Entrevista Renata Schmitt: Falta de rigor e transparência nas métricas sobre remuneração dificulta a análise dos investidores

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Com experiência e visão de quem acompanha diversos mercados nas Américas, Renata Schmitt concedeu uma entrevista exclusiva para o Panorama AMEC na qual trata da evolução da governança das empresas brasileiras em comparação com outros mercados da região, sobretudo o dos Estados Unidos. Head de research na América Latina na Institutional Shareholder Services (ISS), responsável pela cobertura de empresas de capital aberto em toda a região, Renata aponta exemplos como a falta de transparência e de métricas divulgadas publicamente para a definição dos pacotes de remuneração de executivos das empresas brasileiras.

Renata Schmitt, da ISS. Foto: Divulgação.

“A qualidade da informação ainda é insuficiente e muitas vezes não permite que os acionistas entendam a relação entre a remuneração e a performance de longo prazo da empresa. Os dois elementos não são claramente conectados na divulgação das informações de remuneração no Brasil”, diz a Head de Research da ISS. A especialista compara a situação atual do mercado brasileiro com o americano, onde as exigências são mais rigorosas e as informações mais detalhadas.

“Uma importante diferença entre as informações divulgadas no mercado americano comparado com o brasileiro é o fato de a divulgação da remuneração nos Estados Unidos ser individualizada.”, comenta em outro trecho.

Formada em jornalismo no Rio de Janeiro, Renata Schmitt mudou de área para se tornar referência em governança da região.  Ela iniciou sua carreira como jornalista no jornal O Dia, do Rio de Janeiro, transitando por comunicação corporativa e relações públicas com passagens pela TV Globo. Possui MBA Executivo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC-RJ) e Mestrado em Comunicação Internacional pela American University, em Washington, DC. Confira a entrevista a seguir:

Quais os temas que deverão predominar nas assembleias das companhias em 2023?

Quando olhamos globalmente os assuntos, destaca-se a questão climática, que está sob o guarda-chuva do ESG. É um terreno onde ainda se verifica dificuldade em termos de alinhamento de dados e padronização, tanto para a elaboração de relatórios quanto para a análise das informações, mas é uma área de grande atenção no radar dos investidores globalmente.

Poderia explicar melhor o que os investidores estão demandando das empresas em termos de informações sobre questões climáticas?

Uma das principais demandas dos acionistas continua sendo a qualidade da divulgação das informações das empresas. Há uma expectativa de mais transparência. Mas como se trata de um tema que ainda está em desenvolvimento, a falta de padronização dificulta a comparabilidade dos dados para uma análise mais abrangente. Padrões de divulgação de informações, como o Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD), assim como outros que estão em discussão, poderão abrir uma nova fronteira em termos de qualidade da informação.

Existe alguma evolução na qualidade das informações sobre o clima?

Há cerca de dois anos, começamos a ver propostas conhecidas como say on climate, numa referência ao say on pay relacionado às propostas de remuneração nos Estados Unidos. O say on climate é uma proposta apresentada pelas empresas que buscam validação e suporte dos seus acionistas aos seus planos e estratégias para redução de gases de efeito estufa, por exemplo. São propostas non-binding, ou seja, o voto dos acionistas é mais simbólico e não carrega o poder de necessariamente mudar certas estratégias de mitigação de riscos climáticos.

No entanto, o resultado pode influenciar e motivar as empresas a revisitarem ou redirecionarem suas estratégias como forma de responder as críticas levantadas por acionistas.  Um baixo nível de suporte a estas propostas é considerado um forte indicador de falta de confiança no modelo apresentado e pode influenciar negativamente a reputação da empresa.

Essas propostas começaram na Europa, região que tem liderado o campo de desenvolvimento regulatório em termos de ESG. Apesar dos números serem relativamente baixos, estas propostas têm aumentado ano a ano. Até hoje, registramos 43 say on climate propostas apresentadas pelas empresas aos seus acionistas, 31 delas na Europa, sendo que a França (11) e o Reino Unido (12) registraram a maior parte dessas propostas. Na Austrália, vimos oito propostas do gênero.

