Formato virtual de assembleia é o modelo mais democrático

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O advogado Daniel Alves Ferreira cita que já acompanhou o impressionante número de mais de 12 mil assembleias de companhias. Com uma das visões mais amplas do mercado, ele falou com exclusividade ao Panorama Amec sobre as expectativas sobre a temporada de Assembleias 2024. 

Membro de conselhos de administração e fiscal de diversas companhias ao longo de carreira, incluindo Petrobras, Eletrobras e Cemig, Daniel Alves Ferreira tem defendido o formato virtual de assembleia como o mais democrático entre as opções e ferramentas existentes. 

“A principal tendência é que a assembleia virtual de fato tomou o lugar da assembleia presencial. É um formato que facilita muito o mecanismo da companhia e do próprio acionista, porque ele não precisa se deslocar. É infinitamente mais democrática e abrangente do que o próprio boletim de voto a distância”, disse em trecho da entrevista. O especialista aproveitou para fazer uma série de críticas ao BVD que, segundo ele, está perdendo qualidade nos últimos anos. Leia a seguir a entrevista na íntegra:

Panorama Amec: Com a queda dos juros em curso, há uma grande expetativa do aumento da captação das empresas. Como você avalia a temporada de assembleias 2024 e o momento das empresas? Acredita que exista mesmo uma perspectiva positiva para novas aberturas de capital no horizonte?   

Daniel Alves Ferreira. Foto: Divulgação.

Daniel Alves Ferreira: A situação econômica do país não influencia diretamente nos temas das assembleias, mas sim questões com o pagamento de dividendos. A aprovação ou não de dividendos obviamente vai refletir também o resultado das companhias. Com relação à expectativa de novos IPOs, de fato aguardamos algumas novas aberturas de capital para este ano de 2024 e para 2025. Há várias empresas que ainda aguardam o melhor cenário econômico para fazer os lançamentos das ações. O IPO precisa contar com um momento certo para se fazer e se pedir, exatamente para que o mercado tenha bastante aceitação daquela ação.

A CVM realizou a Consulta Pública em 2023 para tratar de mudanças nas assembleias das companhias. Você avalia que teremos mudanças na regulação ainda para este ano? 

Esperávamos a publicação de uma nova resolução na CVM sobre a dinâmica de Assembleias, refletindo uma consulta pública para o início de 2024, mas acabou não saindo a tempo para efeito da temporada de assembleias deste ano. Temos ainda uma atualização da Resolução nº 81/22 que irá mexer com a obrigatoriedade do boletim de voto a distância para as assembleias gerais extraordinárias, ao mesmo tempo que orienta e normatiza a obrigatoriedade das assembleias híbridas. São pontos que se fossem publicados agora, mudariam o cenário da temporada de 2024 em relação ao ano anterior. 

Como você avalia essa mudança no formato das assembleias. Poderia explicar as transformações desde a pandemia?

A principal tendência é que a assembleia virtual de fato tomou o lugar da presencial. É um formato que facilita muito o mecanismo da companhia e do próprio acionista, porque ele não precisa se deslocar. Desta forma, tem a possibilidade de acompanhar aquele momento formal da empresa onde investe. É infinitamente mais democrática e abrangente do que o próprio boletim de voto a distância. Então, atua de maneira muito mais assertiva e permite não só dialogar com a companhia, mas acompanhar qualquer mudança de cenário que essa assembleia venha trazer no dia da reunião, o que o BVD não vai capturar.

Conseguimos administrar bem o ambiente, tornando-se um evento muito mais produtivo do ponto de vista das discussões, pois as pessoas não perdem tempo falando coisas que não cabem na pauta. Elas ficam restritas à pauta e isso permite uma eficácia maior da reunião, as pessoas são mais pragmáticas com uma duração bem menor. 

Acreditamos que as assembleias virtuais virão em maior número do que nos anos anteriores. Em termos percentuais, acho que poderíamos falar que quase 75% das assembleias foram virtuais no ano passado. De uma maneira geral ela vem crescendo.

E o que acha da ideia da CVM, apresentada na Consulta Pública de 2023, para tornar o formato híbrido obrigatório? 

Sim, a CVM está querendo tornar obrigatório o híbrido. Eu acho que o formato híbrido é o mais adequado porque apresenta as duas oportunidades, da pessoa estar presente ou participar virtualmente. Do ponto de vista estrutural e operacional, é mais complexo porque você precisa ter o ambiente virtual transitando junto ao ambiente presencial, então se torna mais difícil montar uma sala de reunião com esse perfil.

Na sua experiência de quem vive a dinâmica das assembleias por dentro, há ainda espaço para aperfeiçoamento no formato desse encontro de investidores? Quais os pontos mais deficientes?

Teríamos que passar por um processo de adaptação grande do boletim de voto a distância, para que essas assembleias, tanto virtuais como híbridas, possam garantir uma eficácia melhor desse instrumento. Acho que o BVD vem caindo de qualidade. 

