apetite do gestor. No Brasil, a partir do momento que se estabeleceu um novo cenário, foi preciso mudar a alocação de risco na ponta do ativo. E daí aumentou a demanda por ativos de risco. Ao mesmo tempo, o mercado de capitais brasileiro cresceu bastante e passou a oferecer também um leque mais variado de opções.

Poderia detalhar sua visão sobre o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil?

Com a ampliação dos IPOs, com o trabalho da B3, o mercado de capitais começou a ganhar relevância para o crescimento da economia, como já ocorria normalmente em outros países mais desenvolvidos, nas economias mais sólidas. A demanda por investimentos alternativos foi um processo de aprendizado para todos. A tese desse tipo de investimento é muito interessante. É uma tese baseada no desenvolvimento de empresas, com retornos mais altos, no momento de saída do investimento. Mas para isso é necessário contar com um mercado de capitais mais pujante, para conseguir, por exemplo, realizar um IPO ou a venda da participação.

Mas a primeira etapa de diversificação dos ativos dos fundos de pensão, antes da crise global de 2008, apresentou problemas, não é mesmo?

Teve muita coisa que deu certo, mas também muita coisa que deu errado. E aconteceu o bloqueio de alguns fundos de pensão a esse tipo de investimento. Com esse bloqueio, verificamos o lançamento de muitos fundos de private equity aqui no Brasil, mas com uma participação apenas de investidores estrangeiros que já conheciam a dinâmica desse tipo de ativo. E os investidores domésticos, que deveriam investir nesses ativos que se beneficiam do crescimento da economia, ficaram de fora. Houve uma combinação explosiva, o vento estava a favor. O mercado estava aprendendo como é que funcionava e de repente veio uma crise que jogou tudo por água abaixo.

Quais as recomendações para não repetir os erros anteriores?

Hoje novamente, quando vemos um ainda baixo nível de taxas de juros, você deve adicionar ativos de risco de maneira simétrica no balanceamento do portfólio. É preciso colocar um pouco de taxa de juros, um pouco de private equity, ações listadas e ações não listadas também. E quando houve a redução recente dos juros com um nível muito baixo, comparado aos patamares praticados no exterior, você teve de começar a olhar para fora na busca de retornos mais altos. E começamos a adicionar outra variável muito pouco explorada anteriormente no portfólio, que é a variável do câmbio.

A diversificação para o exterior requer um salto na gestão dos recursos das fundações, não é mesmo?

Você adiciona novas opções no exterior, mas também precisa lidar com as variações da moeda. Isso demanda maior capacidade de gestão e uso de tecnologia. Quando se olha, por exemplo, o pessoal dos fundos de pensão do Canadá, eles têm exposição em mercados como Brasil, Oriente Médio, na África, no mundo desenvolvido. Então, estamos entrando no mesmo estilo de gestão praticado no mundo inteiro. Isso tudo acontece a partir da retirada da taxa de juros muito alta que gerava uma distorção em nosso mercado. O mercado é eficiente nesse aspecto. Há produtos diversificados no exterior com custos eficientes. Você tem gestores internacionais já estabelecidos no Brasil, que já oferecem o ativo no exterior para gerar maior retorno para bater a meta atuarial.

O novo ciclo de alta da Selic verificado nos últimos meses não pode reverter esse processo de diversificação das carteiras?

Não acredito nisso, o novo cenário não chega a ameaçar o movimento de diversificação. Se compararmos o nível da taxa de juros atual, mesmo com o novo ciclo de alta, ainda é muito menor que o praticado no passado. E obviamente que os juros reais no Brasil, ainda mais na curva futura, serão pertinentes com o risco fiscal brasileiro. Ainda temos um longo caminho a percorrer em termos de reformas, de melhoria da situação do estado brasileiro. Porém, o processo de diversificação deve continuar.

Poderia comentar a evolução da governança dos fundos de pensão brasileiros nos últimos anos?

Hoje todo mundo entende que o risco é necessário, que é preciso correr para se atingir os objetivos. A forma que tem de ser selecionado, de forma transparente, com uma adequada mensuração, é que faz a diferença. Esse aumento de risco tem de acontecer de maneira simétrica. Não adianta ampliar o risco de maneira assimétrica, como ocorreu em alguns casos de fundos de pensão que enveredaram no passado pelo private equity, sem a devida mensuração de risco. Digo sempre que a parte mais importante da gestão de um fundo de pensão é a mensuração de seu passivo. Na parte dos ativos, o mercado é bem eficiente, até mesmo porque há diversos players que equilibram esse mercado. Em todo caso, acredito que houve um avanço muito grande nos últimos anos em termos de governança.

Quais os fatores que impulsionaram a melhoria da governança do setor?

Tivemos o avanço no trabalho dos consultores, dos gestores, de muita tecnologia que foi importada. A forma de gestão de governança avançou muito no setor. Hoje temos um corpo de técnicos muito bem preparados no órgão fiscalizador. Temos pessoas com conhecimento. Do ponto de vista de gestão dos planos, temos um processo muito mais elaborado, com mensuração do passivo, com compliance. O sistema financeiro brasileiro evoluiu como um todo nesse aspecto. Quando se avança com a incorporação de boas práticas de governança, fica mais difícil voltar para trás.

E a governança das empresas listadas na relação com os investidores?

Temos de nos acostumar cada vez mais com as boas práticas na prática de um processo decisório bem alinhado. A Amec tem um papel importante com a participação mais relevante dos investidores institucionais no mercado de capitais. Essa participação tem de ser cada vez mais transparente. Considerando o tamanho dos fundos de pensão, com seus passivos de longuíssimo prazo, a participação no mercado de capitais tende a ser cada vez mais relevante. Tivemos a evolução da governança das empresas listadas, da B3, tudo isso traz a necessidade de maior transparência. A Amec traz a necessidade de conscientização também do lado do investidor. Gostaria de ressaltar a importância do colegiado da Amec, que tem o papel de alertar para as práticas que possam gerar desequilíbrio para o sistema.

Qual sua avaliação sobre o fortalecimento das práticas ESG no mercado e nas políticas de investimentos das fundações?

O ESG representa a síntese desse processo de evolução. Não é uma questão de ganhar dinheiro por ganhar dinheiro. O importante é a forma de como se ganha. É a forma como se gera retorno para seu acionista. E consequentemente, beneficia o investidor, que é o acionista. As preocupações com o ambiental, com o social e com a governança, quando se coloca essas práticas nas empresas e nos investimentos, é um caminho sem volta. É uma nova conscientização da forma como os retornos são gerados. Porque ninguém aceita mais ganhar dinheiro no mercado de capitais com a exploração, por exemplo, do trabalho infantil, com devastação ambiental. É necessário seguir determinadas práticas para gerar os retornos. A Amec também tem um papel importante na disseminação das práticas ESG. A atuação deve não só proteger os direitos dos minoritários, mas também o impacto social dos negócios das empresas investidas.