Ampliação e diversificação de players dinamiza mercado de fundos de crédito privado

Print Friendly, PDF & Email

Há pouco mais de uma década, o mercado de gestão de fundos de crédito privado estava restrito à atuação de poucas assets ligadas aos grandes bancos. Mesmo assim, essas gestoras possuíam pequena diversidade de produtos com estratégias muito básicas. Como praticamente inexistia liquidez no mercado secundário, as assets eram obrigadas a levar os papéis a vencimento.

Guilherme Benites, Sócio e Diretor da consultoria Aditus. Foto: Divulgação.

“Os fundos não tinham marcação a mercado, funcionavam como se fossem um reloginho. O mercado estava limitado a poucos players e a liquidez era bastante estreita”, lembra Guilherme Benites, Sócio e Diretor da consultoria Aditus – especializada em investidores institucionais. Os fundos estavam sujeitos ao chamado “efeito manada”, quando alguma crise atingia o mercado, produzia impacto em todos os gestores de crédito.

A situação começou a mudar quando algumas assets independentes passaram a acessar o mercado de fundos de crédito. Essas gestoras foram incentivadas pela distribuição de seus produtos através das plataformas de investimentos. Mesmo assim, a falta de liquidez no mercado secundário ainda limitava bastante o desenvolvimento de estratégias de investimentos e produtos mais elaborados.

Essa situação perdurou até a crise de outubro de 2019, em que os investidores perceberam que o CDI estava muito baixo, e promoveram uma debandada dos fundos de crédito. O mesmo aconteceu na crise posterior, com o advento da pandemia, mas com um impacto muito maior que a anterior. Todos os gestores tiveram altos volumes de resgates dos fundos e começaram a vender seus ativos, mas não havia compradores no secundário. O spread dos papéis sofreu uma abertura muito significativa e distorcida, saltando de CDI mais 1,30% ou 1,40% para CDI mais 5,5% ou até mais.

E foi então que, depois desta crise mais contundente, que outros tipos de investidores perceberam oportunidades mais atraentes para operar com os ativos de crédito privado. As tesourarias de bancos, maior número de assets independentes e até os grandes gestores viram oportunidades de diversificar as estratégias e produtos. “Depois de 2020, as grandes assets criaram novas estratégias de crédito. E foi a partir de 2021 que os grandes players aumentaram muito a concentração em crédito. Hoje há um número muito maior de players, o que é muito positivo para impulsionar o funding no mercado secundário”, analisa Benites.

O Sócio da Aditus aponta o destaque para as assets dos grandes bancos, em especial da Itaú Asset e da Bradesco Asset, com a oferta de boa diversidade de fundos. No campo das gestoras independentes, o consultor cita nomes como JGP, Sparta e ARX, como algumas empresas que se especializaram neste segmento e que continuam navegando positivamente no crédito privado.

Alexandre Muller, Sócio e Gestor de Crédito da JGP. Foto: Divulgação.

Índice próprio – Uma das assets que se destacou nos últimos anos na gestão de ativos de fundos multimercados e de crédito privado foi a JGP.  “Fomos uma das primeiras gestoras de multimercado a fazer um movimento de expansão na direção de se tornar uma asset com uma plataforma mais completa, com fundos de ações, crédito e estruturados. Isso começou em 2008, quando o time de ações chegou”, diz Alexandre Muller, Sócio e Gestor de Crédito da JGP.

Em 2014, a asset montou o time de crédito. Depois, vários novos times especializados em fundos mais estruturados vieram, como o time de special situations e o time de ESG. O gestor explica que a previsão que a asset mantinha para a parte de crédito privado era de que haveria uma transformação profunda na forma como as empresas passariam a se financiar no Brasil. “Até 2016, o modelo que predominava no Brasil era de uma participação muito elevada de crédito subsidiado, com poucas operações via mercado de capitais. Era um modelo que acabava limitando o acesso do crédito privado àquelas companhias com conseguiam ter alguma ponte, algum acesso aos bancos públicos”, comenta Muller.

Então, a aposta era de que alguma trava fiscal teria de ser colocada, até mesmo para conseguir encontrar uma sustentabilidade dessa relação. Isso efetivamente começou em 2016, no governo Temer, com a aprovação do teto de gastos. “Naquele momento, começamos a encontrar juros mais baixos e uma aceleração do desenvolvimento do mercado de capitais. Começou também a reduzir o tamanho dos bancos públicos, o retorno de recursos para o abatimento de dívidas pública federal”, conta o gestor da JGP.

Com um time montado desde 2014, com posicionamento em estratégias multimercados e de crédito, a JGP promoveu a expansão dos produtos de crédito e fundos estruturados. Um dos diferenciais foi buscar uma gestão fundamentada em dados, com a intenção de reduzir o componente subjetivo da tomada de decisões. A asset decidiu investir no time de programadores e de sistemas. “Hoje, temos 4 programadores no time de crédito, na empresa inteira temos cerca de 15 programadores que auxiliam diversas áreas de gestão. No crédito, sempre percebemos que os dados eram um bem escasso, diferente do mercado de bolsa”, explica Muller.

Por ser um mercado de balcão, era complicado ter acesso aos dados dos ativos de crédito. Para aplicarmos esse tipo de gestão baseada em dados, foi necessário construir bases proprietárias que começaram a ser a fonte de backtesting de simulações para as  carteiras de crédito da asset.

