Milhões de novos CPFs na Bolsa, juros baixos e o ESG ditam pautas para o futuro do mercado de capitais

O ambiente de juros baixos no Brasil e em mercados globais, a entrada de milhões de investidores pessoa física na Bolsa e a forte ascensão do ESG (ambiental, social e governança) são os principais fatores que explicam a transformação em curso no mercado de capitais brasileiro. Junto aos avanços da tecnologia e novas ferramentas digitais, esses temas deverão pautar as discussões nos próximos anos, de acordo com as apresentações e debates do encerramento do evento “A Retomada da Economia e o Papel do Mercado de Capitais”.

Os temas foram apresentados no painel “O Futuro do Mercado de Capitais”, realizado no último dia do seminário promovido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pela Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) e pelo CFA Institute, através de plataforma eletrônica 100% digital.

Roberto Teixeira da Costa, ex-Presidente da CVM, introduziu os temas e moderou o painel, destacando a redução da taxa de juros alcançada graças ao controle da inflação. O ambiente de juros muito reduzidos promoveu a ampliação das alocações dos investidores institucionais na renda variável, além de uma enxurrada de novos CPFs na Bolsa. Para ele, o que mais interessa na bonança do mercado é a capitalização de recursos para empresas.

Painel de encerramento do evento.

“Estamos batendo um número próximo do recorde em emissão de capital, de IPOs. As empresas estão usando o mercado de capitais para crescer, capitalizar, gerar emprego e renda, e esse é um fato extremamente positivo”, disse Teixeira da Costa, adotando uma postura otimista.

Marcelo Barbosa, da CVM.

O primeiro expositor do painel foi Marcelo Barbosa, Presidente da CVM, que também destacou o expressivo aumento nos números de pessoas físicas na Bolsa. “Isso já está exercendo uma força sobre o regulador e demais agentes de mercado. Esse número mais do que quintuplicou nos últimos 3 anos. Esses entrantes precisam ter informação para entender, processar e reagir aos mercados, fazendo bom uso das medidas de proteção. Os próprios emissores devem refletir sobre como se comunicar com essa nova base de acionistas”.

Ele citou ainda que no início de 2020, havia uma preocupação com a fila de ofertas públicas iniciais (IPOs) que se anunciava e o advento da pandemia. Houve o receio de que o mercado fosse duramente afetado por uma queda brusca no número de ofertas. “Agora estamos vendo que as ofertas voltaram com tudo. E quem são os acionistas dessas novas companhias? O número de investidores brasileiros foi muito superior ao de estrangeiros. Isso manda uma mensagem sobre a maneira como o regulador deve se comportar, mas também os emissores e prestadores de serviço”.

Um segundo destaque levantado pelo Presidente da CVM foi o da educação financeira. “É evidente, num país como o Brasil, como uma economia emergente, que a educação financeira é muito importante. Ela significa orientação e proteção, e isso deve avançar especialmente com o crescimento do número de investidores pessoas físicas no Brasil”, comentou Barbosa.

Outro ponto relacionado ao futuro do mercado diz respeito aos impactos da tecnologia na forma que o mercado de capitais se molda. “A nós cabe a obrigação de tentar acompanhar esse fenômeno e reagir bem à tecnologia, que traz uma série de vantagens inclusive para a nossa maneira de funcionar”, disse.

Sustentabilidade

A temática ESG foi o último tópico apresentado pelo Presidente da CVM como central nas discussões do futuro do mercado. “É um tema urgente, mais do que qualquer coisa, pelos valores, não no sentido financeiro, mas valores envolvidos na temática ambiental, social e de governança. É uma agenda obrigatória para o regulador de mercado”.

Segundo ele, os princípios ESG são fundamentais para a competitividade e devem ser olhados para promover maior atratividade. “Cada mercado compete pela atenção dos grandes alocadores de capital e também pelos seus públicos. Hoje é impensável se vender como um mercado atrativo, que tem um apelo a investidores, sem uma política, uma prática que joga luz sobre as informações pertinentes à agenda ESG por parte dos emissores”.

Ele ressaltou que a CVM trabalha para fortalecer esse tema com a audiência pública para reforma da Instrução n. 480/2009, que trata principalmente de instrumentos de comunicação das companhias com o mercado e visa aprimorar a prestação de informações ligadas a questões ambientais, sociais e de governança. “O objetivo não é apenas a simplificação, mas o aprimoramento do conteúdo de temas da agenda ESG”, disse Barbosa, ao comentar as mudanças propostas para o formulário de referência das companhias presentes na consulta pública que foi aberta no último dia 7 de dezembro.

O Presidente da CVM voltou a enfatizar a admissão da Autarquia ao Pacto Global da ONU, como já tinha anunciado no primeiro dia do evento. “Essa admissão foi concedida após termos nos comprometido a uma série de obrigações relacionadas a essa agenda. Além disso, estamos trabalhando no desenvolvimento de instrumentos e produtos financeiros que se relacionam a essa agenda das finanças sustentáveis. Um deles são os FIDCs ambientais”. A novidade dos FIDCs – Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios – deve entrar nas mudanças previstas para as Instruções CVM n. 356 e 555.

Competitividade

Fábio Coelho, da Amec.

Em sua apresentação, Fábio Coelho, Presidente da Amec, destacou que o mercado brasileiro está em busca de maior competitividade e, por isso, é necessário torná-lo cada vez mais atrativo diante das questões de tecnologia e de emergência dos temas ESG. Esse ambiente de maior competitividade, de acordo ao olhar da Amec, deve contemplar ao mesmo tempo, a equidade entre os agentes e a proteção dos investidores do mercado de capitais.

