Assembleia, comitê especial e transparência: a visão dos gestores sobre TPRs
Nos últimos anos, conflitos societários gerados por Transações com Partes Relacionadas (TPRs) têm ocorrido com frequência e, segundo diversos gestores ouvidos pelo Panorama Amec, parecem estar longe de acabar. Isso porque, com uma estrutura de capital concentrada e lacunas na regulação, o mercado brasileiro ainda precisa percorrer um longo caminho para lidar melhor com essas operações.
Conceitualmente, estas transações podem envolver recursos, serviços ou obrigações entre empresas do mesmo grupo, normalmente com o objetivo de aproveitar sinergias e gerar mais eficiência operacional. No entanto, não é raro ver casos em que estas operações são pouco transparentes e não seguem o princípio da comutatividade, afastando-se de condições de mercado. Nesse caso, é comum que acionistas minoritários se sintam expropriados.
Na visão da Portfolio Manager da Robeco, Daniela da Costa Bulthuis, os conflitos de interesses nas empresas estão aumentando, em meio a “retrocessos com uma clara deterioração da governança”.
E para quem imagina que o problema é mais grave no mercado brasileiro, não é bem assim. “É um problema mundial. Isso ocorre porque envolve com frequência os controladores estrangeiros, que costumam realizar TPRs com suas controladas em outros mercados. O que é um agravante para o caso brasileiro é a fragilidade da regulação e a falta de atuação mais efetiva da Comissão de Valores Mobiliários”, comenta Daniela.
Aprimoramentos
Um dos pontos mais criticados pelos gestores é a falta de critério a respeito de quais operações devem ser submetidas ao crivo da assembleia de acionistas. Ainda que a Lei n° 14.195/2021 tenha estabelecido que a alienação de 50% dos ativos envolvendo TPR deve ser debatida em assembleia, especialistas como a ex-diretora da CVM, Luciana Pires Dias (leia entrevista), consideram que tal patamar é excessivamente elevado e, portanto, não é eficaz para evitar conflitos.
Há gestores como Ricardo Magalhães, Sócio da Argucia Capital, uma das assets fundadoras da Amec, que propõem que não apenas as operações societárias, mas outras transações relevantes também deveriam ir à votação.
“Deveríamos baixar a régua para levar assuntos à assembleia. Infelizmente, muitas TPRs não passam nem pelo conselho, ficam apenas na diretoria”, comenta Ricardo, acrescentando que a regulação deveria seguir uma escala com requisitos para definir a relevância da operação e, de acordo com sua importância, encaminhá-la para diretoria, conselho ou assembleia.
Daniela Bulthius, da Robeco, vai além e defende não apenas que as operações de grande volume sejam debatidas em assembleia, mas que o acionista controlador seja impedido de votar nesses casos. Vale lembrar que, atualmente, esta tem sido uma prática adotada por empresas com elevados padrões de governança.
Ricardo propõe ainda a necessidade de formação de um comitê nas companhias para lidar com as TPRs. Esse comitê deveria contar com a participação de pelo menos um membro independente eleito por minoritários. “O funcionamento de um comitê permitiria melhorar o processo de avaliação das transações, com mais qualidade na análise e aprovação dos laudos técnicos das operações”, diz.
Obras de ficção
André Gordon, sócio e responsável pela gestão da GTI, aponta a fragilidade dos laudos de avaliação como um dos principais problemas que incidem sobre a falta de transparência de diversas operações com partes relacionadas. “Existem áreas cinzentas na regulação. Por exemplo, a questão dos laudos de avaliação, muitos deles têm um custo muito alto e acabam se revelando verdadeiras obras de ficção”, comenta.
O gestor da GTI alerta que as TPR não são um problema em si mesmas. Muitas delas são justificáveis e legítimas, mas desde que possam seguir os princípios da comutatividade e transparência. “Quando se trata de uma transação com parte relacionada, a transparência deve ser máxima, além do nível comum. Devemos evitar que um dos lados seja desfavorecido”, defende.
Como exemplo recente de “transação que pecou pela falta de transparência”, André cita o caso do pagamento de royalties da Neoenergia para o uso da marca de sua controladora, a Iberdrola — uma operação acordada em março de 2021, mas que foi divulgada apenas em dezembro daquele ano.
Na ocasião, o presidente da Amec, Fabio Coelho, se manifestou, ressaltando que, para garantir a transparência da operação, a Neoenergia deveria compartilhar detalhes sobre os documentos analisados para cálculo do valuation da marca, “sobretudo por se tratar de empresa listada no Novo Mercado”.
Ricardo Magalhães, da Argucia Capital, concorda que a operação da Neoenergia com a Iberdrola apresentou diversos problemas, incluindo a ausência de ação do conselheiro independente que não tomou as providências necessárias para informar ou avaliar os acionistas a respeito das condições da transação. Ele explica que se não há informações suficientes, é difícil avaliar a situação de comutatividade das operações.
O papel do investidor
Ainda que haja espaço para melhorias na regulação, os investidores não podem se eximir da tarefa de conduzir avaliações de governança minuciosas se quiserem realmente evitar problemas com TPRs.
Para Marcelo Nantes, sócio e portfolio manager da Tower Tree, mudanças regulatórias como o impedimento do voto do controlador na assembleia quando houver conflitos de interesses em TPRs viriam a calhar, mas dificilmente solucionariam o problema em empresas com histórico de governança ruim.
“Temos de fazer o dever de casa. O gestor deve analisar as empresas para entender o risco que está correndo. Deve concentrar o foco no ‘G’ de governança, avaliando o track record do controlador”, sugere.
No fim do dia, é através do preço que a opinião dos gestores se faz mais presente, com muitos comentando que um histórico práticas negativas envolvendo TPRs acaba se refletindo em um desconto na precificação das companhias envolvidas.