“Durante esse exercício, fomos acumulando uma base de dados tão grande que em determinado momento pensamos se não poderíamos abrir para o mercado um pedaço dela gratuitamente. Isso iria ajudar os investidores a entender o que está acontecendo no mercado de crédito”, explica Muller. Foi daí que surgiu o Idex CDI da JGP. Muller explica que hoje muita gente do mercado passou a usar esse dado, mas ele é só uma parte da base de dados proprietária da JGP.

Em termos de produtos, a asset hoje trabalha com quatro grupos de fundos: os multimercados, os de ações, os fundos de crédito e os estruturados. Entre os estruturados, fazem parte os fundos de infraestrutura, fundos ESG, fundos agro e fundos de special situations. Como oportunidade daqui pra frente, Muller destaca a classe de crédito high grade, por causa do atual nível de spreads e tendo mais segurança na estabilização nos spreads. “E vemos um número muito elevado de oportunidades em special situations também, muitas empresas ainda estão precisando de algum tipo de auxílio em reestruturação, em monetização de ativos judiciais”, destaca.

Ulisses Nehmi, CEO da Sparta. Foto: Divulgação.

Especialização em crédito – A Sparta não é uma asset nova. Já tem 30 anos de história. Mas foi a partir de 2010 que passou a se especializar em fundos de crédito. Atualmente a asset realiza a gestão de R$ 8 bilhões em ativos, praticamente com todo esse montante em fundos de crédito corporativo.

“Começamos essa parte de crédito privado porque lá atrás tínhamos poucas gestoras independentes focada em crédito. Existiam muitas gestoras focadas em ações, em multimercados, principalmente macro, e não tinha praticamente ninguém fazendo crédito. A renda fixa, o crédito privado, só tinha nas assets de grandes bancos. Vimos uma oportunidade nisso e de fato foi onde crescemos bastante”, explica Ulisses Nehmi, CEO da Sparta.

Nos últimos 5 anos, ele percebe que tem aumentado o número de gestoras independentes focadas em crédito high grade, mas ainda é um número pequeno quando comparado com os multimercados e ações. A Sparta mantém vários tipos de estratégia, como os fundos tradicionais de renda fixa, plataformas em bancos, fundo de previdência, fundos de debêntures incentivadas.

Ele comenta que após a pandemia é que houve a multiplicação de oportunidades com novas estratégias de crédito. Logo no início da pandemia, o gestor da Sparta lembra que ninguém mais queria saber de crédito. “Naquele início, não se sabia o que aconteceria com a economia. Então, por mais que não tivesse tido efetivamente um problema econômico na produtividade das empresas, ninguém queria correr esse risco”, diz.

No ano seguinte, em 2021, que começou o movimento de alta da Selic, voltou a ter novamente apetite de investidores para renda fixa pós-fixada. Os fundos de maneira geral voltaram a captar em março de 2021, a partir dali começou a ter de fato mais demanda por ativos de crédito. Isso fez com que os spreads fossem fechando aos poucos.

Com o ciclo de alta da Selic, os investidores começaram a voltar para a renda fixa. “Isso foi trazendo muito dinheiro de volta para a renda fixa e se tinha um misto de investidores vendo uma remuneração atrativa na renda fixa e por outro lado uma aversão a risco. Se viu muita captação para fundos com grau de investimento, que são empresas com menos chance de sofrer com essa piora no risco de crédito”, comenta Ulisses.

A asset lançou mais recentemente os fundos listados, um deles a partir de dezembro de 2021 e outros dois no início de 2023. Um deles investe em ativos do agronegócio, e acaba aproveitando a isenção de imposto de renda nos rendimentos para pessoa física. “O fundo listado não tem implicações em resgates, o investidor que quiser vender, pode vender a cota no secundário para um outro investidor. E o gestor acaba conseguindo fazer alocações mesmo em ativos menos líquidos e carregar”, diz.

Ana Rodela, Head da Mesa de Crédito da Bradesco Asset. Foto: Divulgação.

Diversidade de produtos – Um outro case importante do mercado, neste caso ligado a um grande banco, é o da Bradesco Asset. A gestora promoveu uma grande diversificação da grade de

fundos de crédito nos últimos anos e atualmente oferece todos os tipos de produtos do segmento, com exceção dos fundos distressed. “É uma classe de fundos que vemos com grande importância e, por isso, estamos cobrindo praticamente todos os tipos de produtos de crédito”, comenta Ana Rodela, Head da Mesa de Crédito da Bradesco Asset.

A gestora possui atualmente R$ 220 bilhões em ativos sob gestão de fundos de crédito, com a maior parte alocada em ativos high grade. Há fundos para todos os perfis, desde mais conservadores, moderados e arrojados. Há também fundos de debêntures incentivadas, tanto indexado ao CDI quanto IPCA. A asset oferece também fundos offshore de crédito.

A mesa mais recente da gestora é a de high yield, que tem o primeiro fundo listado do mercado, que foi lançado em 2019. O primeiro fundo tem prazo de sete anos e a gestora prepara o lançamento da sua segunda tranche. Para 2023, a Bradesco Asset prepara também o lançamento de fundos de cotas de FIDC e um fundo agro (Fiagro).