Entrevista Walter Mendes: A evolução da governança no Brasil não acompanhou o crescimento recente da bolsa

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Com uma longa experiência como gestor de renda variável em algumas das principais assets nacionais e internacionais – Unibanco, Schroders, Itaú -, além de ter participado duas vezes como membro do Conselho da Petrobras e mais recentemente na direção de fundos de pensão, Walter Mendes analisa o momento atual e os desafios para se avançar na governança das companhias e na proteção dos direitos dos minoritários.

Um dos fundadores da Amec em 2006 e atual Presidente do fundo de pensão Vivest (ex-Fundação Cesp), o executivo aponta o problema das práticas dos controladores das companhias que acabam se apropriando indevidamente do valor dos demais acionistas. “Hoje temos visto a multiplicação de cláusulas de ‘non compete’. As empresas pagam para antigos controladores, fundadores ou grandes executivos para não competir no futuro quando há uma aquisição, mas com valores absurdos. São valores desproporcionais”, diz em trecho da entrevista.

Ex-Presidente da Amec de 2006 a 2011, Walter é um entusiasta da atuação da Associação com o papel de buscar o aperfeiçoamento da governança das companhias. Ele é atualmente Presidente do Conselho Deliberativo da Amec. Ele fala também sobre o maior interesse das fundações em ampliar a participação na Amec, movidas por uma necessidade de maior engajamento nas empresas investidas.

Outro ponto importante que defende é o surgimento ou fortalecimento de um órgão como o CAF (Comitê de Fusões e Aquisições), que tem papel similar ao Takeover Panel da Inglaterra. Tendo sido diretor-executivo do CAF no Brasil, Walter lamenta que o órgão ainda não tenha “decolado” para atuar na análise e prevenção de conflitos nas operações de reestruturações societárias no Brasil. Confira a entrevista a seguir:

Poderia comentar como o cenário atual está impulsionando a maior participação dos investidores institucionais na Bolsa?

WALTER MENDES DE OLIVEIRA FILHO
Walter Mendes, da Vivest. Foto: Divulgação.

Os investimentos em ativos de maior risco, em especial na Bolsa, tiveram um forte crescimento nos últimos dois ou três anos por causa da queda das taxas de juros. Tivemos grande crescimento da participação das pessoas físicas. Também tivemos crescimento da participação em Bolsa dos multimercados e dos fundos de pensão. Então, todos os investidores domésticos aumentaram sua participação em renda variável. A exceção ficou por conta dos estrangeiros, que reduziram sua participação.

Você acha que a valorização da Bolsa e o aumento da participação dos investidores locais é sustentável?

Hoje a grande questão é essa, se o crescimento proveniente dos investidores locais é sustentável pelo desempenho das empresas daqui para a frente. Até agora, o crescimento foi impulsionado pela taxa de juros baixa, mas temos de ver se o crescimento das empresas irá sustentar tudo isso. Vemos que o crescimento por conta das pessoas físicas provoca alguns tipos de distorções no valuation de algumas empresas. Empresas que estão na moda, digamos assim, ficaram com valuation muito alto. Mas na média, em geral, a Bolsa brasileira não está cara. O problema é avaliar a sustentabilidade do crescimento econômico e do equilíbrio macro, principalmente na política fiscal.

De maneira geral, podemos falar que houve uma evolução da governança em companhias listadas?

Em termos de governança, a evolução foi muito aquém do que deveria ter sido para acompanhar o crescimento da Bolsa. Os grandes avanços ficaram lá atrás na época do Novo Mercado, quando se criou as classificações de governança. Tivemos pouca evolução de lá pra cá. Precisaríamos de um aperfeiçoamento da governança “pari passu” com o crescimento da Bolsa, simultânea com a evolução dos investimentos das pessoas físicas e dos investidores institucionais de forma geral. Senão você acaba aumentando o risco pelo próprio componente estrutural. Surge um risco adicional no Brasil com essa governança pouco evoluída. Neste ponto, a Amec tem um papel fundamental.

Poderia comentar um pouco mais sobre o papel da Amec nesse contexto?

A Amec tem um papel muito importante na atuação para o aperfeiçoamento da governança das companhias e do mercado. É a instituição que chama a atenção, que aponta as imperfeições e os problemas surgidos nas fusões e aquisições. Também atua no relacionamento não equitativo entre controladores e minoritários. Ou com os acionistas relevantes, porque hoje existem empresas sem a figura do controlador. Nestes casos também podem aparecer problemas muito sérios de prejuízo para os acionistas minoritários. Isso mostra que existe uma evolução aquém do necessário em termos de governança e prejudica sua sustentabilidade no futuro.

Quais os problemas mais recorrentes de governança das companhias que deveriam ser endereçados?

Uma das principais formas é o abuso do poder do controlador ou de perda de valor para os minoritários nas operações de fusões, aquisições e reestruturações corporativas. De forma geral, as empresas são muito criativas na apropriação de valor dos acionistas minoritários. Hoje temos visto a multiplicação de cláusulas de “non compete”. As empresas pagam para antigos controladores, fundadores ou grandes executivos para não competir no futuro quando há uma aquisição, mas com valores absurdos. São valores desproporcionais. Na verdade, é uma forma de pagar um prêmio de controle.