Mas não houve uma melhoria do BVD durante a pandemia? O que precisaria ser feito em relação a esse instrumento?

Não mudou nada significativo em relação ao BVD. O sistema da B3 não atende os requisitos mínimos para que seja feito um aperfeiçoamento. Isso é um problema. Tinha melhorado uma coisa ou outra, mas não houve mudança significativa. Para mim o BVD é um instrumento de relacionamento do acionista com a companhia. Ele não deveria ser um elemento obrigatório, e sim facultativo. A companhia que quer ter um engajamento melhor do seu acionista, quer ter uma governança avaliada melhor, ele faz o boletim. A companhia que não quer, não faz. Acho que deveria deixar obrigatória a assembleia virtual, porque teria uma democratização para qualquer acionista participar independentemente da posição que ele tenha e sem custo.

Então, o que poderia ser feito para melhorar o BVD? 

Acho que o BVD deveria passar por uma adaptação. Ele deveria ser focado somente nas matérias que não demandam eleição. Defendo que temas de eleição não deveriam estar nele, porque se o instrumento não garante as expectativas todas, eu não posso utilizá-lo parcialmente. Então, as matérias que deveriam entrar pelo BVD deveriam ser aquelas básicas, como aprovação de contas, a destinação de resultado, a própria remuneração dos administradores. Mas as eleições, tanto para o conselho fiscal quanto de administração, deveriam ficar fora. 

Você espera alguma mudança significativa para os pacotes de remuneração apresentados nesta temporada? 

A aprovação da remuneração de administrador faz parte da AGO, assim como a questão do pagamento de dividendos, com a avaliação se os resultados auferidos no ano anterior serão aplicados em 2024. Mas, remuneração talvez seja uma questão mais sensível, porque ainda existem alguns caminhos a percorrer sobre a sua ampla divulgação. Existe uma questão de segurança dos profissionais que atuam. Isso está em uma fonte pública de consulta e hoje temos um país com uma fragilidade enorme de segurança pública. É uma questão que merece atenção com relação à divulgação. 

Os investidores muitas vezes reclamam da falta de transparência? Não é preciso mudar as práticas? 

Existe muita pressão internacional, principalmente das agências de proxy, a ISS e a Glass Lewis, quanto a ampla divulgação dos seus dados e de como o montante global é de fato distribuído. É muito importante que as companhias tenham essa visão para ter o seu pacote aprovado, porque já vimos casos em que a remuneração deixou de ser aprovada. Isso é um cenário que precisa ser muito claro para a companhia. 

E quais as projeções para as assembleias de 2024 de Vale e Petrobras, que costumam ser as mais disputadas tradicionalmente?

As assembleias de Petrobras e Vale são sempre muito animadas, não só porque elas têm uma competitividade de indicação de membros do conselho bastante acirrada, mas porque são companhias que atraem os holofotes do mercado. Isso por diversos fatores, não só por ela ser uma companhia importante, mas pelos últimos acontecimentos, pelas fatalidades que vieram à tona com a Vale. Então faz com que as pessoas participem do conselho mais do que outras companhias. 

Já Petrobras é um caso atípico, é uma estatal que tem um grupo de minoritários muito forte, com indicações recorrentes nos últimos anos e que vem fazendo o freio e contrapeso necessário para uma companhia que é uma estatal. Acho que também será uma discussão importante. Esse ano teremos eleição novamente, por conta da renúncia de um conselheiro, e como lá foi voto múltiplo terá eleição novamente. Esse ano tem eleição tanto de preferencialista como eleição de ordinarista minoritário.

A Amec tem atuado muito na defesa da lei das estatais. Como os ruídos recentes na interlocução com o acionista controlador impacta na assembleia das estatais?

Do ponto de vista de Petrobras já impactou, porque a última assembleia revogou a disposição estatutária que previa algumas restrições. E a justificativa foi que isso se deu porque a lei já não trazia mais esse conteúdo, muito embora devido a um conteúdo liminar, decidido por um único ministro. Mas a Petrobras entendeu que deveria tirar do seu estatuto social. Então, hoje em dia, em tese você teria a condição de fazer a indicação de um político para o conselho de administração da Petrobras.

Isso é um problema. Se a gente tivesse um histórico positivo da permanência de políticos dentro dos conselhos das companhias como um ato de relevância para aquela companhia, nós não teríamos chegado às condições que chegamos agora a pouco, não só com Petrobras, como com outras empresas estatais. 

E finalmente, sobre Eletrobras. O que se pode esperar? Poderia dar um contexto da companhia? 

Eletrobras estamos naquele processo de adequação por conta da capitalização, mudança de mentalidade pública para privada. Acho que a companhia tem muito a oferecer, muito a crescer. A companhia está passando por uma reestruturação violenta. Nós temos um grupo de presidente e vice-presidentes exemplares. Acho que a companhia está em boas mãos. Não falo nem do conselho, o conselho é eclético com diversas particularidades, focado para a companhia, mas a diretoria executiva é robusta, segura, capacitada e acima de tudo com vontade de fazer a companhia modificar.