Entrevista Sônia Favaretto: Agenda ESG continuará em foco

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O tema já vinha com uma valorização crescente nos últimos anos, e o advento da pandemia ressaltou as questões sociais e de saúde, integradas com os aspectos econômicos das companhias. A Especialista em Sustentabilidade e Conselheira de Administração, Sônia Favaretto, analisa o processo de ascensão da agenda de sustentabilidade na relação das empresas com os investidores.

Sônia Favaretto, Especialista em Sustentabilidade e Conselheira de Administração.

Presidente do Conselho Consultivo da GRI Brasil e ex-Diretora da B3, Sônia prevê que a eleição do democrata Joe Biden deve reforçar a manutenção dos temas ESG como um dos principais pontos de atenção da economia global para 2021 e possivelmente para os próximos anos. Em entrevista exclusiva para o Panorama Amec, ela fala sobre a ampliação do espaço dos especialistas em sustentabilidade nos Conselhos e nos comitês de assessoramento das companhias. Ela mesma assumiu uma vaga no Conselho de Administração do BNDES, em agosto passado.

Confira a entrevista na íntegra:

Na sua opinião, como a pandemia colaborou para a ascensão das questões ESG para empresas e investidores?

Já vínhamos em um movimento crescente nas questões ESG. Para quem não estava muito envolvido nessa agenda, pode parecer que a pandemia colocou o tema em foco. Mas não é bem assim. Nos últimos 4 ou 5 anos, a agenda já vinha se fortalecendo muito, mas sem dúvida a partir do ano passado foi se intensificando. Quando ainda estava na B3, toda semana recebíamos demanda desse tema. Depois tivemos o posicionamento da Business Roundtable, da Carta da BlackRock, Davos. Mas a pandemia trouxe sim uma grande visibilidade e colocou o tema ESG nas rodas de discussão de toda a sociedade. A pandemia acelerou para colocar as questões na porta de entrada do mercado.

De que forma as empresas tiveram de mudar de atitude e posicionamento?

Os CEOs tiveram de se manifestar, mesmo nas empresas que atuam com sustentabilidade há muito tempo. Mas muitos CEOs não tinham assumido o protagonismo dessa agenda e agora tiveram de mudar. Eles se uniram, se posicionaram. Vemos também as assets como investidores se posicionando, criando ou fortalecendo as áreas ESG, como a XP, a JGP, e outras, que já tinham isso como prática, mas que formalizaram em suas estruturas.

Para a Sustentabilidade, o que diferencia a pandemia da crise de 2008?

Na crise financeira de 2008, trabalhamos muito para que as questões de sustentabilidade fossem mantidas no pós-crise, mas não aconteceu da maneira que queríamos. Acho que isso ocorreu por causa da natureza da crise. Hoje estamos falando de uma crise relacionada ao social, à saúde e ao meio-ambiente. Daí estamos percebendo mais nitidamente a conexão entre o ambiental, o social e o econômico. Ou seja, a natureza da crise da Covid-19 fortaleceu essa compreensão e acelerou essa consciência. Se pudermos dizer que há algo bom na pandemia, um aspecto é quanto o ESG ganhou destaque e visibilidade.

Em um de seus artigos no jornal “Valor Econômico”, você coloca uma letra a mais, propondo o “EESG”, com uma referência ao “econômico”. Poderia comentar esse conceito?

Não dá pra falar do social, do ambiental e da governança, sem falar do econômico. A ideia é propor uma lógica de mundo única com o objetivo de parar de quebrar em caixinhas. Parece que tem uma turma trabalhando para o ESG. E outra turma trabalhando pelo econômico. Então, a proposta de juntar as quatro letras, como profissional de comunicação que sou, tem a intenção de induzir comportamentos. E já tive feedbacks positivos, com essa ideia, de pessoas que não são da área de sustentabilidade. Não foi uma ideia que tive agora, já faz cinco ou seis anos. Tentamos disseminar esse conceito ainda na B3 e no IBGC, mas na época não aconteceu. E agora está se difundindo muito rápido.

O que representa a eleição do Joe Biden para o ESG no mundo?

O Biden já sinalizou as questões de mudança do clima como uma das vertentes importantes de seu governo. A vitória do Biden deve fazer crescer os estímulos para a economia verde nos EUA. Ele já disse que voltará para o Acordo de Paris. Isso muda muito na prática. É uma sinalização para o mundo com impactos para o Brasil. Geralmente é a Europa que puxa a agenda ESG, eles são os protagonistas. Os americanos têm ocupado uma posição em segundo plano. Se o Al Gore tivesse ganho lá atrás, essas questões teriam avançado mais. Mas agora com o Biden tem uma grande oportunidade.

Qual a sua projeção para o ESG nos próximos anos?

Temos a eleição do Biden e o cenário de pandemia, que já tinha colocado a agenda em evidência. Algumas pessoas me perguntam, depois da Covid-19 voltaremos ao que era antes? Como temos um presidente eleito da maior economia mundial, há uma tendência que se mantenha esse espaço em alta. Já vinham em uma crescente em 2019, com o posicionamento dos investidores, de Davos, etc, passando pela pandemia em 2020 e o novo governo democrata em 2021 e nos próximos anos.  

Poderia comentar o papel dos líderes das organizações nas questões ESG?