Ele citou a necessidade de voltar o olhar ao público que está hoje na Bolsa, que ficou mais de uma década oscilando entre 500 e 600 mil CPFs e que nos últimos três anos deu um impressionante salto para mais de 3 milhões. “Quando a gente soma juros baixos e novos investidores na Bolsa brasileira, vamos reformular e revolucionar toda a indústria financeira tanto em termos de produtos quanto de atratividade dos investidores”.

Coelho lembrou também do maior apetite dos fundos de pensão aos investimentos de maior risco. Esses investidores mantiveram durante décadas um passivo atrelado à inflação mais 6% de juro real, mas que era superado com facilidade com investimentos em títulos públicos que pagavam a inflação mais 7%, 8% ou 9% ao ano. “Essa transformação ocorreu nos últimos 36 meses de forma mais veloz e o mercado, de alguma maneira, não conseguiu endereçar essa oferta de produtos, motivo pelo qual percebemos investidores institucionais correndo para o exterior, o que reforça o dilema entre competitividade e proteção do investidor”.

Stewardship

O Presidente da Amec acrescentou que a ascensão do ESG tornou ainda mais importante o engajamento dos investidores nas empresas investidas. “O stewardship é uma tendência mundial, que indica a promoção do engajamento dos investidores institucionais, que cada vez mais colocam requisitos para fazer aportes. Vimos, nos últimos meses, os investidores dizendo que se as empresas não estiverem praticando valores semelhantes aos deles, não fariam aportes”.

Fábio Coelho ressaltou ainda que está na hora do governo brasileiro dar os primeiros sinais de organização da pauta ESG no país. O mesmo desafio é enfrentado pela indústria financeira brasileira, em especial, para os investidores institucionais, de como integrar todas essas macrotendências. Ele disse que a incorporação das pautas sociais, ambientais e de governança não é um processo trivial.

Ele deixou ainda um alerta sobre a importância do engajamento nesse tema. “O mundo está mudando, as empresas que não navegarem esses processos tendem a sumir ou a perder valor. Os investidores institucionais vão seguir por esse caminho e a Amec está se debruçando em como ajudar investidores a minimizar e mitigar os riscos colocados, mas com uma visão de futuro para que possam fazer seus próximos investimentos incorporando todos esses aspectos”.

Menor aversão ao risco

Gilson Finkelsztain, da B3. Foto: Divulgação.

Gilson Finkelsztain, Presidente da B3, destacou que o momento do mercado de capitais é positivo devido aos juros baixos, a chegada das novas tecnologias, a organização dos movimentos de distribuição, seja por novos entrantes ou incumbentes e a nova geração que está começando a entrar na seara de investimentos. “É uma geração menos avessa ao risco, talvez por ter vivido menos riscos. É uma geração aberta a entender, analisar e flertar com a educação financeira”.

O Presidente da Bolsa ressaltou a importância do tema da educação, que está andando em conjunto com a modernização do mercado, em conjunto com os órgãos reguladores. “Nossa função de navegar nesses mares é fundamental em um espírito de diálogo e abertura com o regulador para discutir avanços adequados com a agenda do momento”.

Finkelsztain reforçou a importância do tema ESG, destacando que a Bolsa sempre teve um papel muito importante nos tópicos de transparência e governança. “Esse ano de pandemia trouxe à tona os aspectos sociais e ambientais em uma agenda que veio para ficar, que não será acessória. Será de fábrica. Teremos um campo enorme de atuação, com novos produtos”, disse.

Aconselhamento

Margaret Franklin, do CFA Institute. Foto: Divulgação.

Todos esses avanços apontados e a agenda do futuro mostram que os indivíduos estão exigindo maior responsabilidade sobre seus investimentos. Margaret Franklin, Presidente do CFA Institute, destacou que o ingresso de novos investidores no mercado brasileiro traz novos desafios. “Como construir portfólios sabendo que cada vez mais investidores institucionais estão migrando para risco, de renda fixa para private equity e venture capital? Isso coloca um desafio específico para o Brasil, que agora tem também uma grande parte do mercado de investidores individuais e de varejo que vão precisar de aconselhamento, pois estavam acostumados à renda fixa”, afirmou.

Ela disse que isso leva a uma necessidade de profissionais de investimento bem treinados, com conduta ética e alto nível de confiança. “Precisamos de um bom aconselhamento ao longo do caminho. O mercado de varejo precisa de credibilidade, confiança e ética”. Margaret reforçou a responsabilidade ESG e destacou a lacuna na oferta e na demanda em relação a esse tema. Ela citou ainda que atualmente as pessoas buscam construir portfólios resilientes. “Por isso precisamos de um bom aconselhamento financeiro, principalmente nesse novo mercado financeiro de varejo”.

O presidente da B3 resumiu os avanços do mercado ao afirmar que os dois últimos anos foram os melhores em um horizonte de 15 anos para a Bolsa, mas que estamos apenas no início de uma longa jornada. “Só chegamos até aqui por uma agenda de reformas, diálogo, modernização, adequação, e temos, em um ano de pandemia, total certeza de que o mercado de capitais pode continuar ajudando na retomada do crescimento do país”. Ele ressaltou a importância da manutenção da responsabilidade fiscal e do avanço da agenda de reformas para que seja mantida essa perspectiva positiva para o mercado de capitais