Nas Américas, até agora registramos apenas duas no Canadá. Nos Estados Unidos, a prática mais comum continua sendo de propostas temáticas, relacionadas ao ESG, apresentadas pelos próprios acionistas. No Brasil e na América Latina ainda não vimos propostas na linha do say on climate, apresentadas pelas próprias empresas, e nem em temáticas específicas do ESG apresentadas por acionistas.

No aspecto da governança, como foram as discussões sobre remuneração de executivos nas assembleias das empresas americanas em 2022?

Na última temporada de assembleias nos Estados Unidos, houve uma redução do nível de apoio dos acionistas às propostas de remuneração das empresas, o que atingiu o seu nível mais baixo, baseados nos dados da ISS, desde os primórdios dessas propostas em 2011. Vale lembrar que, diferentemente do Brasil, essas propostas não são binding nos Estados Unidos. Ou seja, o voto dos investidores sinaliza suporte ou descontentamento com as práticas de remuneração da empresa. Mas, como as informações divulgadas se referem ao ano anterior, os pacotes de remuneração já foram pagos.

Alguma explicação fundamental para esse aumento de rejeições nos pacotes de remuneração de executivos nos EUA?

Um dos principais problemas apontados por investidores tem sido a magnitude das remunerações mostrando aumentos na compensação de executivos que remetem a níveis pré-pandemia. Enquanto no primeiro ano da pandemia do COVID, em 2020, empresas foram mais conservadoras e limitaram pacotes de remuneração em vista das incertezas e baixa de performance de vários setores, em 2021, notou-se o níveis de remuneração ainda mais altos do que pré-pandemia. Em alguns casos, a remuneração atingiu níveis nunca verificados para as empresas listadas no S&P 500.

Em termos de qualidade das informações divulgadas, como podemos comparar a remuneração nos diferentes mercados?

Uma diferença fundamental, por exemplo, é que a informação nos Estados Unidos é individualizada. Há mais transparência em relação à remuneração de cada executivo chave da empresa e de cada conselheiro. As empresas também divulgam métricas detalhadas, o percentual de participação de cada métrica na composição da remuneração total, o nível de atingimento dessas métricas (abaixo do alvo, no alvo, ou acima), e peer groups, além de outros elementos chave.

No Brasil, temos uma divulgação de valores agregados, que não é individualizada. No entanto, como há a divulgação das remunerações mais altas entre os executivos e os conselheiros de uma empresa, consideramos que, em geral, o executivo mais bem pago seria o CEO e, dentre os conselheiros, seria o presidente do conselho. No entanto, pode haver variações dependendo das empresas.

E quais são outros desafios em relação à divulgação de informações sobre remuneração no Brasil?

A falta de transparência das informações dificulta a análise de como a remuneração está atrelada à geração de valor a longo prazo da empresa. Os dois elementos não estão necessariamente associados na narrativa divulgada pelas empresas no Brasil. É importante mencionar que houve uma melhora significativa na divulgação de dados de remuneração no Brasil e o país está à frente na região em termos de práticas de divulgação quando comparado a outros peers na América Latina.

No entanto, ainda há oportunidade para melhoria da narrativa, que vai além das divulgações obrigatórias.  Métricas detalhadas ainda são raras, e mesmo quando são divulgadas, é difícil ter visibilidade em relação ao rigor das métricas.

Quais os problemas que a falta de métricas acaba gerando para os acionistas?

Muitas vezes a empresa apresenta uma proposta com um significativo aumento na remuneração global. Em geral, as empresas cumprem com todas as obrigações de divulgação das informações, mas falta a narrativa, a justificativa para o aumento significativo da remuneração global. Com o aumento da pressão inflacionária, chegamos a ver informações que se referem a aumentos em função da inflação, o que é vago, e normalmente não oferece uma correlação direta com o volume do aumento proposto. A falta de uma justificativa mais elaborada dificulta a análise de como a proposta de remuneração global está alinhada à geração de valor sustentável no longo prazo.

