Entrevista José Guimarães Monforte: Governança das estatais enfrenta teste de maturidade

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Depois de passar por uma fase de avanços e aperfeiçoamentos nos últimos anos, a governança das companhias de controle estatal volta a ser ameaçada com posicionamentos de ingerência política por parte do principal controlador, a União. A opinião foi apresentada pelo conselheiro profissional, José Guimarães Monforte, em entrevista exclusiva ao Panorama Amec. Para ele, a governança das estatais sofre uma recaída no momento, em meio ao que classificou como sendo um importante teste de maturidade.

Atual membro do Conselho de Administração do Banco do Brasil, Monforte tem longa experiência de ter atuado em órgãos de governança de diversas empresas privadas e estatais. Sua última experiência inclui a atuação como Presidente do Conselho de Administração da Eletrobras de agosto de 2017 a dezembro de 2020, quando renunciou à posição.

Defensor do processo de privatização da companhia do setor elétrico, ele deixou a companhia devido à perspectiva que passou a apontar dificuldades em avançar nessa direção. Ex-membro do Conselho de Administração da Petrobras e ex-executivo do Citibank, Monforte aborda também aspectos da Lei de Governança das Estatais e a ascensão do ESG (ambiental, social e de governança) na entrevista. Leia a seguir na íntegra:

José Guimarães Monforte. Foto: IBGC.

Como avalia a evolução da governança das estatais nos últimos anos?

A governança das estatais flutua muito de acordo ao perfil do controlador. Apesar de verificarmos comportamentos indevidos, com a ingerência do controlador, o chamado abuso do poder de controle, acontece em maior ou menor medida dependendo da cultura, da ideologia, das crenças do controlador da hora, do Poder Executivo. Então, se voltarmos para o início da década passada, vimos um controlador que usou e abusou das estatais. Assim como houve outros momentos lá atrás, mas não é o caso de voltar mais que isso.

Quais as consequências das ingerências políticas de governos anteriores?

Isso redundou em todas as investigações de Petrobras, Eletrobras, na desvalorização imensa do patrimônio. Houve um elevado grau de ingerência na gestão das companhias, pois os conselhos eram formados com grande maioria de conselheiros que seguiam o controlador, com seus votos, que deveriam ser independentes, mas não era assim que acontecia. Por outro lado, havia começado, ao mesmo tempo, um ciclo de maior ativismo.

Poderia comentar sobre as experiências de maior ativismo?

Claro que havia ativismo antes do episódio Petrobras, mas minha experiência tem início quando o Mauro [Cunha] vai para a companhia em 2013 e ele me convida em 2014. E a gente enfrenta aquilo tudo, sempre perdendo no voto, mas marcando posição. E havia uma série de instituições, entre as quais a Amec e o IBGC, que fizeram sua parte. O IBGC criou uma disciplina de governança nas estatais que foi evoluindo bem, inclusive com a ajuda da Lei 13.303, a chamada lei de governança das estatais.

O que representou a Lei de Governança das Estatais?

Apesar de termos algumas críticas ao texto, ela dificultou muito a ingerência na gestão do negócio, principalmente na questão das indicações políticas. Tem falhas, claro, mas com certeza ajudou nesse movimento. Tanto é que se chegou ao governo Temer e continuou um pouco no governo atual, mas principalmente no anterior, quando as cadeiras com indicação do controlador, na maior parte sendo ocupadas por conselheiros independentes. Foi uma evolução que chegou até agora, que podemos dizer que estamos tendo uma recaída.

Poderia analisar melhor como está ocorrendo esse retrocesso?

Infelizmente, no caso da Petrobrás, neste momento presenciamos um cenário adverso para a imagem da empresa com relação ao preço do combustível. No caso de instituição financeira de controle estatal, as questões se relacionam a um plano estratégico que mira na eficiência, mas que não é tão popular. Isso tudo acaba gerando um gatilho para este momento ruim da governança. Então, diria que estamos passando por um teste da maturidade dessa evolução em direção a uma governança mais independente, que prioriza o que é melhor para a companhia e seus stakeholders. Esse é o cenário atual, mas precisamos acompanhar os desdobramentos.

