Regulação evoluiu, mas ainda demanda maior abertura de informações
As regras que tratam da prestação de informações sobre a remuneração de administradores pelas empresas têm passado por importantes mudanças nos últimos anos. O destaque mais recente diz respeito aos avanços da Resolução CVM n. 59/2021, que entraram em vigor a em de janeiro de 2023, com impactos sobre o formulário de referência.
Paula Magalhães, Sócia do Escritório Lobo de Rizzo Advogados, destaca algumas novidades da regulação da CVM que devem promover maior disclosure das companhias. O item 8.1 da Resolução indica que as companhias devem descrever a política ou prática de remuneração do conselho de administração, da diretoria estatutária e não estatutária, do conselho fiscal, dos comitês estatutários e dos comitês de auditoria, de risco, financeiro e de remuneração, apontando os principais indicadores de desempenho levados em consideração, inclusive, se for o caso, aqueles ligados a questões ASG – Ambientais, Sociais e de Governança.
“Está ocorrendo uma grande evolução na abertura da informação, especialmente na última década. A aprovação da remuneração global na Assembleia anual é o principal momento. Mas há também um segundo momento, que se reflete no primeiro, com as apresentações anuais do formulário de referência”, explica Paula Magalhães. Para a advogada, a Resolução CVM n. 59/2021 traz a inovação de relacionar, pela primeira vez, os indicadores de remuneração, incluindo os critérios ASG.
“Embora a CVM tenha optado por exigir uma inclusão um pouco genérica, acredito que isso foi acertado. O primeiro momento inclui a pergunta se há alguma métrica, depois deve ir avançando para a ‘vida como ela é’. Isso já existe em diversos outros mercados, mas é uma novidade no Brasil. O ASG é sempre uma caminhada”, diz.
Outra mudança das novas regras dispõe que as empresas deverão informar a razão entre a maior remuneração individual, incluindo a do administrador estatutário, se for o caso, e a mediana da remuneração individual dos empregados do emissor. “É uma mudança que segue o modelo do mercado americano e que também representa uma evolução para o mercado brasileiro”, comenta a advogada.
Aperfeiçoamento da regulação
Se por um lado as novas regras representam um avanço positivo, por outro ainda demanda aperfeiçoamento em alguns pontos. Um deles, segundo Paula Magalhães, diz respeito às informações sobre remuneração baseada em ações. “É um item que mais confunde do que agrega. A regulação deveria trazer uma forma mais prática e direta para tratar da remuneração atrelada às ações”, opina.
Da forma como foi publicada, as companhias terão bastante dificuldade de expressar essas informações e a CVM terá dificuldade de fiscalizar. Consequentemente, o investidor terá dificuldade de entender. A especialista reforça, no entanto, que no restante do formulário, haverá informação bastante robusta à disposição dos investidores.
Luiz Martha, Gerente de Pesquisa e Conteúdo do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, afirma que a qualidade da informação dos formulários de referência tem melhorado ao longo dos últimos anos. Porém, há ainda muito espaço para evoluir. “Há muitas empresas que prestam informação pouco utilizável e compreensível. A regulação da CVM está cada vez mais completa, mas dependemos muito que as companhias disponibilizem as informações de maneira adequada”, diz.
Um dos principais problemas é a falta de padronização. “A qualidade é muito diferente entre as empresas. Enquanto algumas primam por fornecer a melhor informação possível, outras estão bastante aquém. O mercado ainda é muito heterogêneo”, comenta o Gerente do IBGC.
Pesquisa de remuneração
O IBGC realiza a cada dois anos uma pesquisa que trata especificamente da remuneração de administradores e conselheiros. Para isso, utiliza as informações baseadas nos formulários de referência. A oitava edição, que foi a mais recente publicada, foi lançada em fevereiro de 2022 e está disponível no portal do Instituto.
Com a pesquisa é possível avaliar a evolução da remuneração das empresas do mercado brasileiro. Uma novidade das últimas duas edições é que a pesquisa do IBGC apresentou um cálculo da remuneração do Presidente do Conselho e Presidente Executivo versus demais conselheiros e diretores. “Incluímos a relação entre a remuneração dos Presidentes do Conselho e da administração com os demais conselheiros e executivos para avaliar se a diferença é adequada. Se há diferença muito grande, o investidor deve levantar a bandeira amarela e investigar mais a fundo”, recomenda Luiz Martha.
O representante do IBGC indica ainda que os conselheiros e acionistas devem acompanhar de perto as políticas de remuneração das companhias. No caso dos conselheiros independentes, devem participar do comitê de remuneração das empresas e, sobretudo, atuar quando há indícios de conflitos de interesses. “É preciso reforçar o papel diligente para verificar se os pacotes de remuneração garantem um alinhamento de interesses entre executivos e conselheiros com os interesses da companhia”, diz Luiz Martha.
Paula Magalhães avalia que há uma evolução importante no engajamento dos investidores nas questões de remuneração e outros aspectos. “Os acionistas têm contado cada vez mais com um canal aberto das companhias, principalmente com as áreas de RI”, diz. A advogada explica que a Assembleia Ordinária representa um momento emblemático, mas não é o único. Por isso, é preciso analisar antes o formulário de referência e demais documentos com um olhar crítico. E se houver algo discrepante, é necessário buscar uma comunicação prévia com a empresa.
Relações com investidores
Rodrigo Maia, ex-Presidente do IBRI – Instituto Brasileiro de Relações com Investidores, afirma que tem ocorrido uma evolução positiva na relação das companhias com os investidores. Ele destaca uma mudança de postura com maior abertura de ambos os lados, o que tem permitido uma comunicação mais constante e a melhoria na prestação e assimilação de informações. Essa mudança, segundo o executivo], é incentivada, entre outros fatores, pela aproximação da AMEC com o IBRI e pelo trabalho desenvolvido pelas duas associações.
“Todos concordam que a Assembleia é o principal rito, mas destaco a importância dos encontros e da comunicação antes dela. Tenho participado de encontros muito produtivos em que os investidores buscam entender o cálculo da remuneração, perguntam sobre a fundamentação, quais são as métricas e a relação entre os resultados e a remuneração”, diz Maia. Essa postura é verificada entre os investidores institucionais mais sofisticados, que estão demandando mais encontros com os RI das empresas.
Já as empresas devem oferecer a maior transparência possível nas informações. Além disso, é necessário fornecer uma informação resumida e acessível. “O papel do RI é garantir transparência na comunicação, que deve ser acessível. Não adianta escrever para os advogados. Tem de escrever para o investidor com uma comunicação clara e concisa”, defende o Presidente do IBRI. Ele se diz entusiasta da simplificação de informações, que pode inclusive utilizar formatos em vídeo ou outros veículos digitais.