Notícia Publicada pelo portal Jota: Apenas 8% dos casos de insider trading vão ao Judiciário

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Condenação permanece restrita à esfera administrativa, revelam pesquisadores da FGV

Por Guilherme Pimenta

A punição ao uso indevido de informação privilegiada no mercado de capitais (insider trading) permanece restrita à esfera administrativa e não chega ao Judiciário por meio de ações penais. No livro Insider trading: normas, instituições e mecanismos de combate no Brasil, professores do Núcleo de Estudos em Mercados e Investimentos da FGV Direito-SP demonstram que apenas quatro de 50 casos julgados pela Comissão de Valores Mobiliários entre 2002 e 2015 foram levados à esfera criminal – ou 8% do total de infrações.

Além disso, diferentes critérios de análise servem de base para as condenações pela CVM e pela Justiça Federal, na área criminal. Essa discrepância nas punições do mesmo ilícito foi um dos pontos revelados pela pesquisa de Viviane Muller Prado, coordenadora do Núcleo de Estudos em Mercados e Investimentos da FGV, Nora Matilde Rachman e Renato Vilela, advogados e especialistas na área.

O livro sobre insider trading é fruto de um estudo iniciado em 2009, quando da primeira condenação criminal por uso de informação privilegiada no Brasil, no caso Sadia-Perdigão.

Em 2011, o juiz Marcelo Costenaro Cavali, à época substituto na 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, condenou o ex-diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia Luiz Gonzaga Murat Júnior e o ex-membro do conselho de administração da Sadia Romano Ancelmo Fontana Filho, a um ano e nove meses e um ano e cinco meses em regime aberto, respectivamente.

Eles foram responsabilizados pela prática de insider trading durante a oferta pública de aquisição de ações da Perdigão, em 2006.

A criminalização do uso indevido de informação privilegiada ocorreu em 2001. na edição do art. 27-D da Lei nº 6.385/1976:

Art. 27-D: Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenham conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários. Pena: 1 a 5 anos de reclusão e multa de até 3 vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

No período 2002-2015, a CVM julgou 50 processos administrativos sancionadores de insider. No âmbito penal, por mais que a criminalização da prática tenha ocorrido em 2001, apenas em 2009 houve a primeira denúncia – do caso Sadia-Perdigão.

Apenas outros três casos foram constatados pela pesquisa da FGV-SP. Em um, houve suspensão do processo. Os outros dois ainda estão em andamento, sendo que em um deles o empresário Eike Batista é réu. O processo está em curso na Justiça Federal do Rio de Janeiro.

“Se é crime, por que há mais casos na CVM do que no Judiciário? Não deveria ir tudo para o âmbito penal?, questionou Viviane Muller Prado, em entrevista ao JOTA. “Apesar da norma criminal ter um âmbito de abrangência mais restrito, por que alguns casos que envolvem pessoas com dever de sigilo não são encontrados no Judiciário via criminal?”

Na conclusão da obra, os autores apontam que “precedentes administrativos e judiciais utilizaram critérios e alcançaram resultados diferentes em função justamente dos instrumentos, mecanismos, estratégias jurídicas ou proativismo das instituições ao combater o ilícito”.

Além disso, segundo eles, “não há homogeneidade na tomada de decisão nem por parte de quem propõe medidas administrativas e judiciais e nem por parte de quem julga”.

O quadro poderia ser pior. Em 4 de março de 2008, um ano antes da primeira denúncia por insider trading, o colegiado da CVM assinou Termo de Cooperação Técnica (TCT) com o Ministério Público Federal. Em 2013, o convênio foi prorrogado por 5 anos, até 2018. As quatro denúncias ocorreram após o TCT.

CRSFN

Além da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), os autores também detalharam os casos de uso indevido de informação privilegiada que são revisados na segunda instância da esfera administrativa, no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), conhecido como “Conselhinho do BC”.

De 2003 a 2015, foram analisados 26 casos no CRSFN, sendo que desses, 11 foram recursos de ofício – originando-se de casos nos quais houve absolvição pela CVM.

Do total, em 19 casos o órgão Conselhinho manteve a decisão da CVM. Em quatro processos, a decisão foi totalmente reformada. Em três, houve reforma parcial.

“O levantamento das decisões do CRSFN é fundamental para compreender, até a última instância [administrativa], como tem sido a trajetória de aplicação de penalidades para o uso de informações privilegiadas no mercado brasileiro. Afinal, o enforcement efetivo pode ter – e tem – um papel relevante de elidir o cometimento de ilícitos”, escrevem os autores.

A obra

Em 102 páginas, o livro analisa todo o contexto punitivo da prática de insider trading no Brasil. É dividido em três fases.

Na primeira, os autores analisam a era 1965-1976, mercada por “pouca regulamentação e muitas possibilidades de manipulação”.

Posteriormente, o período entre 1976-2001 é detalhado. Justamente nessa época os primeiros casos começaram a aparecer, com a criação da CVM e a participação do Poder Judiciário para fins de ressarcimento. Por último, os autores analisam 2001, ano da criminalização da prática, até os dias atuais.

“O trabalho busca registrar um momento histórico, instigar novas reflexões e apontar conexões que ajudem a determinar trajetórias e estratégias a serem seguidas pelas instituições envolvidas com o enforcement de regras de proibição do uso de informações privilegiadas”, apontam os autores na conclusão da obra.

Além do panorama sobre a punição administrativa e judicial ao insider trading, os autores detalham o uso de Termos de Compromisso (TC) pela CVM para fins de settlement dos casos. Quando um TC é firmado pelo investigado e a CVM, o processo é suspenso.

“Como em apenas 3% dos casos o dinheiro das multas aplicadas pela CVM é pago, identificamos que os termos de compromisso são mais efetivos, pois são pagos”, disse Renato Vilela, um dos autores do livro.

Guilherme Pimenta – São Paulo

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