Ascensão de critérios ESG e preocupação com gestão de riscos devem marcar eleições para os Conselhos

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A agenda ESG está no centro das atenções das companhias e de seus acionistas na Temporada de Assembleias 2023. Enquanto nos anos anteriores, os aspectos ESG ainda não se mostravam decisivos na escolha de membros para os Conselhos de Administração (CA), neste ano, existe a expectativa de que isso comece a mudar.

Rogério Santana, da B3. Foto: Divulgação.

“Independentemente das exigências regulatórias, a agenda ESG está ganhando força perante a comunidade de investidores. Havendo ou não requisito regulatório, esse é um olhar que as empresas precisam ter bem aguçado para atender aos anseios dos seus acionistas e potenciais acionistas”, diz Rogério Santana, Diretor de Relacionamento com Clientes da B3.

O que se espera, segundo Santana, é que quando as empresas forem compor o CA, já levem em conta esses aspectos. “Caso contrário, elas começam a assumir um risco cada vez maior de verem um contingente grande de acionistas votando contra a proposta de conselheiros”, comenta o Diretor da B3.

Ele destaca que, no ano passado, a Bolsa intensificou o processo de discussão com a sociedade em geral sobre a introdução de critérios de diversidade nos Conselhos das companhias. Foi realizada audiência pública com proposta de introdução, no Regulamento de Emissores, de regra do tipo “pratique ou explique”, no que diz respeito a critérios de diversidade em vários recortes. Esse processo de discussão aconteceu em 2022 e o regulamento encontra-se em fase de aprovação por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A mudança no Regulamento de Emissores deverá entrar em vigor e atingir as próximas temporadas de assembleias.

Para Tiago Rodrigues, Gestor de Ações da abrdn, certamente as questões climáticas passaram a permear as discussões estratégicas nos Conselhos das empresas. “Temos alguns exemplos no nosso portfólio de empresas que passaram a pensar em premissas climáticas para decidir o orçamento. Acreditamos que as questões climáticas serão cada vez mais estratégicas, ainda mais para indústrias de alto impacto nas metas climáticas mundiais”, afirma.

Tiago Rodrigues, da abrdn. Foto: Divulgação.

Na última Temporada, ainda não havia sido verificado nenhum grande item de votação relacionado a essas questões, mas certamente, à medida em que elas passam a ser mais estratégicas, elas têm sim potencial de influenciar a pauta de composição de Conselhos e de criação de comitês dentro das companhias, prevê Tiago Rodrigues.

O que se percebe é que as agências de proxy voting estão reforçando cada vez mais as recomendações relacionadas aos aspectos ESG e de diversidade para as companhias. Seguramente, a pressão dos investidores estrangeiros será maior na próxima Temporada e nas subsequentes para a incorporação de critérios ambientais e sociais em sua governança – ver entrevista com Agnes Blanco.

Diversidade

Sidney Ito, da ACI Institute. Foto: Divulgação.

Sidney Ito, CEO da ACI Institute, mostra que a diversidade vem avançando, ainda que de maneira bem menos acelerada que em outros mercados internacionais. “O ano de 2022 intensificou os debates e as pressões por mais diversidade no ambiente corporativo e, gradualmente, vemos avanços em torno da diversidade de gênero nos Conselhos de Administração”, diz relatório sobre Governança Corporativa e o Mercado de Capitais, produzido pela KPMG e divulgado pela ACI, com dados de dezembro do ano passado.

Na edição anterior do levantamento, 37% das empresas abertas brasileiras analisadas ainda não tinham nenhuma mulher ocupando um assento no CA. Na edição de 2022, essa porcentagem caiu para 29%. Apesar de mais empresas estarem se mobilizando para incluir mulheres nos Conselhos, elas ainda representam menos de 20% dos cargos, em um avanço tímido de 14% do total de assentos em 2021 para 16% em 2022.

Ainda sobre a composição deste órgão, para além das pressões por mais diversidade, a CVM, ao regulamentar a Lei 14.195 de 2021, por meio da Resolução CVM n. 168/2022 estabeleceu, entre outras medidas, o percentual mínimo de 20% de membros independentes nos Conselhos para companhias que se enquadram em determinados requisitos.

No levantamento de 2022, 38% dos membros de CAs são membros independentes. Apenas o segmento Básico (15%) não tem mais de 20% de conselheiros independentes. O N2 (17%) é o segmento no qual mais empresas têm um conselheiro independente como presidente do órgão. “O número vem aumentando, mas dificilmente chegará perto dos 50%, conforme modelo do mercado americano. Isso acontece porque no mercado brasileiro ainda predomina o modelo do controlador definido”, comenta Ito.

