Ibracon completa 50 anos em um cenário de mercado aquecido e ascensão do ESG
Em meio a uma onda de abertura de capital de empresas no mercado doméstico e em outras Bolsas internacionais, e da ascensão do ESG – ambiental, social e de governança – o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) tem desenvolvido uma série de iniciativas para auxiliar os auditores independentes a acompanharem os desafios do cenário atual. Em entrevista exclusiva ao Panorama Amec, o Presidente do Ibracon, Valdir Coscodai, que assumiu o comando da entidade no início deste ano, analisa as principais tendências mundiais que afetam a atividade da auditoria independente.
Em suas análises, o representante aborda as iniciativas do Ibracon na questão ESG, e que estão alinhadas com ações de entidades internacionais, como por exemplo o IFRS e o IFAC. Ambas as organizações publicaram documentos com reflexões e orientações no sentido de padronizar os critérios de informações para o reporte de informações ambientais, sociais e de governança. Em outro campo, Coscodai também analisa e mostra as ações do Ibracon para o fortalecimento da ética e da integridade no cenário pós Lava-Jato.
O Presidente da entidade destaca que o Ibracon está completando 50 anos de história no próximo mês de dezembro. A data será comemorada com a realização do congresso anual da entidade. Confira a entrevista na íntegra a seguir:
Qual sua visão sobre a recente onda de IPOs dentro do contexto de atuação do auditor independente no Brasil?
Vejo que o processo de abertura de capital das empresas não é exclusivo do Brasil. Há um grande movimento em outros países e forte atividade na Bolsa de Nova York. O papel do auditor é relevante porque garante credibilidade aos números que aparecem nas demonstrações, para que o investidor possa olhar se aquilo é consistente com o que foi observado nos prospectos. Começamos com o fornecimento de cartas conforto para os underwritings, em relação a temas relevantes dentro do prospecto.
Poderia detalhar essa análise do auditor no processo de IPO?
O auditor analisa como é a estrutura da empresa e se oferece informações consistentes. Analisa também se a estrutura da operação é de uma spac ou se é um projeto mais maduro. Se for um projeto mais maduro, então o auditor deve olhar a estrutura de governança, se é compatível com o de uma companhia listada, se existem controles internos, entre outros. É importante lembrar que é a B3 que tem o papel de aprovar o registro para o IPO. O trabalho do auditor começa antes disso, no sentido de mostrar para aquele que pretende fazer a oferta quais as estruturas de governança necessárias.
O tema ESG está presente no debate público em todo mundo e também entrou no radar das empresas de auditoria. Como o Ibracon tem tratado o assunto?
Sempre tivemos um grupo de trabalho no Ibracon que tratava dos aspectos sociais, por exemplo, sobre o balanço social e outras informações relacionadas. À medida que o tema ESG foi ganhando força, decidimos criar um grupo de especialistas para tratar do tema. Desta maneira, desde o início de 2021, o Ibracon se aparelhou no sentido de contar com pessoas que de fato consigam focar nos temas ambientais, sociais e de governança e que possam dar respostas mais robustas. Trouxemos especialistas de mercado com reconhecida experiência no ESG para acompanhar a evolução do tema.
E como você analisa toda essa evolução?
O tema ganhou grande relevância internacional e também aqui no Brasil. Temos dado o tratamento à altura. O clamor dos reguladores para que as informações sejam confiáveis é muito grande. Os reguladores estão cada vez mais atentos para inibir a prática de greenwashing. Temos acompanhado os desenvolvimentos internacionais do lado dos auditores e também do lado dos reguladores. Temos dedicado parte importante do trabalho ao tema, até porque existe uma demanda grande para os temas sociais e ambientais. Os dados precisam ser confiáveis e comparáveis e, com isso, possibilitar que haja um desenvolvimento sustentável das organizações.
E já vemos movimentações globais de auditores em busca de comparabilidade, não é mesmo?
