Modelo de corporations exige fortalecimento de estruturas de governança das companhias
Estruturas de governança são essenciais dentro de qualquer companhia. Porém, em companhias de capital disperso sem acionista controlador, como as corporations, órgãos como o conselho de administração e comitê de auditoria se tornam ainda mais relevantes.
O motivo está na teoria clássica de conflitos de agência. Sem um acionista controlador, as tensões que antes ocorriam entre o majoritário e demais membros da base acionária passam a ocorrer entre a administração e os acionistas. O conselho, nesse cenário, age como um fiel da balança e precisa necessariamente estar mais atento aos desdobramentos internos da empresa.
“A figura do conselho, na minha opinião, é muito mais importante numa corporation. A gestão tem muito mais informações e conhece muito mais a companhia do que o próprio conselho num primeiro momento. Então, o conselho precisa estar preparado, precisa conhecer o negócio e estar muito engajado com os investidores”, explica Patrícia Pellini, sócia da consultoria Better Governance, com mais de duas décadas de experiência no mercado de capitais.
Para mitigar conflitos, é preciso também que os interesses estejam alinhados. Para isso, Patrícia ressalta a importância de políticas de remuneração dos administradores alinhados aos melhores interesses da companhia: “a definição do pacote de remuneração é extremamente importante. (É preciso estabelecer) quais são as métricas que vão alinhar o interesse daquela gestão no longo prazo, no médio e no longo prazo”, comenta.
Independentes, mas não isolados
Os desafios começam já na composição do órgão. Diferentemente de uma companhia com controlador, em uma corporation, via de regra, o conselho é responsável por implementar políticas de sucessão de seus próprios membros. E a eleição do colegiado em si é um processo que demanda um diálogo mais próximo com a base de acionistas.
“A própria composição do conselho, a composição da administração e o diálogo com os acionistas passam a ser aspectos muito presentes na agenda de conselhos de corporações, que são temas menos presentes na agenda de empresas que têm controlador”, avalia a professora da FGV e ex-diretora da CVM, Luciana Dias.
Outro ponto que ganha relevância é a presença de conselheiros independentes. Ainda que esta figura seja também seja proeminente em empresas com controlador definido, nas corporations os independentes enfrentam o desafio de não ficarem isolados.
Atualmente, a CVM exige que 20% dos conselheiros sejam independentes e a atual proposta de reformulação do Novo Mercado cogita elevar esse patamar a 30%. Já as agências de proxy voting como a ISS recomendam pelo menos 50%. Para Luciana, a porcentagem ideal se define por um “número suficiente de independentes para que possa haver interlocução. Por volta de uns 30% a 40%. Caso contrário, o conselheiro fica isolado”, o que prejudica sua capacidade de levantar questionamentos e ser ouvido sobre temas delicados, como canais de denúncia, ou assuntos que escapam aos membros diretamente envolvidos no dia a dia da companhia.
Pesquisa da consultoria Spencer Stuart com 129 empresas de market cap superior a R$3 bilhões e listadas nos segmentos especiais da B3 mostra que o mercado está caminhando nessa direção. Em 2023, segundo o estudo, 41% dos conselheiros das empresas consultadas eram independentes.
Fontes de apoio
Além de um conselho fortalecido, corporations precisam que estruturas internas de governança estejam alinhadas para fortalecer o suporte que os conselheiros precisarão para a tomada de decisões. A área de Relações com Investidores, por exemplo, é um departamento que ganha protagonismo nessas empresas, porque deve apoiar o conselho na interlocução com os investidores.
“Assembleias, eleição do conselho e a aprovação de um plano de remuneração de administradores numa empresa com essa estrutura de capital não são previsíveis. Os investidores podem rejeitar as propostas, então você precisa ter um conselho preparado para não ficar a reboque da gestão e que junto com a área de relações com investidores, faça o engajamento com os investidores”, avalia Patrícia.
Outro órgão de controle que está ganhando espaço no mercado local são os comitês de auditoria. Tema da edição 58 do Panorama Amec, os comitês de auditoria fazem parte dos chamados comitês de assessoramento do conselho de administração, órgãos criados pelo conselho para contribuir com conhecimento especializado ou técnico.
Em uma empresa sem controlador definido, “o comitê de auditoria é ainda mais relevante. Porque ele que vai estudar no detalhe e analisar minuciosamente o que está sendo feito dentro da empresa em relação aos controles de fiscalização, fazendo um link com o conselho”, observa Patrícia, acrescentando que casos recentes mostraram a necessidade de se investir nessa estrutura, de forma que o conselho tenha mais uma ferramenta para avaliar a exatidão das informações transmitidas pela gestão.