O papel da liderança é fundamental no avanço dos temas e práticas de sustentabilidade. Quando se tem um CEO e um Presidente do Conselho que entendem a importância do ESG, isso entrará na agenda. Estamos falando de questões que ainda não são mainstream, mas que precisam entrar. Tem uma frase que gosto muito, do professor Heiko [Spitzeck] da Fundação Dom Cabral: “você não vira CEO por causa da sustentabilidade, mas você deixa de ser por causa disso”. Um CEO que não está atento a essas questões, está colocando a companhia em risco. Está colocando o patrimônio e o valor de mercado em risco.

Quais devem ser os atributos desse líder em relação às questões ESG?

Tem uma pesquisa do Pacto Global da ONU e da consultoria Russell Reynolds, sobre os atributos de um líder sustentável. É uma pesquisa realizada com CEOs do mundo todo, que trabalham com sustentabilidade e, portanto, são referências no tema. E chegaram a quatro características. Ele pensa multinível, com uma postura abrangente, que olha para outras organizações. Ele inclui todos os stakeholders na tomada de decisões. É um CEO que pensa no longo prazo e que, por fim, tem inovação disruptiva. É preciso adotar uma lógica de disrupção quando se pensa em sustentabilidade. 

Poderia analisar o espaço dos especialistas em sustentabilidade nas Companhias e nos Conselhos?

O Conselho é um órgão mais estratégico, então não é um caminho muito simples. Mas tem uma questão dos comitês que assessoram os conselhos. O IBGC e a GRI fizeram uma pesquisa no ano passado que foi chamada de ESG como estratégia para perenidade nos negócios no século 21. Umas das conclusões dessa pesquisa foi a importância da criação de comitês para assessorar o Conselho nestas questões. Então, acho que tem dois caminhos para inserção de profissionais de sustentabilidade nesse nível de governança. Um deles passa pela criação desses comitês ou que se inclua o tema em outros comitês, como por exemplo de estratégia. E obviamente, colocar membros do Conselho com essa especialidade. É o que aconteceu comigo mesma com meu ingresso no Conselho de Administração do BNDES.

Poderia comentar o que representa a sua participação como especialista em sustentabilidade no Conselho de Administração do BNDES?

Dentro da lógica de diversidade dos conselhos, o BNDES quis trazer uma pessoa com perfil de sustentabilidade. É uma sinalização fundamental para o entendimento da própria estratégia dessa agenda. Foi decidido colocar uma pessoa no Conselho com essa especialização. Tomara que outras companhias também sigam nesse caminho. Não sou especialista em finanças, há outros conselheiros com essa expertise. É um movimento muito pioneiro e vanguardista. O BNDES já vinha com uma agenda forte de sustentabilidade que agora culminou com uma pessoa no Conselho. Quando assumi a posição em agosto passado, recebi muitas mensagens de pessoas que estavam emocionadas, que comemoraram a atitude do BNDES.

Ainda sobre diversidade, qual sua avaliação sobre a evolução do tema nos Boards?

Quando ainda estava na B3, fizemos roadshows com investidores para falar sobre ESG. No ano passado, um investidor perguntou, como estava a diversidade no Conselho da B3. Mas ele esclareceu que não queria falar apenas de diversidade de gênero, mas também de background, de experiência, de formação acadêmica. Eu gosto de analisar a diversidade de maneira mais ampla. Quando se fala em mulheres nos conselhos, tudo bem, mas não podemos ficar presos apenas ao gênero.

Mas o que temos visto ainda é uma pequena participação das mulheres, não é mesmo?

Vejo movimentos que querem que isso aconteça, mas sem dúvida, ainda vemos conselhos pouco diversos. Ainda têm predominância de conselheiros masculinos, com especialização em finanças ou estratégia. Até por toda discussão e pressão. Temos muitos movimentos para maior participação das mulheres e ainda há muito para avançar, mas entendo que hoje pelo menos o assunto está na pauta de maneira evidente. E isso ajuda a avançar.

O que fazer para melhorar os relatórios e o disclosure das empresas nas questões ESG?

A comunicação e o diálogo entre investidor e empresa é fundamental. Aqui temos o compromisso de aproximar esses dois mundos. Já temos frameworks reconhecidos mundialmente, como o GRI, Relato Integrado, TCFD, SASB, entre outros. O problema não é definir um único framework padrão ou comparado. Os investidores em geral reclamam que falta comparabilidade. Mas não vejo assim. Se o investidor pegar um relatório de uma companhia na China, na Índia, no Brasil, que seguem modelos GRI, ele vai ter dados comparáveis. A qualidade e a materialidade é uma questão de diálogo. O investidor vive de engajar empresas, então tem de entrar em contato para pedir a informação, e vice-versa.

E como avalia o engajamento do investidor pode melhorar a comunicação com as companhias nesses temas de sustentabilidade?

O engajamento é o menor caminho para diminuir entropia, para evitar perda de energia. O que recomendo é que depois do engajamento realizado pelo investidor, por exemplo, com um questionário ou reunião, haja um feedback para a empresa. Muitas vezes a empresa fica sem saber se a informação foi boa ou não, se foi útil, se ajudou na tomada de decisão. Sempre precisamos melhorar os relatórios, mas é muito mais uma questão de aproximar esses dois mundos, para sermos mais assertivos.