Gestores e especialistas analisam distorções e potencialidades das Poison Pills no Brasil
De tempos em tempos, a utilização das Poison Pills no Brasil volta ao centro das atenções no mercado de capitais brasileiro. Sem se aprofundar em nenhuma empresa, pelo menos dois casos recentes movimentaram os debates em torno do tema. Um deles na BRF em meio ao conturbado processo de aumento de capital na companhia, e outro na rede de restaurantes IMC, em que o maior dos acionistas sugeriu retirar a cláusula com o objetivo de aumentar sua participação acionária.
No passado, distorções na aplicação das Poison Pills no Brasil acabaram predominando devido ao seu uso combinado com cláusulas pétreas para proteger acionistas controladores. “Desde que começaram a ser utilizadas no Brasil, a partir de 2004 ou 2005, as empresas não fizeram de maneira adequada. Geralmente eram utilizadas como cláusulas pétreas e os acionistas não tinham direito de alterá-la. A verdade é que controladores utilizavam tais cláusulas para manter a hegemonia, com uma espécie de engessamento”, diz Pedro Rudge, Presidente do Conselho Deliberativo da Amec e Sócio-Fundador da Leblon Equities.
O problema foi amenizado quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou entendimento a respeito da cláusula pétrea. A posição da autarquia foi publicada no Parecer de Orientação n. 36/2009, em que participaram de sua elaboração os ex-Diretores da CVM Otávio Yazbek (ler entrevista) e Marcos Pinto.
“O parecer de orientação da CVM visava separar o joio do trigo. O entendimento em si não dizia se as Poison Pills eram boas ou ruins, mas dizia que elas não podiam ser consideradas cláusulas pétreas. Com isso, resolveu-se a maioria dos problemas das Poison Pills inadequadas; aquelas que estivessem atrapalhando uma transação que de fato fosse boa para os acionistas”, diz Marcos Pinto, atualmente Sócio do Trindade Sociedade de Advogados. O advogado explica que considerá-la como cláusula pétrea representava um engessamento, que podia ajudar a administração a se perpetuar no controle da companhia. “Isso acabava petrificando em certa medida a administração da companhia”, comenta
Outro inconveniente da Poison Pill no mercado brasileiro foi o estabelecimento de preços de oferta estáticos no caso de acionamento do gatilho. “As empresas e o mercado passam por fases distintas. Em um determinado momento, o preço é adequado, mas em outro, por exemplo, de crise, o preço se mostra irreal. É um problema colocar um indicador estático de preço para a oferta.”, diz Pedro Rudge.
Walter Mendes, Diretor-Presidente da Vivest e membro do Conselho Deliberativo da Amec também aponta as distorções dessas cláusulas quando começaram a ser utilizadas no país. “Por exemplo, uma distorção que se criou aqui: essa oferta para o restante dos acionistas teria que ser feita por um preço determinado, com limites de preço muito acima do razoável. E algumas empresas ainda colocaram cláusulas pétreas, o que piorou a situação”, conta.
Ele aponta que muitas vezes, a Poison Pill era utilizada de forma enviesada como uma armadilha, que passou a ser muito mais um instrumento de defesa do ex-controlador, atual acionista de referência, do que a proteção para os acionistas minoritários. Porque eventualmente para os acionistas minoritários, vale a pena ter um outro controlador melhor, que tome uma posição importante na empresa.
Guilherme de Morais Vicente, Sócio da Onyx e Vice-Presidente da Amec, explica que o problema no uso das Poison Pills encontra-se nas empresas onde não existe um controle definido. Nessas companhias, os administradores ou acionistas de referência costumam utilizar esse tipo de cláusula para perpetuar suas posições ao longo do tempo. “Na legislação brasileira temos claro o rito para troca de controle, mas não temos claro a constituição do controle”, explica Guilherme. Devido a essa lacuna na legislação e na regulação, o uso das Poison Pills no Brasil se multiplicou de forma bastante heterogênea, porém, na maioria dos casos, sem o objetivo de proteger o acionista minoritário.
O gestor da Onyx defende que já passou da hora de contar com o surgimento de uma regulação específica voltada para o tema. “Precisamos contar com uma regulação que oriente as regras para a criação de controle nas companhias, para definir os tipos de OPA obrigatórios nesses casos”, comenta Guilherme.