E como avalia a evolução do uso de métricas ESG nas políticas de remuneração das empresas?

Apesar do aumento na adoção de métricas ESG globalmente, no Brasil, isto ainda parece ser exceção. Mas essa é uma prática que está avançando e evoluindo nos últimos anos. Não há uma homogeneização e o modelo a ser adotado depende da materialidade dos riscos para cada empresa, o que varia entre setores diferentes e até mesmo para empresas diferentes dentro de um mesmo setor. Um aspecto fundamental, no entanto, é a transparência para que acionistas possam avaliar o rigor dessas métricas. Métricas de ESG baseadas em aspectos do dia a dia das empresas podem ser questionadas em relação aos seus efetivos impactos e podem não estabelecer os incentivos apropriados para mitigação dos riscos.

Até agora, temos visto métricas de ESG pesadamente concentradas na remuneração de curto prazo. Mas, eventualmente, há necessidade de que essas métricas sejam refletidas também na remuneração de longo prazo, visando à sustentabilidade e à geração de valor.

Há mudanças significativas no horizonte para o mercado americano em relação à divulgação de métricas de remuneração?

A Securities and Exchange Commission (SEC) dos Estados Unidos divulgou uma nova determinação em agosto de 2022 em relação à divulgação de informações sobre remuneração e performance das empresas, que faz parte da Lei Dodd Frank mas que ainda não havia sido implementada.

Já em 2023, as empresas americanas terão que divulgar novas tabelas com dados da remuneração paga e os indicadores de performance utilizados nos últimos cinco anos, o que representará uma mudança significativa na divulgação de informações. Também há a expectativa de que a regra referente ao claw back, um mecanismo por meio do qual empresas poderiam recuperar valores pagos como remuneração, baseado em certas circunstâncias, deve ser finalizada em breve.

Além dos desafios verificados com as informações sobre remuneração, há outras áreas nas quais práticas de governança podem ser melhoradas no Brasil?

O nível de independência e a composição dos conselhos de administração das empresas são fundamentais para uma boa governança, então é preciso estar atento às oportunidades para o aumento da independência e representatividade no conselho. Daí a relevância dos processos e políticas de nomeação de conselheiros. Uma maior transparência em relação às transações com partes relacionadas e aos potenciais conflitos de interesse são sempre aspectos importante nos mercados em geral.

Em relação aos conselhos, um tema sempre presente é a questão da diverdade. Como avalia a evolução da da composição dos Boards no Brasil?

A evolução tem sido lenta, mas continua. A América Latina, em geral, segue atrasada em termos de diversidade de gênero nos conselhos de administração, mas acho que ninguém mais debate os benefícios dessa prática. Esta é uma expectativa muito presente da parte dos investidores institucionais e muitos tem as suas próprias políticas de voto em relação à diversidade de gênero. O próximo desafio, além de acelerar e solidificar a diversidade de gênero em números mais representativos, incluindo posições de liderança nos conselhos de administração, será atingirmos outras dimensões de diversidade, especialmente a diversidade de raça.

Há vários mercados que avançaram na maior presença de mulheres nos órgãos de governança, não é mesmo?

Sim. A Europa, apesar de haver diferenças entre vários países, exerce liderança em termos de diversidade de gênero. A União Europeia recentemente anunciou a criação de cotas de 40% para mulheres nos conselhos de administração, até 2026, para todos os 27 estados membros. A prática continua avançando.

No Brasil, nesta última temporada de assembleias, em 2022, ainda vimos empresas do Novo Mercado, o segmento de governança mais rigoroso da B3, apresentarem aos seus acionistas propostas para eleição de conselho de administração inteiramente masculino. São exceções, mas ainda existem.