Entrevista Isabella Saboya: Recomendações para o maior engajamento de investidores no Brasil
Com a experiência de ter atuado em diferentes posições do mercado de capitais, a conselheira da Vale, Isabella Saboya, compartilha suas recomendações para o fortalecimento das práticas de stewardship no Brasil. Sua trajetória inclui a atuação como assessora da presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na gestão de José Luiz Osório (2000-2002). Posteriormente, atuou como gestora durante 14 anos nas assets Investidor Profissional (IP) e Jardim Botânico. E desde 2015 atua como conselheira independente, tendo assumido vaga no Conselho de Administração da Vale em 2017, acumulando a coordenação do comitê de auditoria da mineradora.
Uma das protagonistas da recente reforma do estatuto da Vale, realizada no início do mês de março passado, Isabella comenta em entrevista exclusiva ao Panorama Amec algumas das inovações da companhia em relação ao funcionamento do Conselho. Entre elas, a introdução da figura do Lead Independent Director para facilitar a interface do Conselho com os investidores, e a ampliação do número de conselheiros independentes. Ela comenta ainda o contexto de transição da Vale para o modelo de uma Corporation, companhia sem controle predefinido.
Com participação no grupo do trabalho da Amec que foi responsável pela atualização e aplicação do Código Stewardship, Isabella diz que o engajamento dos investidores locais ainda precisa avançar de maneira mais acelerada para acompanhar as mudanças e necessidades do momento atual. Confira a seguir a entrevista:
Quais as recomendações para que os investidores possam reforçar o engajamento nas empresas investidas?
O que defendo e, inclusive, está no Código de Stewardship da Amec, é a recomendação para os signatários conversarem com a administração das companhias em períodos que antecedem as assembleias anuais. Assim será possível traçar um planejamento para quando chegarem as AGOs de março ou abril, facilitando a interlocução em temas como propostas de remuneração, aprovação de contas e, principalmente, eleições para os Conselhos.
O mais importante é planejar o engajamento com antecedência?
É importante verificar com antecedência o que se pretende fazer, avaliando, por exemplo, a necessidade de indicação de conselheiro de alguma competência específica ou questões de remuneração, entre outros temas de engajamento. Ou seja, é preciso planejar o que se pretende para a Temporada de Assembleias, até mesmo para definir as empresas em que não há necessidade de interlocução porque estão indo bem. O problema é que a maioria ainda deixa para o último minuto, tornando o processo mais complicado.
Como avalia a postura dos investidores estrangeiros em relação às práticas de stewardship?
Em geral, os investidores europeus são os mais engajados. Agora os americanos também estão se mobilizando cada vez mais. Tradicionalmente os europeus têm a cultura de procurar as companhias em diversos momentos ao longo do ano, sempre colocando as questões que geram preocupações, ou aquelas que não se conta com informação suficiente. Daí são emitidas respostas, são realizadas reuniões, bem antes do momento da realização da Assembleia Geral Ordinária.
Mas você não considera que o nível de engajamento esteja evoluindo também aqui no Brasil?
Acho que precisamos dar uma acelerada no mercado local em boas práticas de engajamento. Estou achando que a evolução ainda é lenta. Lá fora é muito mais comum o processo de stewardship. E até os investidores passivos internacionais estão mudando, adotando um processo mais ativo. Do jeito que foi esse ano de ESG, com as pessoas falando mais entre si, era para o processo ter se acelerado mais. Precisamos revisitar os princípios e, principalmente, os signatários locais precisam avançar no engajamento.
Ainda não existe uma prática de comunicação frequente dos investidores locais com membros do Conselho das companhias?
Os acionistas locais geralmente concentram o engajamento com área de RI [Relação com Investidores] para falar sobre perspectivas do negócio, mas com pouco diálogo com o Conselho, para discutir outros temas relevantes. Vejo que os investidores locais trabalham para atender demandas específicas. Quando os temas aparecem para a Assembleia anual, pode ser muito tarde. Vejo que é importante falar com antecedência com algum representante do Board sobre as questões que irão para votação na Assembleia.
A recente reforma do estatuto da Vale incorporou a figura do Lead Independent Director. Como essa função pode ajudar na aproximação dos investidores com o Conselho?