A Bolsa, atual B3, tentou incorporar por duas vezes novas regras para o uso do instrumento em companhias listadas no Novo Mercado. “Seria uma forma de voltar ou estabelecer o conceito básico e adequado da Poison Pill como ele existe, por exemplo, na Inglaterra, na Europa de forma geral. Mas isso foi rejeitado pelas empresas, o que demonstra que não há tanto interesse em fazer uma cláusula mais genérica, que beneficie os acionistas minoritários”, comenta Walter Mendes. Ele acredita que a mudança, preferencialmente, deveria ser definida por autorregulação, mas como isso não tem sido possível no Brasil, resta partir para uma alteração legislativa de reforma da Lei das S/As.
Isso será cada vez mais necessário porque o número de corporations vem crescendo nos últimos anos no Brasil. “Acredito que alteração legislativa reconhecendo essa situação do mercado seria um ajuste, uma adequação interessante da lei. Vejo hoje que a única solução para isso seria a incorporação dessa obrigatoriedade à Lei das S/As e que a CVM atuasse de forma muito rígida para impedir as distorções das Poison Pills”, conta Walter.
O ex-Diretor da CVM Marcos Pinto não entende que as Poison Pills tenham uma finalidade negativa para a realidade do mercado brasileiro. “Podem ocorrer abusos e distorções, mas esse mecanismo tem também funções positivas, que merecem destaque. Numa companhia que não tenha um controlador definido, um competidor pode adquirir o controle da companhia mediante compras sucessivas na Bolsa, alterar radicalmente a situação da empresa, com interesses diferentes dos demais acionistas, sem realizar uma oferta destinada a todos os acionistas minoritários”, explica Marcos.
Ele comenta que na empresa onde não há Poison Pill, o potencial adquirente do controle pode não querer negociar com ninguém. “Ele vai ao mercado e leva o controle da companhia. Se tem essa cláusula, o potencial adquirente é obrigado a ligar para o board da companhia para negociar a compra do controle. E nessa negociação, o board pode extrair bastante valor para os acionistas”, diz Marcos.
O advogado admite, porém, que há casos em que as cláusulas podem ser abusivas, sendo utilizadas para distorcer suas funções. “Eram muito comuns as chamadas cláusulas pétreas, que impediam que as Poison Pills pudessem ser retiradas dos estatutos. Isso era muito ruim, porque podia limitar a realização de operações que os acionistas achassem boas. Um outro caso abusivo é quando a cláusula traz um gatilho muito baixo, impedindo que os acionistas tenham fatias relevantes”, comenta Marcos.
Ele defende que, apesar das distorções, não é adequado promover a regulação das Poison Pills. “Não precisa mais de regulação sobre esse assunto. A Poison Pill como cláusula pétrea é cada vez menos utilizada. Muitas foram retiradas dos estatutos das companhias. Essa questão deixou de ser um problema relevante no mercado. Os demais problemas devem ser enfrentados muito mais pelo próprio mercado do que pela regulação”, defende o ex-Diretor da CVM.
Os investidores ao comprarem ações de uma companhia que tenha um acionista de referência que está se protegendo por meio de uma Poison Pill, precisa precificá-las de maneira adequada. Marcos Pinto lembra que a reforma do Novo Mercado, que tinha a proposta de estabelecer uma OPA obrigatória por atingimento de participação relevante nas companhias, caso tivesse sido aprovada, as Poison Pills não seriam mais necessárias no Brasil. “Mas como a reforma não foi implementada, acho que as Poison Pills são importantes para garantir tratamento igualitário, para estabelecer uma negociação do adquirente com a companhia e, sobretudo, para evitar ofertas coercitivas”, diz Marcos.
Pedro Rudge, na mesma direção, defende que a Poison Pill deveria contar com diretrizes de autorregulação. “A solução mais interessante seria que a B3 incluísse no Novo Mercado, quase como se fosse um Tag Along por participação. Essa proposta deveria voltar a ser discutida”, comenta. Ele diz que é necessário criar ferramentas para proteger os acionistas. “Deveria haver regras e não preço estático. Também deveria ter um limite de referência para acionar o gatilho, que acho que deveria ser de 30% das ações”, defende. O tema, que segue no radar da Amec, ainda deve render muitas discussões antes de se transformar em alguma proposta de autorregulação, regulação da CVM ou até mesmo alteração da legislação.