Para o representante da ACI, outra tendência que deve ganhar força na Temporada de Assembleias 2023 é a maior especialização dos membros dos Conselhos. Isso deve ocorrer pela maior preocupação com a gestão e controle de riscos. “Os stakeholders estão cada vez mais preocupados com o gerenciamento de riscos. Eles estão mais exigentes com o maior controle dos riscos ESG, cibersegurança, inovação, entre outros”, comenta. A tendência vem ganhando maior espaço após o advento da pandemia e a maior preocupação com o risco de imagem. Neste sentido, deve aumentar o espaço para a escolha de conselheiros com maior especialização nas próximas Temporadas.

Conselhos Fiscais

Um ponto que ainda preocupa o mercado para a próxima Temporada de Assembleias são os movimentos oportunistas para a eleição de membros para os Conselhos Fiscais. “Acho que essa é uma questão em que o mercado como um todo passou a ficar mais atento e certamente o regulador vem tentando promover mudanças e melhorias para evitar esse tipo de situação em assembleias futuras”, diz Tiago Rodrigues, da abrdn.

O gestor indica que é importante monitorar o quanto isso continua ou não sendo um problema. “No ano retrasado, tivemos um número maior de ocorrências nas quais, por meio do boletim de voto a distância, acionistas votaram a favor da instalação do conselho fiscal. Com isso, vimos alguns acionistas pequenos tentando, no momento da assembleia, se eleger como membro do conselho fiscal dessas empresas”, explica Tiago.

Rogério Santana, da B3, confirma que as autoridades do mercado estão acompanhando de perto a preocupação com a formação dos Conselhos Fiscais. “Existe essa discussão de como achar uma alternativa que mantenha o direito de os acionistas solicitarem a instalação do Conselho Fiscal, que está previsto em lei. Porém, caso os acionistas queiram que isso ocorra de uma maneira mais efetiva, é preciso evitar abusos ou a constituição de estruturas de governança frágeis ou falhas”, analisa.

Tiago Rodrigues, da abrdn, aponta que nas Assembleias de 2022, muitas empresas já estavam preparadas para esse tipo de ação desses oportunistas e já tinham preparado mecanismos de mitigação para esse tipo de situação. “Contudo, é algo que acredito ainda precisa ser endereçado de forma estrutural”, defende.

Formulário de Referência

Paula Magalhães, do Escritório Lobo de Rizzo Advogados. Foto: Divulgação.

Paula Magalhães, Sócia do Escritório Lobo de Rizzo Advogados, indica que uma novidade para o disclosure das companhias são as novas regras para a elaboração do Formulário de Referência, segundo a Resolução CVM n. 59/2022. “Agora já serão utilizados nas Assembleias os novos anexos do Formulário de Referência. Trata-se de assuntos antigos, mas repaginados, como a parte de remuneração, de eleição da administração, tudo já no novo modelo”, explica. A especialista não acredita que as mudanças tenham grande impacto nas Assembleias. Os temas que sofreram mais mudanças são as informações relacionadas aos aspectos ESG e à remuneração.

Rogério Santana, da B3, também aponta as mudanças nas informações sobre remuneração como a principal alteração da nova resolução da CVM. “Um dos documentos que devem ser divulgados junto com o edital de convocação e a proposta de administração é o anexo de remuneração. Ocorreram algumas evoluções a fim de eliminar redundância neste capítulo e trazer algum detalhamento adicional sobre a remuneração dos administradores”, comenta o Diretor da B3. Neste sentido, será preciso antecipar e divulgar para o mercado qual é a proposta de remuneração da administração.

Preocupação com as estatais

A Temporada de Assembleias 2023 ainda apresenta outro foco de preocupação dos acionistas das companhias. Trata-se do risco do que se considera retrocessos na governança das estatais. “Está ainda bastante incerto. Acredito que existe uma intenção do novo governo em ter uma participação mais ativa nas estatais. Hoje discutimos potenciais mudanças e retrocessos nas leis das estatais, e dependendo de como esse tema evoluir, deve engatilhar uma mudança mais relevante ou menos relevante na governança dessas empresas”, analisa Tiago Rodrigues.

Ricardo Magalhães,da Argucia Capital Management. Foto: Divulgação.

Ricardo Magalhães, Sócio e Gestor da Argucia Capital Management, explica que a principal preocupação do mercado é o retorno da prática de indicações políticas em detrimento de pessoas com capacitação mais técnica para os Conselhos das estatais. “O mercado acendeu o sinal de alerta devido às discussões e tentativa de alteração da Lei das Estatais no final do ano passado”, lembra. As mudanças não passaram no Senado, porém, a intenção do novo governo federal ficou evidenciada, segundo o gestor. Por isso, é necessário verificar qual a atitude da União nas indicações dos membros para os Conselhos destas companhias nas Assembleias de 2023.