É uma função que existe lá fora e é vista como uma boa prática de governança. Uma pessoa do Conselho é escolhida para estar em contato com os investidores. Esse conselheiro deve ser necessariamente independente. Se o Presidente do Conselho for independente, ele pode acumular, ainda que eu ache que o melhor, pelo menos em um primeiro momento, é que sejam pessoas distintas por conta do volume excessivo de trabalho do Chairman.
E você considera que a Vale já funciona como uma Corporation nos mesmos moldes, por exemplo, do mercado americano?
Sim, a Vale já pode ser considerada uma Corporation plena. O processo de transição está terminando justamente agora. O Presidente do Conselho indicado será independente. Teremos uma Assembleia em que os 80% dos acionistas irão votar e tomar as principais decisões. Claro que ainda temos 20% dos acionistas que costumam votar juntos. É um índice ainda alto se comparado com uma Corporation do mercado americano. Nos EUA, a pulverização é muito maior. Mas para os padrões brasileiros, a Vale já pode ser considerada uma Corporation. E acredito que a diluição acionária tende a ser ainda maior nos próximos anos.
Você poderia comentar a questão do chamado voto contrário, originalmente proposto no estatuto da mineradora?
A primeira vez que discutimos no Conselho, eu pessoalmente não estava de acordo em aprovar esse mecanismo no estatuto. Achei que as pessoas não iriam entender, pois não existia ainda no mercado brasileiro, era inédito. E que ficaria parecendo uma espécie de veto aos minoritários, sendo que nem existe mais a oposição tradicional entre controladores e minoritários na Vale. Na verdade, foi visto como uma possibilidade de veto por parte dos acionistas de referência de nomes que eles não gostassem.
E quais os problemas que surgiram na discussão do voto contrário?
Quando se olha a legislação brasileira e o que acontece lá fora, as situações não se conversam. Inclusive ficou uma discussão sobre a legalidade ou ilegalidade do mecanismo. É uma discussão que não acho interessante. Então, avaliei que ninguém iria entender e, por isso, não deveria ser proposto. Lá fora, o voto contrário é utilizado quando a eleição é pouco disputada. Daí se recorre ao voto contrário porque pode evitar a entrada de candidatos com poucos votos favoráveis. Mas nos EUA não é uma discussão sobre legalidade, é uma prática de mercado. Aqui o assunto não estava maduro, então a proposta foi retirada.
Poderia explicar o trabalho do comitê de nomeação da Vale?
O comitê ouviu os acionistas, obviamente que não todos os mais de 4 mil existentes, mas um número representativo que detém quase metade das ações. O comitê conversou também com stakeholders, com o proxy advisor e consultores, sempre com a mesma pergunta: “quais os perfis e competências para o grupo de 12 conselheiros?”. As respostas vieram muito uniformes, em busca de executivos com experiência em mineração, que entendam de ESG, de todas as três letrinhas, não apenas uma. Eles querem pessoas que entendam de segurança, de setores arriscados como “oil & gas” e químico, que entendam de China, que sejam globais, entre outros.
E como foi o trabalho de indicação dos candidatos?
O comitê de nomeação foi à procura de pessoas com esses perfis. E a matriz de competências, no meu entendimento, foi atendida em uma lista de 12 nomes. Claro que há espaço para discordâncias e busca de outros nomes. Mas vejo que há um problema quando surgem outras indicações para ocupar um terço das vagas, inclusive para a presidência do Conselho.
Por que considera que isso é um problema?
Houve muita conversa com os investidores. Especificamente, falamos com os dez maiores sobre a indicação à presidência do Conselho e isso foi um bom exemplo de engajamento. Sempre pode haver discordâncias, elas têm de existir e isso é saudável. Mas tem aquela discordância que sai do tom, que não ajuda para a discussão de governança. Não é um engajamento construtivo. É algo que revive um momento anterior de oposição de controladores e minoritários, que joga contra os acionistas de referência. Agora, parece que há uma suposta polarização de acionistas que não ajuda, e que na verdade atrasa a evolução da governança.
Esse fato pode ter consequências para o mercado como um todo, influenciando companhias que planejam adotar o formato de Corporations?
A Vale decidiu que faria um processo de transição para uma Corporation de forma estruturada e planejada, e de repente surge uma reação desproporcional. Então, fico imaginando que isso pode desmotivar outras empresas a realizarem o mesmo processo. Outras empresas que têm controle definido vão questionar se vale a pena, pois podem enfrentar problemas no caminho.