Houve a declaração da fundação IFRS [International Financial Reports Standards], que está provocando uma importante movimentação no mercado. A declaração tratou da necessidade de uma padronização internacional nas informações ESG e como deverá acontecer. E então, foram indicados alguns caminhos e prioridades. Foi um trabalho bem interessante. E daí agregaram o apoio da IOSCO, da IFAC [International Federation of Accountants], para desenvolver esse tema. Temos acompanhado todos os desdobramentos disso.
Em outro ângulo, colocando em perspectiva acontecimentos em empresas brasileiras relacionadas a ética e integridade, como o Ibracon tratou esses assuntos?
Comecei a trabalhar sobre o tema antes de assumir a presidência do Ibracon, quando ainda era diretor técnico. O tema ganhou uma repercussão enorme no contexto dos últimos anos, sobretudo após o advento da Lava-Jato. Começamos a desenvolver um trabalho para mostrar que não há um único responsável para fazer as coisas da maneira correta. De maneira didática, procuramos mostrar que há uma série de pilares para que as atitudes tenham integridade. Quando existem alegações que foram realizadas ações não corretas, as organizações precisam responder aos questionamentos, deve haver inclusive uma responsabilidade estatutária para dar respostas.
E como o assunto integridade foi levado para os auditores?
Fizemos um documento para explicar o papel do auditor em relação a tais práticas. Fizemos um trabalho sobre o processo chamado de “know your client”, que o auditor tem de verificar, conhecer a entidade que está prestando serviços. Existe uma obrigação legal definida pelo COAF e pela regulação, que indica que o auditor deve estar atento às informações públicas, à mídia e tudo mais para prestar serviços para determinada organização. Fizemos um compêndio de orientações de melhores práticas que transformamos em um documento para prevenir fraudes e não-conformidade em relação às leis e regulamentos. Foi um ano de trabalho e pesquisas para levantar o que estava acontecendo em países como Itália, França, Inglaterra e Estados Unidos. Fizemos reuniões com especialistas desses países. Percebemos, por exemplo, que a legislação do Reino Unido é fantástica. Levantamos muitas informações da prática desses países, comparamos com a regulação daqui, no Banco Central, CVM, Susep, Previc, ANS. Levantamos tudo que era relacionado com o papel do auditor, quando se depara com esses atos referentes a esses reguladores.
Qual foi o resultado final?
Produzimos um paper de umas trinta páginas. Antes mesmo de colocar em audiência pública, passamos para a apreciação do Banco Central, para perguntar se estava alinhado com a regulação vigente para as instituições financeiras. Fizemos a mesma coisa com os demais reguladores, incluímos diversas sugestões deles, e então colocamos em audiência pública, via Conselho Federal de Contabilidade. Foram mais seis meses de trabalho, para realizar a audiência pública e finalizar o documento. E daí ficou pronto, para mostrar que reguladores, entidades, auditores, todos têm um papel a ser cumprido em relação à ética e integridade. Ninguém pode se esquivar desse tema. Esse comunicado técnico foi publicado no último dia 1 de julho.
E mirando os investidores, poderia comentar a atuação do Ibracon no aperfeiçoamento do reporte das empresas voltado para esse público?
Tivemos um choque com a chegada das orientações do IFRS. As demonstrações financeiras que eram de 15 páginas saltaram para mais de 100 páginas. E houve um efeito inverso posterior. Percebeu-se que o excesso de informações serve para desinformar também. Com uma enxurrada de informações não é possível focar naquilo que é mais importante. A regra de disclosure para focar naquilo que seja mais relevante, mais informativo, é algo muito importante. Então, procuramos trabalhar para contar com informação na medida, daquilo que seja relevante.
Poderia citar alguns temas comuns das agendas do Ibracon e da Amec?
Os temas de aperfeiçoamento da governança corporativa são relevantes para o Ibracon. Apoiamos os avanços para o melhor funcionamento dos órgãos de governança das empresas, da relação entre o conselho e a administração. Também acompanhamos de perto tudo que se refere ao aperfeiçoamento das regras de disclosure. São temas de agenda comum entre Amec e Ibracon. Os investidores devem estar atentos para mudanças nas regras que irão transformar a forma das demonstrações financeiras. As demonstrações de resultados, por exemplo, irão mudar, com uma nova forma de apresentação.