Entrevista Marcelo Giufrida: Mais risco e volatilidade no horizonte

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As perspectivas positivas para o crescimento do mercado de capitais brasileiro podem estar saindo do horizonte para o final deste ano e para 2022. Se em anos eleitorais, a instabilidade já costuma ser mais acentuada, fatores como o retorno da pressão inflacionária, as propostas da Reforma Tributária e seus impactos para a indústria de fundos, e o aumento dos riscos internacionais devem elevar muito mais a volatilidade para o mercado no ano que vem. É o que explica Marcelo Giufrida, CEO da Garde Asset Management e ex-Presidente da Anbima, em entrevista exclusiva ao Panorama Amec.

Com longa trajetória na indústria de gestão de recursos, tendo sido presidente da asset do BNP Paribas no Brasil e gestor do antigo CCF, Giufrida comenta os riscos que ameaçam o desenvolvimento da indústria de fundos e da Bolsa doméstica. “Se for aprovada uma Reforma com regras negativas para o setor, somando com o cenário mais volátil para o ano que vem, sejam por questões internas ou externas, teremos um horizonte mais preocupante”, diz.

Marcelo Giufrida, CEO da Garde Asset Management. Foto: Divulgação

Olhando para a conjuntura, podemos dizer que a pressão inflacionária e o novo ciclo de alta dos juros terão efeitos relevantes no mercado?

Esses fatores estão gerando turbulência. Enquanto a Bolsa americana está testando seus recordes, a nossa empacou. Chegou a bater 132 mil pontos, mas depois voltou. O dólar que também tinha respondido bem, voltou a piorar. Então, não foi apenas a questão dos juros. Entraram outras questões de risco, como a CPI e o cenário político. De fato, o cenário atual causa incômodo. Do ponto de vista prático, estamos percebendo que os investidores estão voltando a olhar para os produtos vinculados ao CDI.

E como essa busca por renda fixa vai se manifestar entre os diferentes produtos da classe?

Acho que deve começar pelos fundos de crédito, que são fundos que têm maior atração no curto prazo. Têm um risco que não se manifesta no dia-a-dia porque pagam CDI mais um prêmio. E a oscilação do ganho acima do CDI tem uma baixa frequência, referente ao prêmio de risco de crédito, que não é tão visível. Quando se pega um papel pré-fixado ou uma NTN-B mais longa, como é mais sensível ao prazo, apresenta maior oscilação. Quando olhamos a renda fixa, vemos o aumento do interesse de ativos atrelados ao CDI. É uma mudança em comparação com o ano passado, quando ninguém queria nada atrelado a ele.

Você citou vários ruídos que pairam no radar do investidor. Como avalia o impacto da Reforma Tributária sobre a indústria de fundos?

A proposta inicial da Reforma quebrou uma lógica muito antiga e valorizada de que a tributação incidia sobre o investidor. Então, os fundos recebiam os recursos de todas as fontes, juros, dividendos, ganhos de capital, e tudo isso era tributado no cotista. Quando o imposto sobre dividendos é cobrado na origem da empresa, isso gera uma situação muito danosa, porque se tributa primeiro na empresa e depois tributa de novo no fundo. E quem investe diretamente é tributado uma vez só. Isso gera um desincentivo grande para o produto fundo, que será mais acentuado quanto maior for o investidor.

A Reforma é o maior risco?

Se as regras tributárias forem muito desfavoráveis, ainda mais com a tributação dos fundos fechados exclusivos, os grandes investidores podem se sentir desincentivados a manter os recursos aqui no Brasil. A Reforma ainda está em discussão e temos a esperança que na última hora ainda seja aprovada uma versão mais neutra, que não provoque tantos problemas para a indústria e para os investidores. É importante esclarecer que não estamos pleiteando benesses. A Amec tem uma preocupação institucional de defender uma proposta que dialogue com os interesses dos diversos atores do mercado e seus representantes.

Como estão as discussões em torno do Projeto de Lei?

A lei ainda não está aprovada, mas a terceira versão da proposta ainda traz uma distorção grande, porque a solução indica que o fundo recebe o dinheiro líquido e repassa para o investidor direto. Aí vemos dois grandes problemas. Um deles é um custo operacional muito grande porque no Brasil temos o segmento de fundo de fundos. Temos fundos agregadores, com distintas camadas. Fazer isso fluir ao longo das diversas camadas exigirá um trabalho computacional gigantesco para que se mantenha o controle dessa distribuição. Estamos em conversas com as autoridades para chegar a uma solução que não gere uma complicação operacional. Mas entendemos que o governo tem uma decisão tomada de tributar os dividendos. Estamos buscando uma solução que consiga equalizar todas as variáveis. A Amec tem participado bem das discussões junto com outras entidades representativas como a Anbima, Febraban, Abrapp e Abrasca. Todas elas têm interesse nesse assunto.

Além da tributária, como você avalia o horizonte para a indústria?

Acredito que há um risco de mudança de atitude do investidor em relação aos fundos. E ainda mais porque no ano que vem, será um ano de eleições, poderá ser um período bastante turbulento. Todo ano de eleições já costuma ser turbulento. As eleições ainda estão muito polarizadas. Antes tínhamos uma tendência a serem jogadas para o centro. Agora as propostas estão muito polarizadas. Isso aconteceu em 2014, voltou a ocorrer em 2018 e provavelmente ocorrerá em 2022.

Acredita que será um ano de ainda mais desafios para os fundos?

Essa alta volatilidade em ano eleitoral afeta o investidor. Pode ser ruim para os fundos domésticos. Pode ocorrer maior direcionamento das aplicações para o exterior. Embora tenham FICs para investir no exterior, mas a estratégia está lá fora. A maior parte dos investimentos no exterior utiliza a estrutura dos FICs, que atuam apenas como conduítes para levar o dinheiro para fora. Isso é ruim para a indústria local. Esse final de ano tem tudo para colocar interrogações na frente.

Há outros ruídos do exterior como consequência das medidas adotadas durante a pandemia?

Globalmente podemos ter turbulências também, com a subida dos juros em vários mercados. O Banco Central americano deve retirar os estímulos competitivos. Eventualmente poderemos ter uma ressaca geral, com o enxugamento dos estímulos monetários e fiscais. E a inflação está subindo a nível global, então poderemos ver ações para frear a alta dos preços. Estamos vendo também outras ações mais imediatas, como as ações da China no mercado de capitais interno. Fazendo ações pontuais em relação a empresas que abriram capital fora. Parece um pouco distante, mas tem impacto. É uma atitude mais intervencionista que a China não costumava fazer. E muitas ações políticas podem ser copiadas por outros países, pois a China é admirada por muitos. Sempre dá um álibi para outros países tomarem decisões parecidas.