E quais os impactos dos eventos recentes na escolha dos administradores das estatais?

Há posturas que indicam esquecimento ao fato de que as empresas são de capital aberto por opção, e que tem float, ou seja, quantidades de ações negociadas no mercado em proporções muito elevadas. O Banco do Brasil tem 49,5% das ações em mãos de investidores privados. A Eletrobras tem quase 40%. A Petrobras tem outro tanto. Então, elas devem se submeter à Lei das S.As. e ao mercado de capitais, regulação da CVM, que devem ser seguidas. Apesar da indicação do principal executivo ser prerrogativa do controlador em algumas estatais, é absolutamente contra os cânones e respeito aos minoritários e a governança da companhia.

O que deveria mudar para preservar a blindagem da governança das estatais?

O controlador tem o direito de eleger a maioria das cadeiras do Conselho das estatais. O processo de seleção de membros, se contarmos com a ajuda das empresas, devemos buscar bons conselheiros que buscarão fazer o que é melhor para a empresa. A OCDE pede muita clareza quando houver um complemento de papel social, que isso seja muito bem especificado no mandato deste conselho e da empresa, e que isso seja feito de forma transparente.

E qual a postura mais adequada dos investidores para proteger a governança?

Mesmo que o investidor não consiga engajar em todas as companhias onde detém participação, ele deveria minimamente se fazer presente em determinadas posições. Houve um ano que mandamos uma proposta de remuneração para os executivos da Eletrobras, que não era a visão da SEST. E não houve uma manifestação forte dos investidores em assembleia a favor de uma proposta que era a melhor para a companhia. A União votou contra e os investidores não se manifestaram. Acho que é importante se manifestar nos momentos importantes, mesmo não ganhando. Isso ajuda a criar outra percepção do outro lado, que precisa acolher visões diversas.

Poderia analisar a situação da Eletrobras e a proposta de privatização?

Basicamente o quadro é o seguinte. A Eletrobras atua hoje em um setor de livre competição. Tem muitas empresas poderosas de capital privado que competem diretamente com ela. Permanecendo estatal, a Eletrobras não tem condições de manter a competitividade neste ambiente. Ano após ano, ela vem perdendo fatia de mercado para as concorrentes eminentemente privadas. Se continuar assim, ela pode se tornar pouco relevante. E irá perdendo valor cada vez mais.

Não é possível manter a competitividade na condição de estatal?

Por ser estatal, a empresa carrega uma série de custos que a torna não competitiva, tanto pelo custo do dinheiro que ela paga, que é mais alto, quanto pelo custo de operação, não conseguindo, portanto, vencer leilões. E a nova governança trouxe uma regra muito rígida para tentar evitar erros do passado. Só se pode realizar ofertas em leilões se der retorno acima do custo de capital.

Como a privatização poderá contribuir para a recuperação da competitividade da Eletrobras?

Há aspectos da governança que são críticos, como a gestão de pessoas, em que o espaço é muito pequeno em uma empresa com controle estatal. A privatização devolve a liberdade para a companhia exercer a governança e a gestão no nível das empresas privadas. Como estatal, não se pode dar prêmios, não se pode dar incentivos, além de haver uma série de outras restrições que implicam maiores custos.

Poderia analisar a ascensão do ESG para os investidores e as companhias?

Os investidores descobriram a importância do ESG no cenário atual e perceberam que, se os stakeholders não tiverem lealdade às companhias, elas vão começar a perder valor. Então, o investidor disse “eu também vou aplicar critérios de seleção para maior sustentabilidade nas companhias”. Hoje em um momento que o capital está em excesso de oferta, conservar a lealdade dos stakeholders é absolutamente fundamental para a criação de valor para a companhia.

O que precisa avançar ainda em termos de ESG das companhias?

Acho que o “S” do ESG, que estava meio relegado ao segundo plano, está ganhando muita relevância. E a pandemia trouxe essa consciência que o social estava abandonado. E claro, vejo que a governança que ainda tem um longo caminho para avançar e buscar o melhor para as companhias.