Como atacar esse problema?

Aqui no Brasil, falta um órgão similar ao “Takeover Panel” que existe na Inglaterra, que regula as fusões e aquisições e que evita que essas operações prejudiquem os minoritários. Aqui existe o CAF [Comitê de Fusões e Aquisições], mas diferente do que ocorreu no Reino Unido, aqui não houve o apoio suficiente da comunidade de investidores e das autoridades. A legislação é sempre mais lenta que a criatividade das empresas e dos escritórios de advocacia. Infelizmente, no Brasil o CAF ainda não tem condições de atuar para resolver esses problemas.

Como poderia ser criado ou fortalecido um órgão desse tipo no mercado brasileiro? Como deveria funcionar?

Poderia ser na forma do próprio CAF ou algum outro órgão que analise previamente as operações e que tenha a capacidade de acompanhá-las no momento em que são realizadas. Como o mercado não consegue viabilizar esse órgão por conta própria, acho que o governo deveria institui-lo. Na Inglaterra foi organizado por conta própria, mas com incentivo do governo. Na Austrália foi criado pelo governo, assim como em outros países da Europa. Sempre mantendo espírito de independência, com pessoas experientes contratadas no mercado. Eu fiz o curso lá na Inglaterra, é uma experiência fantástica, que o Brasil deveria seguir.

Mas nos EUA não existe um órgão desse tipo, não é mesmo?

É verdade, nos Estados Unidos não existe um órgão como o CAF, que faz fiscalização prévia, mas em compensação, tem a SEC que é o órgão de fiscaliza o mercado, que é rápido, eficiente e rígido. Tem um enforcement muito grande. Não se faz a análise prévia, mas se der algum problema, você tem de responder depois. Lá também existem as class actions, que formam um mecanismo judicial que permite que o minoritário que é prejudicado, seja ressarcido. Aqui isso praticamente não existe.

Então, você acha que temos de importar essas soluções?

Aqui nós importamos muitas novidades em termos de reestruturações, essas ações com poder muito grande, entre outras, mas não temos o mesmo arcabouço de proteção para os investidores. Temos novidade em termos de diversificação de operações, mas o que falta para nosso mercado é o desenvolvimento regulatório que dá proteção aos acionistas.

As empresas sem controle definido, chamadas de corporations, também enfrentam esse problema de falta de arcabouço regulatório adequado?

As corporations começaram de maneira tímida no Brasil, mas de alguns anos para cá, elas se desenvolveram mais rapidamente. Agora ganham muito mais importância. Também aí o arcabouço de proteção aos acionistas também não conseguiu acompanhar o desenvolvimento. Por exemplo, o papel do Conselho de Administração em uma corporation é muito mais relevante que em uma empresa que tem um controlador. Ali são os acionistas de fato que têm de mandar na companhia não de forma individual, mas coletiva. Daí a importância de contar com Conselhos bem preparados, independentes, escolhidos de forma democrática.

Falando um pouco sobre sua atuação na direção de fundos de pensão, como analisa a evolução da participação desses investidores na Bolsa e nas companhias?

De uma forma geral, todos os fundos de pensão tentaram, um pouco mais, um pouco menos, aumentar seus investimentos em ações. Lá atrás, em 2012, quando houve uma queda da taxa de juros no governo Dilma, que foi uma queda forçada, alguns fundos de estatais tentaram fazer diversificação para ativos de risco. Mas isso foi realizado no momento errado e o resultado foi negativo. No caso das fundações de patrocinadores privados, com menos ingerência política, como é o nosso caso da Vivest, felizmente isso não aconteceu.

Agora o cenário é diferente, não é mesmo?

Sim, em um momento mais recente, em que a queda da taxa de juros é percebida como algo mais sustentável, quase todas as fundações aumentaram seus investimentos em ativos de risco e ações. Esse processo foi muito rápido e agora as fundações precisam se engajar em políticas de acompanhamento dessas empresas, de maneira muito próxima. Precisam se engajar nos Conselhos com atenção maior à governança, caso contrário, serão prejudicadas.

Como esse movimento das fundações é percebido pela Amec?

Vemos um movimento maior de fundações entrando na Amec. No passado eram poucas, agora temos várias. Devemos ver daqui pra frente uma aproximação cada vez maior das fundações à associação, porque antes a renda variável representava um percentual muito pequeno da carteira. Agora é um percentual cada vez maior. Veremos então cada vez maior envolvimento na governança das empresas, bem como nos investimentos ESG.

Como avalia a prática de princípios ESG nas fundações no Brasil?

A preocupação com o stewardship, com o ESG e engajamento em geral vai aumentar cada vez mais. Acho que o ritmo disso tem sido lento. Poderia ser mais rápido, mas está acontecendo e isso é bom. Nos mercados mais desenvolvidos, as fundações são os principais motores e incentivadores desse aperfeiçoamento de governança, ainda que de forma lenta, aqui é uma tendência que está crescendo.